VI DOMINGO DO TEMPO COMUM
“O QUE DEUS PREPAROU PARA OS QUE O AMAM É ALGO QUE OS OLHOS JAMAIS
VIRAM NEM OS OUVIDOS OUVIRAM NEM CORAÇÃO ALGUM JAMAIS PRESSENTIU”. (1Cor 2,9).
Diácono
Milton Restivo
Como
temos visto, as primeiras leituras do Tempo Comum é sempre tirada de um dos
livros do Antigo Testamento: Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Números. Levítico e
Deuteronômio), do livro dos profetas, dos livros chamados históricos e dos
livros chamados Sapienciais.
A primeira
leitura da liturgia de hoje é tirada de um livro sapiencial, o livro do
Eclesiástico, que quer dizer “Livro da Igreja” porque, na Igreja primitiva, esse
livro era utilizado com frequência para a instrução dos fiéis. O Eclesiástico
está relacionado entre os “livros sapienciais” da Bíblia (como o Eclesiastes,
com o qual não se confunde, Salmos, Provérbios e outros).
O livro,
formado por reflexões pessoais do autor, era comumente lido em templos
cristãos, aliás, o nome Eclesiástico
(Livro da Igreja ou da Assembléia) provém do uso oficial que a Igreja fazia
desse livro, em contraposição à sinagoga judaica, que não o aceitava como
Palavra de Deus.
Desde os
primeiros séculos do Cristianismo até há pouco tempo, o nome mais comum para
designar este livro era “Eclesiástico” (do latim “Ecclesiasticus liber”), o que
significa o livro da igreja ou da assembléia. O bispo são Cipriano, falecido em
248, parece ter sido o primeiro a usar esse nome, devido ao uso que dele se
fazia na Igreja antiga.
Este livro
também é conhecido como livro de Sirac ou, simplesmente, Sirácida, em relação
ao seu autor, Jesus Ben Sirac: “Jesus,
filho de Sirac, neto de Eleazar de Jerusalém, gravou neste livro uma instrução
de sabedoria e ciência, derramando como chuva a sabedoria do seu coração.” (Eclo
50,27). O livro do Eclesiástico é formado por reflexões pessoais do autor e era
comumente lido em templos cristãos para a formação dos convertidos para o
cristianismo e para a catequese daqueles que se preparavam para receber o
Batismo, os catecúmenos.
O livro do
Eclesiástico trata-se, antes de tudo, de um escrito de sabedoria que,
infelizmente, é excluído das Bíblias protestantes, perdendo, assim, os nossos
queridos irmãos, uma sabedoria e espiritualidade que fortalece a vivência
voltada para as coisas de Deus.
Grande parte do
conteúdo deste livro é dedicada a louvar a Deus e estimular o fiel à virtude
religiosa. É no livro do Eclesiástico que encontram-se os primeiros escritos
que chamam a atenção sobre os sete pecados capitais e como evitá-los, senão
vejamos: 1º) Soberba: (Eclo 10,7.14); 2º) Avareza: (Eclo 10,9-10; 14,3-6;
31,1-8); 3º) Luxuria: (Eclo 23,23-37); 4º) Ira: (Eclo 28,1-9); 5º) Gula: (Eclo
31,12-25); 6º) Inveja: (Eclo 14,8-10) e 7º) Preguiça: (Eclo 22,1-2).
Apesar de ser
rejeitado pelos nossos queridos e amados irmãos que se autodenominam crentes, evangélicos
e protestantes, o livro do Eclesiástico é constantemente citado no Novo
Testamento por Jesus e pelos apóstolos para provar que também é um livro
inspirado pelo Espírito Santo, senão vejamos: no Eclesiástico encontramos: Eclo
5,11: “Esteja pronto para ouvir e lento
para dar a resposta.”, e na carta de Tiago, encontramos: Tg 1,19: “Vocês já sabem, meus queridos irmãos: cada um seja pronto para ouvir,
mas lento para falar...”. Em Eclesiástico 51,23ss: “Aproximem-se de mim, vocês que não tem instrução”. No Evangelho de
Mateus 11,29: “Aprendam de mim, porque
sou manso e humilde de coração”. No Eclesiástico 10,14: “O Senhor derruba o trono dos poderosos e
faz os humilhados assentarem-se no lugar deles”. No Evangelho de Lucas 1,52:
“Derruba do trono os poderosos e eleva os
humildes.”; no Eclesiástico 3,2: “Ouvi,
meus filhos, os conselhos de vosso pai, segui-os de tal modo que sejais
salvos.”; na carta de Paulo aos Efésios 6,1: "Filhos, obedecei a vossos pais segundo o Senhor: porque isto é
justo”. Se for para fazer todas as citações repetidas do livro do
Eclesiástico no Novo Testamento, ficaríamos somente nisso e fugiríamos do nosso
objetivo principal, que é meditar os ensinamentos desta liturgia.
Na primeira
leitura o livro do Eclesiástico traz-nos uma jóia de ensinamento sobre a
observância dos mandamentos e proclama a sabedoria do Senhor, afirmando que
Deus deu ao homem o livre arbítrio, isso é, Deus coloca diante do homem o bem e
o mal, a vida e a morte, a felicidade e a desgraça; cabe o homem tomar a sua
decisão e escolher o que julgar melhor para si, e isso de sua livre e
espontânea vontade: “Desde o princípio
Deus criou o homem e o entregou ao poder de suas próprias decisões. Se você
quiser observar os mandamentos e sua fidelidade, vai depender da boa vontade
que você mesmo tiver. Yahweh pôs você diante do fogo e da água, e você poderá
estender a mão para aquilo que quiser”. (Eclo 15,14-16). Deixa claro que o
homem tem liberdade de escolher entre o bem e o mal, mas terá de assumir as
consequências de sua escolha.
Na criação,
Deus plantou diante do homem a árvore do conhecimento do bem e do mal (cf Gn
2,8-9), e deixou ao homem a livre escolha de qual fruto desejaria comer: do
conhecimento do bem ou do conhecimento do mal, e já sabemos quais foram as
escolhas e as consequências.
É a respeito
disso que o livro do Eclesiástico adverte. Da mesma maneira, como aconteceu ao
primeiro homem, ou melhor, ao primeiro casal, Deus também colocou diante dos
israelitas, enquanto caminhavam no deserto, dois modos de vida, duas escolhas
que poderiam ser feitas, e caberia a eles fazer a escolha que lhes apetecesse:
a vida ou a morte, a felicidade ou a desgraça; que seguissem ou não os
mandamentos de Yahweh: “Vejam! Hoje eu
estou colocando diante de vocês a benção e a maldição. A benção, se vocês
obedecerem aos mandamentos de Yahweh seu Deus, que eu hoje lhes ordeno. A
maldição, se não obedecerem aos mandamentos de Yahweh seu Deus, desviando-se do
caminho que eu hoje lhes ordeno, para seguir outros deuses que vocês não
conheceram”. (Dt 11,26-28). “Veja:
hoje eu estou colocando diante de você a vida e a felicidade, a morte e a
desgraça. Se você obedecer aos mandamentos de Yahweh seu Deus, que hoje lhe
ordeno, amando a Yahweh seu Deus, andando em seus caminhos e observando os seus
mandamentos, estatutos e normas, você viverá e se multiplicará. Yahweh seu Deus
o abençoará na terra onde você está entrando para tomar posse dela. [...] Hoje eu tomo o céu e a terra como
testemunhas contra vocês: eu lhes propus a vida ou a morte, a benção ou a
maldição. Escolha, portanto, a vida, para que você e seus descendentes possam
viver, amando a Yahweh seu Deus, obedecendo-lhe e apegando-se a ele, porque ele
é a sua vida e o prolongamento de seus dias”. (Dt 30,15-16.19-20a).
É essa proposta
que Deus continua a fazer ainda hoje; o homem é livre, a escolha é dele, mas as
consequências advirão da escolha que ele fizer. Paulo adverte seus leitores a
respeito dessa escolha: “Quem semeia nos
instintos egoístas, dos instintos egoístas colherá corrupção; quem semeia no
Espírito, do Espírito colherá a vida eterna”. (Gl 6,8).
E a leitura de
hoje termina dizendo: “Yahweh não mandou
ninguém se tornar injusto e a ninguém deu permissão para pecar”. (Eclo
15,2). Agora dá para entender o que Jesus quis dizer, quando disse: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. (Mt
11-15).
Assim como a
primeira leitura, a do livro do Eclesiástico, que proclama a sabedoria de Deus,
quando diz: “A sabedoria do Senhor é
imensa, ele é forte e poderoso e tudo vê continuamente”. (Eclo 15,19), a
segunda leitura tirada da primeira carta de Paulo aos coríntios também enaltece
a sabedoria de Deus: “Entre os perfeitos
nós falamos de sabedoria, não da sabedoria deste mundo nem da sabedoria dos
poderosos deste mundo, que, afinal, estão votados à destruição. Falamos, sim,
da misteriosa sabedoria de Deus, sabedoria escondida que, desde a eternidade,
Deus destinou para a nossa glória. Nenhum dos poderosos deste mundo conhece
essa sabedoria, pois se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor
da glória”. (1Cor 2,6-8).
Tudo isso leva
a entender que a sabedoria de Deus está personificada na pessoa de Jesus, que é
“a Palavra que se fez homem e veio
habitar entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do
Pai, cheio de amor e fidelidade”. (Jo 1,14).
Jesus é a
Palavra do Pai, e a Palavra é a Sabedoria de Deus que se manifesta nas
maravilhas do mundo e nos acontecimentos da história de todos os homens,
chamando-os à realidade da justiça e do amor. São sábios, portanto, e muito
felizes “aqueles que ouvem a Palavra de
Deus e a põe em prática”. (Lc 11,28).
E para aqueles
que “ouvem a Palavra de Deus e a põe em
prática”, o Senhor preparou algo indescritível: “O que Deus preparou para os que o amam é algo que os olhos jamais
viram nem os ouvidos ouviram nem coração algum jamais pressentiu” (1Cor
2,9).
No Evangelho
Jesus continua o seu discurso do chamado “Sermão da Montanha”, que ele começou
com as Bem-Aventuranças. O Sermão da Montanha compreende os capítulos de 5 a 7 do Evangelho de Mateus. A
tônica desse discurso de Jesus, a Palavra e a Sabedoria de Deus, não é
desconsiderar o que foi dito pelos profetas ou o que determina a Lei, mas fazer
com que tudo seja entendido sob a ótica do amor e da justiça e seja vivido no
espírito da fraternidade e caridade, conforme disse Jesus: “Não pensem que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas
dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5,17) e, por isso, Jesus repete com muita
frequência: “Vocês ouviram o que foi dito
aos antigos... eu, porém, lhes
digo...”. (Mt 5,21.27.31.33.38.43).
O que fora dito
aos antigos não fora entendido conforme seria a vontade de Deus e, não sendo
entendido, não era vivido de conformidade com o desejo de amor de Deus Pai aos
seus filhos. Jesus vem para colocar as coisas nos seus devidos lugares, sem
anular o que fora digo, conforme ele mesmo disse: “Eu garanto a vocês: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem
sequer uma letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo aconteça.
Portanto, quem desobedecer a um só desses mandamentos, por menor que seja, e
ensinar os outros a fazer o mesmo, será considerado o menor no Reino do Céu.
Por outro lado, quem os praticar e ensinar, será considerado grande no Reino do
Céu”. (Mt 5,19).
Jesus dá
continuidade a essa advertência com uma chamada de atenção: “Com efeito, eu lhes garanto: se a justiça
de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão
no Reino do Céu”. (Mt 5,20).
Quem são os
doutores da Lei e os fariseus dos nossos dias? São os que julgam que já
compraram a passagem para o céu por aquilo que fazem e se julgam merecedores de
serem premiados pela infinidade de atitudes que praticam apenas para se
promoverem diante dos olhos dos homens ou das orações verbalizadas que recitam
sem ligação com a vida, como foi o caso do fariseu citado por Jesus na parábola
contida em Lucas 18,9-14 e, a respeito disso, Tiago alerta: “Todo orgulhoso desse tipo é mau. Portanto,
quem sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado”. (Tg 4,17).
Tiago vai mais
fundo ainda a respeito desses fariseus e doutores da Lei que julgam que,
somente com palavras, que dizem ser fé, estão justificados: “Alguém poderia dizer ainda: ‘Você tem a fé,
e eu tenho as obras. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu, com as minhas obras,
lhe mostrarei a minha fé. [...] Insensato,
quer ver como a fé sem as obras não tem valor? [...] Como vocês estão vendo, o homem é justificado pelas obras, e não
somente pela fé. [...] De fato, do
mesmo modo que o corpo sem o espírito é cadáver, assim também a fé: sem a fé
ela é cadáver”. (Tg 2,18.20.24.26). Se a nossa justiça não superar a
justiça desses que não espelham a fé que dizem ter em obras ou que não praticam
as obras como consequência de sua fé, como eles, não entraremos no Reino do
Céu.
Quantos
participam da Eucaristia levando no coração desavenças contra o irmão. Para
esses, Jesus não usa de meias palavras: “Portanto,
se você for até o altar para levar a sua oferta, e ai se lembrar que o seu
irmão tem alguma coisa contra você, deixe a sua oferta ai diante do altar, e vá
primeiro fazer as pazes com o seu irmão; depois volte para fazer a sua oferta”.
(Mt 5,23-24).
Jesus rejeita a
oferta que não seja fruto do amor e da fraternidade. Se assim não for, volta-se
a ser o fariseu da parábola, a quem Jesus abomina.
Nesse discurso
do Sermão da Montanha Jesus vem esclarecer qual é a plena vontade de Deus na total
felicidade de todos os homens, e isso se manifesta no pleno conhecimento e
cumprimento da Lei e dos Profetas.
Não se pode
interpretar e nem resumir as palavras de Jesus como um mero discurso legalista,
porque a medida da justiça e do amor é transmitida nos ensinamentos e na pessoa
de Jesus.
Na leitura
desta liturgia Jesus fala sobre a lei e a justiça, a ofensa e a reconciliação,
o adultério e a fidelidade, o juramento e a verdade.
As palavras de
Jesus são tão claras e explicativas que, possivelmente seria tirado o seu
brilho se tentassem explicar o inexplicável contido no mandamento do amor
deixado por Jesus: “O meu mandamento é
este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior
do que dar a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos, se fizerem o que eu estou
mandando. [...] O que eu mando é
isto: amem-se uns aos outros”. (Jo 15,12-14.17).
Na sua carta o
Apóstolo João reforça o mandamento do amor: “Porque
esta é a mensagem que vocês ouviram desde o princípio: que nos amemos uns aos
outros. [...] Compreendemos o que é o
amor, porque Jesus deu a sua vida por nós; portanto, nós também devemos dar a
vida pelos irmãos”. (1Jo 11.16).
O discurso de
Jesus no Sermão da Montanha está totalmente alicerçado no amor e na busca da
perfeição. Quem ama perdoa e busca a reconciliação com o irmão (Mt 5,23-26).
Quem ama não
deseja o que é do outro e vive com fidelidade o seu matrimônio (Mt 5,27-32).
Quem ama não
mente e, quem não mente não precisa jurar para dizer que está falando a verdade
(Mt 5,33-37).
Quem ama não
responde violência com violência (Mt 5,38-42).
Quem ama tem a
mesma atitude do Pai “que faz o sol
nascer sobre maus e bons, e a chuva cair sobre justos e injustos. Pois se vocês
amam somente aqueles que os amam, que recompensa vocês terão? [...] Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o
Pai de vocês que está no céu.” (Mt 5,45b-46.48).
Mais tarde
Jesus deixaria um novo mandamento baseado em tudo aquilo que ele pregou no
Sermão da Montanha: “Eu dou a vocês um
mandamento novo: amem-se uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns pelos
outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos”. (Jo 13,34-35).
Paulo assimilou,
na sua integridade, o mandamento do amor, que transmitiu aos seus discípulos: “Cada um perdoe o outro, do mesmo modo que o
Senhor perdoou vocês. E, acima de tudo, vistam-se com o amor, que é o laço da
perfeição”. (Cl 3,13b-14).
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