XXVIII DOMINGO DO
TEMPO COMUM
“MUITOS SÃO
CHAMADOS, E POUCOS SÃO ESCOLHIDOS”. (Mt 22,14).
Diácono
Milton Restivo.
As leituras
das liturgias dominicais anteriores falavam da vinha do Senhor.
Depois de três
domingos consecutivos falando dos cuidados de Yahweh para com a sua vinha,
símbolo do seu povo, a liturgia de hoje convida a todos para o banquete que ele
oferece.
A primeira
leitura fala do banquete oferecido por Yahweh a todos os povos e, no Evangelho,
o Pai convida para o banquete da festa de casamento de seu filho. Não é um
casamento que todos estão acostumados a participar. É um casamento importante:
o casamento do filho do rei, para o qual o Rei convida todos os povos. De
trabalhadores da vinha, de simples operários, o Senhor, torna todos seus
convivas, e convida a todos para o banquete do casamento do seu Filho.
Na primeira
leitura o profeta Isaias projeta-se para o futuro com uma linguagem
apocalíptica e descreve um banquete de raras iguarias que Yahweh promoverá para
todos os povos: “Yahweh dos exércitos vai preparar no alto deste monte, para
todos os povos do mundo, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos
finos, de carnes suculentas, de vinhos refinados.” (Is 25,6).
O profeta
Isaías é exímio em tirar partido dos sinais dos tempos. É um dos maiores teólogos
da história. Fala através de símbolos e metáforas com uma carga emotiva e apelativa
muito profunda. O estilo é clássico e nobre. O povo israelita encontrava-se
exilado e escravizado nas terras de Babilônia. Através da literatura
apocalíptica, Isaias tenta restabelecer a debilitada auto-estima do povo e a
confiança de todos em Yahweh.
A literatura
apocalíptica, tanto do Antigo como do Novo Testamento, é sempre uma mensagem de
esperança, como é visto no próprio livro do Apocalipse: “Aquele que está
sentado no trono, declarou: ‘Eis que faço nova todas as coisas. [...] Para quem tiver sede, eu darei de graça a
fonte da água viva. O vencedor receberá esta herança: eu serei o Deus dele, e
ele será meu filho.” (Apo 21,5.6-7), coisa que Yahweh falara por Isaias há
mais de setecentos anos antes: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem
nas coisas antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando
agora, e vocês não percebem? Abrirei um caminho no deserto, rios em lugar seco.
As feras me glorificarão, como os lobos e avestruzes, porque eu oferecerei água
no deserto e rios na terra seca para matar a sede do meu povo, do meu
escolhido, o povo que eu formei para mim, para que proclame o meu louvor.” (Is
43,18-19).
Da mesma
maneira que o povo israelita, no Antigo Testamento, estava sendo escravizado
pelos babilônios no tempo de Isaias, quando foi escrito o Apocalipse, no Novo
Testamento, o povo judeu estava sendo subjugado pelos romanos. Em ambas as
situações a mensagem é de esperança porque, todas as mensagens apocalípticas
são de esperança.
Paulo, aos
corintios, escreveu: “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As
coisas antigas passaram; eis que uma realidade nova apareceu.” (2Cor 5,17).
É esta a mensagem que o profeta Isaias quer deixar clara para todos, no século
XXI, que têm a experiência do Antigo Testamento e a adesão total ao Novo
Testamento.
Isaias
continua na sua visão apocalíptica: “Neste monte, Yahweh arrancará o véu que
cobre todos os povos, a cortina que esconde todas as nações; ele destruirá para
sempre a morte. O Senhor Yahweh enxugará as lágrimas de todas as faces, e
eliminará da terra inteira a vergonha de seu povo – porque foi Yahweh quem
falou.” (Is 25,7-8). “No dia em que Yahweh enfaixar as feridas do seu povo e lhe
curar as chagas, a lua vai brilhar como o sol, e o brilho do sol será sete
vezes maior, como o brilho de sete dias reunidos.” (Is 30,26).
O livro do Apocalipse
também conforta o povo perseguido, seguindo a linha de Isaias: “Ele vai
enxugar toda lágrima dos olhos deles, pois nunca mais haverá morte, nem luto,
nem grito de dor. Sim, as coisas antigas desapareceram.” (Apo 21,4).
A humilhação,
a morte, a escravidão, o sofrimento, as lágrimas, são coisas do passado. O
Reino de Yahweh vai se realizando, paulatinamente, a caminho do Reino
definitivo. O povo, que tem Yahweh como seu rei, é feliz, conforme diz o
salmista: “Feliz a nação cujo Deus é Yahweh, o povo que ele escolheu como
herança.” (Sl 33 (32),12). Esse povo irá livrar-se, gradualmente, da
opressão que o aflige e da tristeza que o abate: “... ele destruirá para
sempre a morte. O Senhor Yahweh enxugará as lágrimas de todas as faces, e
eliminará da terra inteira a vergonha de seu povo...” (Is 25,7-8); “Povo
de Sião que mora em Jerusalém, você não terá mais que chorar, pois ele vai se
compadecer do clamor da sua súplica.” (Is 30,19).
O interessante
é que, no livro do Apocalipse, os versículos 7 e 8 do capítulo 21 apresentam um
contraste entre si: o vencedor receberá a herança, os infiéis o lago ardente de
fogo e enxofre: “O vencedor receberá esta herança: eu serei o Deus dele, e
ele será meu filho. Quanto aos covardes, infiéis, corruptos, assassinos, imorais,
feiticeiros, idólatras, e todos os mentirosos, o lugar deles é o lago ardente
de fogo e enxofre, que é a segunda morte. ” (Apo 21,7-8).
Da mesma
forma, no último capítulo e últimos versículos do livro de Isaias, são
destacados os destinos de cada um: dos bons que aderiram a Yahweh, que
aceitaram participar do seu banquete, e dos maus, que o ignoraram: “Da mesma
forma como durarão para sempre diante de mim os novos céus e a nova terra, que
criei – oráculo de Yahweh -, assim também durarão o povo e o nome de vocês.
Cada lua nova e cada sábado, todo mundo virá prostrar-se na minha presença, diz
Yahweh. Ao sair eles verão os cadáveres daqueles que se revoltaram contra mim,
porque o verme que os corroi não morre jamais e o fogo que os consome jamais se
apaga. Eles serão um horror para o mundo inteiro.” (Is 66,22-24).
O Salmo desta liturgia transmite o cuidado e o
amor que Yahweh tem para com o seu povo e o salmista, manifestando os anseios
de toda a humanidade, chama a Yahweh de seu pastor, colocando nele toda a sua
confiança e segurança: “Yahweh é meu pastor. Nada me falta. [...] Ele
me guia por bons caminhos, por causa do seu nome.” (Sl 22,1.3).
O título de pastor, nas Sagradas Escrituras, é
dado a todos aqueles que representam Deus no meio do povo e que deveriam levar
o povo ao banquete oferecido pelo Senhor: reis, sacerdotes, mandatários
governamentais, etc. Mas, muitos usam mal essa prerrogativa e fazem de sua
missão divina de pastor, motivo de opressão, corrupção e descaminho para o povo
de Deus. O que deveria ser imagem de proteção e segurança, muitas vezes
transforma-se em exploração e opressão, e ai a figura do mau pastor se destaca,
passando a ser ladrão, assaltante e mercenário (cf Jo 10,12-13) isto é, fazem
da missão sagrada de pastor um meio de sobrevivência e proveito próprio.
A figura de
banquete, almoços e jantares nos Evangelhos é muito frequente, e Jesus jamais
se fez de rogado para participar quando era convidado. Assim aconteceu na casa
de Mateus (Mt 9,9-18; Mc 2,13-14; Lc 5,27-32), na casa de Zaqueu (Lc 19,1-10), na
casa dos irmãos Marta, Lázaro e Maria (Lc 10,38-42; Jo 12,1-8); na casa de
Simão, o leproso (Lc 7,36-50); na ceia com os discípulos de Emaús (Lc
24,13-35).
Para mostrar o
grande amor que o Pai tem por seus filhos, as Sagradas Escrituras o mostram
como aquele que oferece banquetes aos seus filhos amados. Só são convidadas
para um banquete ou para um casamento pessoas do próprio relacionamento,
pessoas íntimas, pessoas amadas.
Jesus usa, de
maneira escatológica, a imagem de casamentos, como o caso desta parábola de
Mateus 22,2-14 e Lucas 14,7-14 e banquetes, também, como no caso de Lucas
14,16-24 e 16,19-31.
E Jesus volta
a falar, incriminando as autoridades religiosas dos judeus através de
parábolas.
Depois de
contar várias parábolas sobre vinha, que se referia ao povo de Israel e que as
autoridades religiosas judaicas eram omissas nos cuidados dessa vinha, Jesus
novamente se dirige a eles, dizendo de maneira metafórica, como já havia dito
antes que “Por isso eu digo a vocês: o Reino de Deus será tirado de vocês e
entregue a um povo que produzirá frutos.” (Mt 21,43).
Jesus inicia a
parábola dizendo: “O Reino do Céu é como um rei que preparou a festa de
casamento do seu filho.” (Mt 22,2).
Jesus viera
propagar o Reino do Céu, e começa sua vida pública, dizendo: “Convertam-se,
porque o Reino do Céu está próximo”. (Mt 3,2; Mc 1,15).
O Rei deste
Reino é o Pai; o filho do Rei e noivo do casamento é Jesus Cristo. A noiva é a
Igreja, a vinha que será tirada dos judeus e “entregue a um povo que
produzirá frutos”. Os empregados são os apóstolos e discípulos fiéis ao
noivo. Os convidados são todos os demais que o Pai ama: “Falem aos
convidados que eu já preparei o banquete, os bois e animais gordos já foram
abatidos, e tudo está pronto. Que venham para a festa.” (Mt 22,4).
Este convite
foi feito, em primeira instância, ao povo do Antigo Testamento. Hoje é feito
para o povo do Novo Testamento. Mas, os convidados do Antigo Testamento “não
deram a menor atenção; um foi para o seu campo, outro foi fazer os seus
negócios, e outros agarraram os empregados, bateram neles, e os mataram.” (Mt
22,5).
Os profetas do
Antigo Testamento foram perseguidos, agredidos e mortos por levar o convite
desse banquete ao povo. E o que aconteceu com os apóstolos e muitos dos demais
empregados do Novo Testamento que tentaram e tentam levar o convite do Rei para
participar do seu banquete?
Aqui está um
testemunho do próprio Apóstolo Paulo a respeito do que aconteceu com ele por
tentar levar o convite do Rei aos convidados: “São ministros de Cristo? Falo
como louco: eu o sou muito mais. Muito mais pelas fadigas; muito mais pelas
prisões; infinitamente mais pelos açoites; frequentemente em perigo de morte;
dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um. Fui flagelado três
vezes; uma vez fui apedrejado; três vezes naufraguei; passei um dia e uma noite
em alto mar. Fiz muitas viagens. Sofri perigos nos rios, perigos por parte dos
ladrões, perigos por parte de meus irmãos de raça, perigo por parte dos pagãos,
perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos
falsos irmãos.” (2Cor 11,22-26).
E qual foi o
fim de Paulo? Perdeu a cabeça, literalmente; foi decapitado por convidar a
todos para participar do banquete que o Rei oferecia. E o fim de Pedro?
Crucificado, e de cabeça para baixo por ser o mensageiro do convite do Pai para
o grande banquete. E o fim dos demais apóstolos? E o fim da irmã Dóroty lá na
Amazônia?
O Pai é
generoso e amigo. O banquete está à mesa. A festa de casamento está acontecendo.
O noivo aguarda a presença e a manifestação de amizade de todos os convidados.
Mas, “são
muitos os chamados, mas poucos os escolhidos”. (Mt 22,14). Cada um tem o
seu afazer: uns foram para o seu campo, outro foi fazer o seu negócio” (Mt
22,5b), outros não podem perder a novela ou o jogo de futebol, outros tem que
pescar, outros têm que desfrutar do carro novo.
Motivos para
não participar do banquete têm muitos e muitas vezes nem precisam ser
procurados. Mas os convidados não aparecem para o banquete que o rei oferece.
Muito pelo contrário: irritados com a insistência dos mensageiros do rei, “agarraram
os empregados, bateram neles, e os mataram.” (Mt 22,5).
Lucas, no seu Evangelho, ao narrar esse fato é
mais detalhista e apresenta assim as desculpas de não participar do banquete de
casamento: “O primeiro disse: ‘comprei um campo e preciso vê-lo. Peço-lhe
que aceite minhas desculpas’. Outro disse: ‘Comprei cinco juntas de bois, e vou
experimentá-las. Peço-lhe que aceite minhas desculpas’. Um terceiro disse:
‘Acabo de me casar e, por isso, não posso ir’.” (Lc 14, 18-20).
O rei sente na
alma a recusa dos primeiros convidados, mas não desiste. Sente que “a festa
do casamento está pronta, mas os convidados não a mereceram”. (Mt 22,8).
Mas o banquete não pode ser suspenso, tem que acontecer.
No Evangelho
de Lucas o banquete é estendido, de modo especial, para “os pobres,
aleijados, os cegos e os mancos”. (Lc 14,11); o rei manda vir para o seu
banquete os marginalizados, os descamisados, os descalços, os discriminados,
aqueles que ninguém gostaria de ter como companhia num banquete, numa festa de
casamento, ou na sua casa: é o povo das bem aventuranças. O povo do Antigo
Testamento rejeitou o banquete do rei, mas o rei busca no povo das bem
aventuranças seus novos convidados, mas, para pertencer ao povo das bem
aventuranças, há a necessidade de estar vestido com o traje de festa (cf Mt
22,11). São exigências indispensáveis, para participar deste banquete “deixar
de viver como viviam antes, como homem velho que se corrompe com paixões
enganadoras. É preciso que se renovem pela transformação espiritual da
inteligência, e se revistam do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na
santidade que vêm da verdade.” (Ef 4,22-24). Fica claro que a roupa de
festa exigida pelo anfitrião, por Deus, é a roupa da graça, a roupa da justiça,
a roupa do amor, a roupa da fraternidade, a roupa “do homem novo, criado segundo
Deus na justiça e na santidade que vêm da verdade.”
A veste de
festa, a veste nupcial, é o próprio Cristo: “Mas vistam-se do Senhor Jesus
Cristo, e não sigam os desejos dos instintos egoístas.” (Rm 13,14). “A
finalidade desta ordem é o amor que procede de um coração puro, de uma boa
consciência e de uma fé sem hipocrisia.” (1Tm 1,5).
Acontece que, “quando o rei entrou para ver os convidados,
viu aí um homem que não usava roupa de festa.” (Mt 22,11). O rei mostra-se
indignado pelo convidado ter desprezado a roupa que ele mesmo lhe oferecera e
facilitara para participar do seu banquete, e pergunta-lhe: “Amigo, como você entrou aqui sem a roupa de
festa?” (Mt 22,12a). O convidado foi surpreendido e ficou surpreso, porque
julgava que poderia viver a vida que quisesse e usar a vestimenta que julgasse
fosse do seu gosto e não da aceitação do dono da festa: a roupa do
descompromisso, a roupa da ausência da justiça, do amor, da fraternidade, a
roupa suja do pecado. Com a reprimenda do rei, o anfitrião, o convidado “ficou mudo”, porque, quem não vive a
vida de Deus não tem argumento para refutar a exigência do rei que exige vida
digna para os seus convidados.
“Então o rei ordenou aos que serviam:
‘Amarrem as mãos e os pés dele, e o atirem fora, na escuridão. Aí haverá choro
e ranger de dentes.” (Mt 22,13).
O Pai continua
a oferecer o banquete através da Eucaristia... Para participarmos do banquete
da Eucaristia que o rei nos oferece, há necessidade de estarmos vestidos à
caráter para a ocasião: precisamos estar vestidos com a roupa da graça, a roupa
da justiça, a roupa do amor, a roupa da fraternidade...
Muitas vezes,
para participar da Eucaristia, da Missa, que é o banquete por excelência que o
Pai oferece, sempre aparece aquela visita, aquele trabalho a ser acabado,
preparar a comida, afinal das contas, o banquete do Pai pode esperar, os
afazeres e diversões não...
Essa é a
grande verdade: passa-se a vida preocupado com os mil pequenos afazeres que
devem ser feitos e não se encontra tempo para as coisas que enaltecem,
enobrecem, divinizam o homem: a participação no banquete que o Pai oferece... a
Eucaristia...
Como podemos
trocar de roupa e colocar a veste para participar dignamente do banquete? Vistamos
a roupa da graça, do amor, da fraternidade, do perdão, da humildade...
A frase final
da parábola deixa claro as consequências dos que rejeitam o banquete do Pai ou que
não vestem os trajes de festa: “Amarrem os pés e as mãos desse homem, e o
joguem fora na escuridão. Ai haverá choro e ranger de dentes.” (Mt
22,13).
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