XXVII DOMINGO
DO TEMPO COMUM
“A PEDRA QUE
OS CONSTRUTORES REJEITARAM TORNOU-SE A PEDRA ANGULAR” (Mt 21,42).
Diácono Milton Restivo
Isaias sabia que
esse afastamento iria trazer ao povo consequências drásticas. Isaias insiste em
chamar a atenção do povo e é constante nas suas denúncias.
A primeira
leitura de hoje nos traz um dos cânticos mais famosos do livro de Isaias, um
poema lírico de grande beleza, uma canção de amor, retratando o amor e os
cuidados que Yahweh tem por seu povo que, em troca, só demonstra ingratidão e
desrespeito.
Nesta leitura
Isaias conta uma parábola apresentando Yahweh como agricultor de uma vinha, o
que viria a ser ratificado mais tarde por Jesus, que se identifica como a
verdadeira videira, quando disse: “Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é
o agricultor.” (Jo 15,1).
Na leitura desta
liturgia Isaias apresenta aqui uma vinha plantada pelo agricultor com extremo
cuidado e carinho, tendo sido logrado no seu trabalho, porque a vinha nada de
bom produziu. O agricultor “capinou a terra, tirou as pedras e plantou nela
videiras de uvas vermelhas. No meio, construiu uma guarita e fez um tanque de
pisar uvas. Esperava que produzisse uvas boas, mas ela produziu uvas azedas.” (Is
5,2).
Na sua
frustração, o agricultor lamenta profundamente o resultado colhido da videira
boa que havia plantado, porque ela deveria produzir “uvas boas, mas ela
produziu uvas azedas”, e lamenta com pesar: “o que mais eu deveria ter
feito pela minha vinha, que não fiz? Por que esperei que desse uvas boas, e ela
me deu uvas azedas?” (Is 5,4). E toma uma decisão drástica: “Pois agora
vou dizer-lhes o que farei com minha vinha: vou arrancar a sua cerca para que
sirva de pasto; derrubarei o seu muro para que seja pisada. Vou fazer dela um
matagal: ficará sem podar e nem capinar; só mato e espinhos crescerão nela; e
às próprias nuvens eu mandarei que não chovam sobre ela.” (Is 5,5-6).
A seguir Isaias,
através de um belo jogo de palavras, identifica quem seja a vinha e o que
Yahweh esperava dela: “A vinha de Yahweh dos exércitos é a casa de Israel, e
sua plantação preferida são os homens de Judá. Eu esperava deles o direito, e
produziram injustiça; esperava justiça, e ai estão gritos de desespero.” (Is
5,7).
Outro profeta,
Jeremias, também narra a desilusão do agricultor quando viu sua vinha não
corresponder aos seus anseios, aos seus cuidados e amor: “Eu havia plantado
você como lavoura especial, com mudas legitimas. E como é que você se
transformou em ramos degenerados de vinha sem qualidade?” (Jr 2,21).
Uma vinha que não dá frutos bons só serve para ser
arrancada e jogada no fogo, como disse Jesus: “esses ramos serão ajuntados,
jogados no fogo e queimados” (Jo 15,6b), repetindo o que dissera o profeta
Ezequiel a respeito do mesmo assunto: “Veja! Ela é jogada no fogo para
queimar, e o fogo devora as duas pontas, e também o meio fica queimado. Será
que vai servir para alguma coisa? Se quando ela estava inteira não servia para
nada, quanto mais agora que o fogo a consumiu e ela ficou queimada.” (Ez
15,4-5).
No Salmo 80 (79), que é o Salmo desta liturgia, o
salmista recorda que Yahweh havia tirado uma videira do Egito, expulsado nações
e a transplantado nos lugares das nações expulsas de suas terras. Diz que
Yahweh “preparou o terreno e, lançando raízes, ela encheu a terra. Sua
sombra cobria as montanhas, e seus ramos, os cedros de Deus. Ela estendia os
galhos até o mar, e até o rio os seus rebentos.” (cf Sl 80 (79), 9-12). A
seguir, o salmista reconhece que a videira não foi generosa com o agricultor
que derrubou as suas cercas “para que os viandantes a saqueiem, e os javalis
da floresta a devastem, e as feras do campo a devorem.” (cf Sl 80 (79),
13-14).
Muitas outras passagens a respeito do amor e da
frustração do agricultor, que é Yahweh, com a sua vinha, que é o povo de Judá
que, na maior parte das vezes é infiel (cf Is 5,7) encontramos
em outras passagens do Antigo Testamento, como em Ezequiel 19,10-14, Oséias 10,1, e outras.
As uvas eram culturas de subsistência na Palestina. Por isso,
Yahweh no Antigo Testamento e Jesus no Novo Testamento lançam mão da vinha ou
videira como símbolo e exemplo do povo de Israel e Judá (cf Ez 15,1-8;
19,10-14; Sl 80,8-16; Jr 5,10; 6,9).
O profeta Oséias, 10,1-2, compara o fracasso do povo de
Israel em cumprir as expectativas de Yahweh com a parreira que servia de
riqueza para construir os altares dos deuses pagãos. Israel fracassou.
Mas Jesus é a verdadeira videira, cumprindo o chamado e o destino de Israel (Jo
15,1).
A figueira e a oliveira, assim como a videira, também são
símbolos de fertilidade e prosperidade para o povo de Israel. A oliveira
simboliza, principalmente, a fidelidade e a determinação. O salmista diz: “Quanto
a mim, como oliveira verdejante na casa de Deus, é no amor de Deus que eu
confio” (Sl 52,8).
Yahweh usa a figura da vinha para compará-la ao povo
escolhido por ele. “A vinha de Yahweh dos exércitos é a casa
de Israel, e sua plantação preferida são os homens de Judá.” (Is 5,7). O mesmo cuidado que o agricultor deve ter pela vinha
que plantou, Yahweh deixa claro que tem pelo seu povo e sempre buscou colocar
dirigentes que deveriam ser responsáveis para o encaminhamento deste povo, mas
muitas vezes também se desiludiu com as atitudes desses pastores que destruíram
a sua vinha, pisaram o seu campo e a tornaram desolada como um deserto
infrutífero: “Muitos pastores devastaram a minha vinha e pisotearam a minha
propriedade; transformaram minha propriedade querida num deserto desolado; dela
fizeram um lugar devastado, e a deixaram em estado deplorável; está desolada
diante de mim: o país inteiro foi devastado, e ninguém se preocupa com isso.” (Jr
12,10-11).
O preço a ser
pago por muitos homens de Deus, que se portam com indiferença ao cuidar da
vinha de Senhor, será altíssimo. Vinhas abandonadas e destruídas pelos animais
selvagens são vistas em toda a terra. Os pastores responderão por isso. Esse
comportamento os identifica como mercenários citados por Jesus no Evangelho de
João na parábola do bom Pastor: “O mercenário foge porque trabalha só por
dinheiro, e não se importa com as ovelhas.”. (Jo 10,13).
A parábola dos
trabalhadores infiéis da vinha é contada exatamente para os dirigentes
religiosos do povo judeu, - (não seria para os de hoje também?) - porque estava
conversando com eles, como cita Mateus anteriormente: “Jesus voltou ao
Templo. Enquanto ensinava, os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo se
aproximaram...” (Mt 21,23).
É para eles, às
autoridades religiosas, aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos do povo que
Jesus conta a parábola dos dirigentes infiéis da vinha de Yahweh, porque eram
eles que cuidavam da vinha de Yahweh no tempo de Jesus.
Na parábola
Jesus diz que o dono da vinha a havia construído num lugar propício e, para que
a vinha não fosse atacada ou invadida por animais selvagens que a danificasse
ou destruísse, colocou em sua volta uma cerca. Não contente com isso e,
demonstrando o seu extremo amor e cuidado para com a vinha, construiu no centro
da vinha uma alta torre, onde colocou um sentinela permanente para evitar a
invasão sorrateira de quem quer que fosse. Como tinha que viajar para terras
distantes, arrendou a sua amada vinha para vinhateiros. “Quando chegou o
tempo da colheita, o proprietário mandou seus empregados aos vinhateiros para
receber seus frutos.” (Mt 21,34-).
Vou apenas
repetir o óbvio: o dono da vinha é Yahweh. A vinha é o povo de Israel, que foi
cuidado por Yahweh com extremo cuidado e amor: “A vinha de Yahweh dos
exércitos é a casa de Israel, e sua plantação preferida são os homens de Judá.”
(Is 5,7). A vinha, hoje, continua sendo de Yahweh, e quem deve cuidar dessa
vinha são as autoridades constituídas para essa finalidade.
Os vinhateiros, a quem Yahweh entregou os
cuidados de sua vinha, no Antigo Testamento, eram as autoridades religiosas do
povo, os sacerdotes, os escribas, os anciãos e os doutores da Lei. Os
empregados que Yahweh mandou para colher os frutos de sua vinha, eram os
profetas do Antigo Testamento enviado por Yahweh. Mas, o que aconteceu com eles?
“Os vinhateiros, porém, agarraram os empregados, espacaram a um, mataram o
outro e ao terceiro apedrejaram. O proprietário mandou de novo outros
empregados, em maior número do que os primeiros. Mas eles o trataram da mesma
forma.” (Mt 21,35-36).
Jesus, através
das parábolas da vinha que vem contando, procura refrescar a memória das
autoridades religiosas dos judeus que, em tempos passados, não receberam e
mataram os profetas enviados por Yahweh e que agora manipulavam o povo e o
conduzia por caminhos tortuosos, seguindo o exemplo de seus próprios pais: “Ai
de vocês, também especialistas em leis! Porque vocês impõem sobre os homens
cargas insuportáveis, e vocês mesmos não tocam essas cargas nem com um só dedo.
Ai de vocês, porque constroem túmulos para os profetas; no entanto, foram os
pais de vocês que os mataram. Com isso, vocês são testemunhas e aprovam as
obras dos pais de vocês, pois eles mataram os profetas, e vocês constroem os
túmulos.” (Lc 11,46-48).
O dono da
vinha, não acreditando na ingratidão e maldade dos vinhateiros, mandou seu
próprio filho para colher os frutos da vinha, julgando: “Ao meu filho eles
vão respeitar.” (Mt 21,37). Mas, o que aconteceu? “Os vinhateiros,
porém, ao verem o filho, disseram entre si: ‘Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e
tomar posse da sua herança’. Então agarraram o filho, jogaram-no para fora da
vinha e o mataram.” (Mt 21,38-39).
Identificamos
já quem seria o filho do dono da vinha? E porque o agarram, jogaram para fora e
o mataram? O filho do dono da vinha é o Filho único do Pai que, como os demais
empregados do dono da vinha foi rejeitado, julgado dentro da cidade de
Jerusalém e conduzido para ser morto fora da cidade, tendo, assim Jesus
antevisto a maneira como seria morto.
Jesus, na sua
pedagogia, perspicácia e psicologia, faz com que as autoridades religiosas dos
judeus dêem o próprio veredicto da sua condenação, perguntando-lhes: “Pois
bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros’? Os sumos
sacerdotes e os anciãos do povo responderam: ‘Com certeza, mandará matar de
modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que
lhes entregarão os frutos no tempo certo.” (Mt 21,40-41).
Sem perceber,
e nas suas arrogância e prepotência, as autoridades religiosas judaicas decretam
a sua própria condenação. E no ano 70 da era cristã, trinta e cinco anos após a
Ascensão de Cristo aos céus, quando, sob o domínio de Tito, general romano,
toda a Palestina fora destruída, e os judeus tiveram que se dispersar pelo
mundo, concretiza-se essa previsão de Jesus e a profecia de Jesus quando,
inconformado, chorou sobre a cidade de Jerusalém: “Se também você
compreendesse hoje o caminho da paz! Agora, porém, isso está escondido aos seus
olhos! Vão chegar dias em que os inimigos farão trincheiras contra você, a
cercarão e apertarão todos os lados. Eles esmagarão você e seus filhos, e não
deixarão em você pedra sobre pedra. Porque você não reconheceu o tempo em que Deus veio para
visitá-la.” (Lc 19,42-44).
Anteriormente
Jesus já dissera às autoridades religiosas: “É por isso que a sabedoria de
Deus disse: ‘eu lhes enviarei profetas e apóstolos. Eles o matarão e
perseguirão, a fim de que se peçam contas a essa geração do sangue de todos os
profetas, derramado desde a criação do mundo, desde o sangue de Abel até o
sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o Santuário. Sim, eu digo a
vocês: pedirão contas disso a essa geração. Ai de vocês, especialistas em leis,
porque vocês se apoderaram da chave da ciência. Vocês mesmos não entraram, e
impediram os que queriam entrar.” (Lc 11,49-52).
Dando
continuidade à parábola dos vinhateiros infiéis, Jesus continua: “Vocês
nunca leram nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram, tornou-se
a pedra angular, isso foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos’? (Mt
21,42). A pedra rejeitada é o próprio Jesus que tornou-se a pedra principal da
nossa fé, da nossa Igreja.
Jesus
finaliza, dizendo: “Por isso eu digo a vocês: o Reino de Deus será tirado de
vocês e entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt 21,43).
O Reino de
Deus pelas obras dos apóstolos passou a outros povos.
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