SÃO LUÍS E SANTA ZÉLIA, OS PAIS DE SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS
Luís Martin (1823-1894) e Zélia Guérin (1831-1877) foram
declarados santos em 18 de outubro de 2015. Não foram canonizados por serem os
pais de Santa Teresinha, mas porque se empenharam totalmente em fazer a vontade
de Deus em qualquer situação de suas vidas. Luís e Zélia, com suas vidas, nos
ensinam que a santidade é caminho para a esposa, o marido, os filhos, os
colegas de trabalho e para a sexualidade.
O santo não é um super-homem, mas um homem verdadeiro.
Se tanto amamos Teresinha de Lisieux, se tanto nos
encanta sua santidade, devemos dizer que ela é fruto de seus pais, um casal que
vivia o amor de Deus tanto na alegria como nas tristezas. As muitas cartas
deixadas por Zélia dão testemunho deste colocar-se inteiramente nas mãos de
Deus.
«Eu amo loucamente as crianças e nasci para ter filhos»,
dizia Zélia. Mas, contraditoriamente, esse lar não era para existir. Aos 20
anos Luís esteve na Suíça para aprender o ofício de relojoeiro. Dirigiu-se ao
Eremitério de São Bernardo, dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, querendo
ser monge. O Prior foi direto: «Não conhece latim, nada de postulantado no
Mosteiro». Luís retorna a Alençon e se dedica à oficina de conserto de
relógios.
Já Zélia Guérin desejava ser admitida entre as Irmãs de
São Vicente de Paulo, em Alençon. A Superiora não vê nela sinal se vocação.
Decide-se então a aprender artes domésticas de bordados e confecções, abrindo
pequeno negócio em Alençon e indo de casa em casa à procura de fregueses.
Luís vive ardente espiritualidade alimentada no seio das
Conferências de São Vicente de Paulo, onde pôde se inserir no trabalho social e
cristão. Sua mãe, preocupada com sua condição de celibatário, lhe comenta a
respeito da jovem Zélia Guérin, jovem de face diáfana e de sorriso doce e
misterioso. Os dois se encontram e meses depois se casam, em 13 de julho de
1858. Zélia está com 27 anos e inicia com Luís um amor sólido e durável, apesar
da doença e da morte. O vigário de Alençon estranhou que o casal não tivesse
filhos e eles explicaram que viviam um matrimônio como Maria e José, como dois
irmãos. O padre repreendeu-os, dizendo que deveriam viver como casal e terem
filhos. Fiéis ao conselho, entre 1860 e 1873 nascem nove filhos, dos quais
quatro morrem pouco depois do nascimento: Helena, José, João Batista e Melânia
Teresa.
Um lar feliz e
santo
Constituíam um casal típico da pequena burguesia francesa
do século XIX. Levam uma vida ordinária, é verdade, mas Deus ocupa um lugar
especial em sua vida pessoal e comunitária. Diariamente freqüentam a Missa das
5:30h: Deus antes de tudo. A filha Celina escreveu, mais tarde: “Quando papai
comungava ele permanecia em silêncio na volta para casa”. “Continuo a conversar
com Nosso Senhor”, dizia. No meio das tristezas pela perda dos filhos, “tudo
aceitamos na serenidade e no abandono à vontade de Deus”. Oração em família
duas vezes ao dia, ao toque do Ângelus ao meio-dia e às 18h. Natal, Quaresma,
Páscoa, os meses marianos de maio e outubro, o 15 de agosto ocupam um lugar
central em sua vida, tocando profundamente suas filhas. Essa espiritualidade
conjugal e familiar não os isolou dos outros, pelo contrário, reforçou sua
atenção a todos, domésticas, conhecidos, vizinhos.
Sobreviveram cinco filhas, que ingressaram no convento:
Maria, Paulina, Leônia, Celina e Teresa. Talvez o casal não seria lembrado se
não fosse a caçulinha, a grande Santa Teresinha, morta aos 24 anos no Carmelo
de Lisieux.
Foram apenas 19 anos de vida em comum cujos frutos
ultrapassaram a existência terrena. Uma palavra-chave expressa esse amor: a
unidade, unidade que edificou sua vida espiritual, familiar e social. Num tempo
em que nós fragmentamos a vida, vivemos divididos, eles cimentaram sua
existência numa unidade invencível e contagiante.
A casa dos Martin era casa de caridade. Luís recolhe um
epiléptico na rua e cuida de assisti-lo. Não hesita em convidar à mesa os
mendigos encontrados na rua. Visita os anciãos. Ensina às filhas a honrar o
pobre e a tratá-lo como um igual. Teresa será a mais sensibilizada por esse
exemplo. Podemos afirmar que a doutrina da “pequena via” que fez de Teresinha
Doutora da Igreja nasce da santidade e do exemplo da vida de Luís e Zélia. Em
seus escritos Santa Teresinha mais vezes dirá: “O bom Deus deu-me um pai e uma
mãe mais dignos do Céu que da terra”.
Não era uma família triste. O “pequeno convento” não era
uma prisão austera, mas um lar feliz. Um lar cristão com o amor entre os
esposos, deles pelas filhas, entre as irmãs, uma unidade sensível. Ambiente
sadio, brincadeiras, jogos, festas, passeios em família. O amor era verdadeiro.
Um amor, como definiu Teresinha “onde se dá tudo e se dá a si mesmo”.
Luís e Zélia não desejavam que suas filhas fossem
religiosas, mas santas. O desejo de santidade que ali se vivia impregnava toda
a vida familiar. A santidade se manifesta nas etapas vividas pelo casal, etapas
tão semelhantes às de um casal atual: casamento tardio, trabalho, dupla jornada
de Zélia entre a casa e a loja, ambos assumem a educação das filhas. Foram
consumidos por doenças contemporâneas: o câncer de Zélia e a doença
neuropsiquiátrica de Luís. Atravessam a guerra de 1870 entre França e Alemanha,
as crises econômicas, o drama da morte de Zélia em 1877: sozinho, Luís deve
criar e educar suas cinco filhinhas Maria, Paulina, Leônia, Celina e Teresa.
A Paixão de
Luís e Zélia
Luís e Zélia vivem a Paixão, cada um a seu modo. Em
dezembro de 1864 Zélia descobre um câncer impossível de ser operado, que não
lhe oferece nenhuma chance de cura. Zélia aceita a morte com coragem heróica,
trabalhando até véspera, a cada manhã participando da Missa. Sua força era a
existência das cinco filhas. Em agosto de 1877 seus seios são amputados.
Preocupa-se sobretudo por Leônia, meio doentinha. Carrega a cruz por 12 anos,
até a morte aos 46 anos, em 28 de agosto de 1877. Luís sente-se anulado, o
pânico toma conta da família.
A Paixão de Luís é de outra ordem. A partir de novembro
de 1877 passa a residir em Lisieux e sucessivamente entrega todas as filhas a
Deus: Paulina (1882), Maria (1886), Leônia (1899) e, enfim, sua “pequena
rainha” Teresa (1888) e depois Celina (1894).
Sua saúde decai cada vez mais e necessita de
hospitalização em Caen. Hoje diríamos num Hospital Psiquiátrico, mas em 1889 se
dizia “asilo de loucos”. O venerável pai está agora misturado a 500 doentes. O
homem estimado e respeitado é apenas um ser decadente. “Ele bebeu a mais
humilhante de todas as taças”, escreveu Teresinha. Os médicos diagnosticaram
arteriosclerose cerebral, com insuficiência renal. O lar dos Martin está
disperso: três filhas são carmelitas. Não curado, Luís é devolvido ao lar e
assistido noite e dia pela filha Celina. É como uma criança, continuamente
necessitado de assistência.
Em 1888 Luís tinha oferecido um altar à catedral de São
Pedro, sua paróquia. Teresinha comenta: “Papai ofereceu a Deus um Altar. Ele
foi a vítima escolhida para ali ser imolado com o Cordeiro sem mácula”. Deus o
chamou à eternidade em 29 de julho de 1894.
Relendo sua vida familiar à luz do Amor Misericordioso,
em 1896, Teresinha relembra a entrada no Carmelo nos braços de “seu Rei” e
nunca imaginaria que poucos dias após a tomada do hábito seu querido pai
“deveria beber a mais amarga, a mais humilhante de todas as taças”. “Os três
anos de martírio de Papai me parecem os mais amáveis, os mais frutuosos de toda
a nossa vida. Eu não os trocaria por nada, por nenhum êxtase ou revelação este
tesouro que deve provocar uma santa inveja nos Anjos de Corte Celeste”.
Pouco antes da doença, Luís escreveu às três filhas
carmelitas: “Devo dizer-vos, minhas queridas filhas, que sou obrigado a
agradecer e fazer-vos agradecer ao bom Deus, porque eu sinto que nossa família,
apesar de tão humilde, tem a honra de ser privilegiada por nosso adorável
Criador”.
É verdade que Deus cumulou de bênçãos e graças o lar de
Luís e Zélia. É mais verdade, porém, que ambos abriram suas vidas ao dom de
Deus, dele fazendo participar intensamente suas filhas.
Relíquias dos
novos santos
O casal foi beatificado em 19 de outubro de 2008 por Bento XVI.
Luís e Zélia Martin eram os pais de Santa Terezinha do Menino
Jesus, Padroeira das Missões e uma das santas mais queridas no Brasil que, em 1997
foi proclamada Doutora da Igreja por São João Paulo II. Durante o Sínodo
Ordinário dos Bispos sobre a Família, em andamento no Vaticano, os fiéis podem
venerar as relíquias de Santa Teresa de Lisieux e de seus pais, na Basílica de
Santa Maria Maior, no centro de Roma.
As urnas com suas relíquias se encontram na Capela de Nossa
Senhora “Salus Populi Romani”, na Basílica de Santa Maria Maior. Os cônjuges
Luís Martin e Zélia Guérin serão o primeiro casal não mártir na história da
Igreja a ser elevado à honra dos altares na mesma cerimônia.
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