PÁSCOA E RESSURREIÇÃO
“ELE VIU E ACREDITOU”. (Jo 20,8).
Diácono Milton Restivo
Assim o Senhor Nosso Deus anunciava a Páscoa, a
libertação ao povo israelita que se encontrava em escravidão nas terras do
Egito sob o poder do Faraó: "Este
dia será para vós um memorial, e o celebrareis como uma festa para Iahweh; nas
vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo." (Ex 12, 14).
A primeira Páscoa foi marcada com o sangue do
cordeiro: "Fala a toda a comunidade
de Israel, dizendo: "Aos dez deste mês, cada um tomará para si um cordeiro
por família, um cordeiro para cada casa”. (Ex 12, 2); "Tomarão do seu sangue e polo-ão sobre os dois marcos e a
travessa da porta, nas casas em que o comerem." (Ex 12, 7).
O símbolo da primeira Páscoa foi designado pelo Senhor
para ser um cordeiro imolado e o seu sangue significou a libertação, a salvação
do povo israelita da escravidão do Egito.
A segunda e definitiva Páscoa não poderia ser
diferente: um cordeiro também foi imolado e o seu sangue serviu de libertação,
remissão e salvação do gênero humano mergulhado no pecado e, João Batista, ao
ver o Senhor Jesus aproximar-se dele, o apresenta aos seus discípulos como
sendo esse cordeiro: “No dia seguinte,
ele vê Jesus aproximar-se dele e diz: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo.” (Jo 1, 29).
O profeta Isaias se antecipou e disse a respeito de
Jesus: "Verdadeiramente ele foi o
que tomou sobre si as nossas fraquezas, ele mesmo carregou com as nossas dores;
nós o reputamos como um leproso, como um homem ferido por Deus e humilhado. Mas
foi ferido por causa das nossas iniquidades, foi despedaçado por causa dos
nossos crimes; o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele, e nós fomos
sarados com as suas pisaduras. Todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada
um extraviou por seu caminho; e o Senhor carregou sobre ele a iniquidade de
todos nós. Foi oferecido em sacrifício porque ele mesmo quis, e não abriu a sua
boca; como uma ovelha que é levada ao matadouro, como um cordeiro diante do que
o tosquia, guardou silêncio e não abriu sequer a sua boca." (Is 53,
4-7). "... porque entregou a sua
vida à morte, foi posto no número dos malfeitores, tomou sobre si os pecados de
muitos e intercedeu pelos pecadores." (Is 53, 12). O sangue do cordeiro da primeira Páscoa
livrou o povo israelita das pragas que o Senhor mandou sobre o Egito - Êxodo,
capítulos de
Moisés, na primeira Páscoa dos judeus e guiado pelo
Senhor, libertou-os da escravidão que
eles se encontravam nas terras do Egito: "O
Senhor ia adiante deles para lhes mostrar o caminho, de dia numa coluna de
nuvem, e de noite numa coluna de fogo, para lhes servir de guia num e noutro
tempo. Nunca se retirou de diante do povo a coluna de nuvem, durante o dia, nem
a coluna de fogo, durante a noite." (Ex 13, 21-22).
E, assim, o escritor sagrado que escreveu a carta aos
Hebreus nos relembra esse fato maravilhoso: "Pela
fé (Moisés), deixou o Egito, não temendo
a cólera do rei; permaneceu firme, como se visse aquele que é invisível. Pela
fé celebrou a Páscoa e fez a aspersão do sangue a fim de que o
Exterminador dos primogênitos não
tocasse os israelitas. Pela fé passaram o mar Vermelho, como por terra firme enquanto
que os egípcios, tentando a mesma passagem, foram submersos." (Hb 11,
27-29). Jesus, na Páscoa da Nova
Aliança, na sua ressurreição, nos liberta da escravidão do pecado para a graça
de Deus; nos liberta da morte para a vida; nos liberta da opressão para a total
liberdade de filhos de Deus.
Páscoa é liberdade:
"Em verdade, em verdade vos digo que todo o que comete o pecado, é escravo
do pecado. Ora, o escravo não fica para sempre na casa, mas o filho fica nela
para sempre. Por isso, se o Filho vos livrar, sereis verdadeiramente
livres." (Jo 8, 34-36).
Páscoa é ressurreição.
Páscoa é sairmos do estado pecaminoso e compreendermos
que a liberdade total só vem de Deus; é só nele acreditarmos e só a ele nos
entregarmos porque "Cumpriu-se o
tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no
Evangelho." (Mc 1, 15).
A Páscoa da ressurreição a vivemos todos os dias.
A ressurreição não se explica por palavras mas pelo
testemunho de vida verdadeiramente cristã; demonstramos que acreditamos na
ressurreição de Jesus Cristo através de nossa mudança de vida, da nossa mudança
de mentalidade para que possamos, - conforme diz o Padre Zezinho na sua música
– “viver como Jesus viveu, pensar como
Jesus pensou, amar como Jesus amou, andar como Jesus andou”, porque: "Aquele que diz que permanece nele
deve também andar como ele andou." (1Jo 2, 6), e seguir seus
mandamentos: "Quem tem meus
mandamentos e os observa é que me ama; e quem me ama será amado por meu Pai. Eu
o amarei e me manifestarei a ele." (Jo 14, 21); "Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai o amará e a
ele viremos e nele estabeleceremos morada. Quem não me ama não guarda as minhas
palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que me enviou."
(Jo 14, 22-24). Se quisermos que o mundo
acredite na Páscoa da Ressurreição devemos ter a coragem de gritar aos quatro ventos: "Cristo
ressuscitou; eu creio e foi por isso que minha vida mudou": "Vós sois testemunhas disso." (Lc 24, 48).
Os primeiros cristãos agiam dessa maneira: "Eles mostravam-se assíduos ao
ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações.
Apossava-se de todo o temor, pois numerosos eram os prodígios e sinais que se
realizavam por meio dos apóstolos.” (At 2, 42-43).
Os primeiros cristãos demonstravam uma mudança radical
de vida, pois que começaram a acreditar
na ressurreição de Jesus Cristo. Os primeiros cristãos, depois que
começaram a crer no Ressuscitado abandonaram o egoísmo e a injustiça,
condenaram a opressão e a ganância de "ter mais" para "ser
mais", abraçaram uma vida nova na fé e no amor.
E, agindo dessa maneira, o livro dos Atos dos
Apóstolos nos revela que, entre os primeiros cristãos não havia necessitados: "Todos os que tinham abraçado a fé
reuniam-se e punham tudo em comum; vendiam suas propriedades e bens, e
dividiam-no entre todos, segundo as necessidades de cada um. Dia após dia,
unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando
o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam de
simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que
seriam salvos." (At 2, 44-47). Já
passou da hora de fazermos o mesmo. Acreditar e ser testemunha de Jesus
Ressuscitado e ressuscitar com ele implica em sofrimentos, dores, perseguições,
incompreensões até dos que nos são mais íntimos e amados, assim como aconteceu
também com os primeiros cristãos.
O que precisamos é tirar Jesus das nuvens, onde o
colocamos e trazê-lo até nós, pés no chão, bem perto de nós. Precisamos mudar de vida e de mentalidade,
acreditar que Jesus Cristo ressuscitou.
Se acreditarmos, realmente, como dizemos que ele
ressuscitou dos mortos, que venceu a morte e está mais do que nunca vivo,
porque então não assumimos a nossa fé e a transmitimo-la ao mundo, para que
este mesmo mundo se liberte de tantas injustiças e opressões?
Se acreditarmos na ressurreição temos que acreditar
também que, a primeira prova da nossa fé na ressurreição é lutarmos para por
fim às desigualdades entre os homens, matar a fome de tantos irmãos que continuam a receber o salário da fome e
não tem condições de atender, sequer, as necessidades primárias da sua família.
O Evangelho é a revelação do amor, e o amor não tolera desigualdades. Onde existe o amor não pode existir a fome, a
injustiça, a opressão.
É com muita tristeza que vemos em nossas comunidades
cristãs que, no mesmo culto participam, lado a lado, o opressor e o oprimido, o
violento e o violentado, o injusto e o injustiçado, aquele que recebe o salário
de milhões e o que recebe o salário mínimo.
E dizem que todos são irmãos! E nos acomodamos... E
nada fazemos...
Sentamos no nosso cantinho e, covardemente,
respondemos a Deus quando somos inquiridos, como Caim respondeu quando foi
inquirido por Deus a respeito de seu irmão Abel: "Iahweh disse a Caim: "Onde está teu irmão Abel?" Ele
respondeu: "Não sei. Acaso sou guarda de meu irmão?” (Gn 4, 9), ou com
fez Pedro, negando ao Senhor Jesus no momento mais crucial de sua vida: "Não conheço esse homem de quem
falais." (Mc 14, 71). Da
maneira, como Caim que mente ao Senhor sobre o destino de seu irmão e Pedro que
nega ao Senhor nós também, covardemente, ignoramos as necessidades do irmão e
negamos ao Senhor na presença de seus acusadores, virando as costas à
afirmativa do Senhor Jesus quando subia aos céus: "... e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e
a Samaria, e até os confins da terra." (At 1, 8).
Não conhecemos, verdadeiramente, ao Senhor Jesus, e
bem por isso, não nos preocupamos com a necessidade do irmão, não protestamos
contra as injustiças que existem mesmo
na participação de uma mesma eucaristia...
A Páscoa e ressurreição de Jesus Cristo só se tornarão
uma realidade em nossas vidas se formos capazes de lutar contra a fome dos
pobres, as lágrimas dos oprimidos e sofredores, "Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de
beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me
visitastes, preso e vieste ver-me." (Mt 25, 35-36).
A Páscoa da ressurreição é a razão de ser da nossa fé.
A Páscoa da Ressurreição é o sustentáculo da Igreja de Jesus Cristo. De nada
teria adiantado o Senhor Jesus vir a este mundo, sofrer o que sofreu, morrer
como morreu, se não tivesse ressuscitado ao terceiro dia como havia prometido
aos seus apóstolos e discípulos e como afirma Paulo ao constatar a
incredulidade da ressurreição em alguns primeiros cristãos: "Ora, se se prega que Cristo
ressuscitou dos mortos, como pode alguém dentre vós dizer que não há
ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não
ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia
também é a vossa fé." (1Cor 15, 12-14).
Todos os dias acontece uma ressurreição em nossa vida.
Quando acordamos pela manhã estamos ressuscitando para
um novo dia.
Quando conhecemos alguém estamos ressuscitando para
uma nova amizade.
Quando perdoamos estamos ressuscitando para a graça de
Deus.
Quando somos perdoados estamos ressuscitando para a
misericórdia divina: "Não são os que
tem saúde que precisam de médico, mas os doentes. Eu não vim chamar os justos,
mas os pecadores." (Mc 2, 17). Jesus
Cristo ressuscitou e nos abriu as portas para a ressurreição nossa de cada dia.
Assim como Jesus Cristo ressuscitou Lázaro (Jo 11,
43-44), ressuscitou a filha de Jairo (Mc 5, 41-42), ressuscitou o filho da
viúva de Naim (Lc 7, 14-15), nós também ressuscitamos nossos irmãos.
Quando confortamos alguém mergulhado na tristeza, nós
o ressuscitamos para a alegria; quando socorremos alguém em dificuldades de
qualquer natureza, nós o ressuscitamos para uma vida mais confiante no hoje e
no agora e mais digna.
A ressurreição é um ato que acontece todos os momentos
de nossa vida.
A Páscoa é ressurreição, é libertação, é doação, é
amor...
Todas as vezes que nos voltamos para Deus Pais
animados pela mensagem de Jesus Cristo e aquecidos pelo fogo do Espírito Santo,
estamos sendo ressuscitados para uma vida melhor.
Jesus Cristo ressuscitou da morte para a vida. Deu-nos
esperanças de dias melhores. Mostrou-nos
que, nesta vida, nada tem valor se o que fizermos não for feito para a maior
glória de Deus.
O cristão é aquele que acredita no Jesus Ressuscitado.
O cristão é aquele que assume a ressurreição de Jesus
Cristo.
O cristão é aquele que ressuscita todos os dias, todos
os momentos, com Jesus Cristo, para os irmãos, com os irmãos, proclamando o
Reino de Deus e atendendo a exortação do Senhor Jesus: "Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens,
também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus."
(Mt 10, 32). E quando ignoramos e não vivemos a Páscoa da ressurreição, quando
rejeitamos a libertação que o Senhor Nosso Deus nos oferece, viramos as costas
para o sacrifício supremo de Jesus Cristo, renegamos ao Senhor Jesus, e Jesus
nos alerta a respeito disso:
"Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei
diante de meu Pai que está nos céus”. (Mt 10, 33). Vivemos a ressurreição
de Jesus Cristo ressuscitando com ele. A
Páscoa dos israelitas aconteceu depois de muito sofrimento vivido na escravidão
do Egito.
A Páscoa e ressurreição de Jesus Cristo aconteceu
depois dos maiores sofrimentos, do mais triste abandono, aconteceu depois de
sua morte para nos libertar do pecado.
A nossa ressurreição de todos os dias não pode ser
diferente da de Jesus Cristo; somente ressuscitamos após havermos morrido para
o pecado, para o mundo; ressuscitamos depois de haver, injustamente, sofrido a
ingratidão e indiferença dos irmãos, depois de sermos maltratados, injuriados,
traídos, caluniados, e abandonados até pelas pessoas que mais amamos e, por
amor a Jesus Cristo e seguindo o seu exemplo, perdoarmos a quem nos tem
ofendido: “Pão, perdoa-lhes, Eles não
sabem o que estão fazendo”.(Lc 23,34).
Se não for precedida de dor, abandono e renúncia,
sofridos injustamente, a nossa ressurreição de cada dia não tem sentido, não
tem valor.
Adoremos a Jesus ressuscitado e vivamos de tal maneira
que possamos ser dignos de ressuscitar como ele ressuscitou, não somente no
juízo final como ele nos prometeu, mas ressuscitar todos os dias numa renovação
total e diária de nossas vidas, sempre voltados para a promoção da "maior
glória de Deus."
Jesus Cristo ressuscitou como havia dito. O bem vence
o mal. A vida vence a morte. A misericórdia vence a ofensa. O perdão vence o
pecado. A luz vence as trevas.
Jesus Cristo ressuscitou como disse: "... porque procurais Aquele que vive
entre os mortos? Ele não está aqui; ressuscitou. Lembrai-vos de como vos falou,
quando ainda estava na Galiléia? "É preciso que o Filho do Homem seja
entregue às mãos dos pecadores, seja crucificado, e ressuscite ao terceiro
dia." (Lucas, 24, 5-8).
Jesus Cristo voltou da morte para a vida, para mostrar
que Deus não é Deus dos mortos, mas Deus
dos vivos: "Ora, Ele não é Deus de
mortos, mas sim de vivos; todos, com efeito, vivem para Ele." (Lc 20,
38).
A nossa fé está baseada num túmulo vazio. Mas,
infelizmente, dizemos que acreditamos na Páscoa da Ressurreição mas não vivemos
a ressurreição.
Dizemos que amamos Jesus Ressuscitado, mas nem sempre
convivemos com Jesus Ressuscitado.
Sabemos que um dia ressuscitaremos com ele, mas
ignoramos que devemos ressuscitar todos os dias. De fato, falamos demais na
ressurreição, mas somos por demais presos em nossos interesses particulares que
nada dizem com os interesses do Pai.
Pouco importa para nós que o fraco continue oprimido,
o doente continue esquecido, o menor continue abandonado, o faminto continue
ignorado...
Falamos em ressurreição enquanto o egoísmo esmaga os
mais pobres, a violência extermina a vida, o poder tiraniza o homem comum, a
volúpia dos prazeres paralisa os corações.
Falamos muito em ressurreição, mas pouco ou nada fazemos para que
possamos ressuscitar todos os dias.
Ressurreição não é somente o despertar de um cadáver,
o reviver de um Lázaro ou a reconstituição de um corpo no último dia. Ressurreição é também o fim de um sistema
opressor e o início de um sistema de justiça. Ressurreição é a morte do egoísmo
e florescimento do amor.
Ressurreição é o fim do sofrimento e da violência e a
volta da fraternidade, da alegria, da esperança e do amor. Ressurreição é pão
na mesa de todos, salários dignos e decentes aos trabalhadores, respeito pela
vida, paz na terra, amor nos corações, mães sem lágrimas, amores verdadeiros
correspondidos, filhos com lar, jovens não drogados, doentes amados e bem
servidos, velhos respeitados e amparados. Essa deve ser a ressurreição nossa de
cada dia; isso é Páscoa, e Páscoa é ressurreição, é libertação. Não podemos
deixar de construí-la todos os dias se quisermos merecer e participar da ressurreição
definitiva. Jesus Cristo ressuscitou para nos dar esperanças de dias melhores,
e esses dias melhores começam conosco mesmo, dentro de cada um de nós...
"Assim diz Iahweh o rei de Israel, Iahweh
dos exércitos, o seu redentor: “Eu sou o primeiro e o último, fora de mim não
há Deus."
(Is 44, 6).
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