V DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; cor – verde; Leituras: Jó 7,1-4.6-7; Sl 146
(147); 1Cor 9,16-19.22-23; Mc 1,29-39.
“JESUS CUROU MUITAS PESSOAS DE DIVERSAS DOENÇAS” (Mc 1,34).
Diácono Milton Restivo
A primeira leitura desta liturgia traz-nos o livro de
Jó.
O livro de Jó é bastante polêmico, principalmente pela
época em que fora escrito considerando que, para o povo do Antigo Testamento existia
a doutrina tradicional da retribuição, ou seja, a riqueza material era sinal de
que, quem a tivesse era porque era cumpridor da lei, e Yahweh assim retribuía a
quem lhe fosse fiel.
Quem era pobre seria porque era descumpridor da lei, e
Yahweh o punia com a pobreza e a doença, assim, da mesma forma, quem tinha
saúde era uma retribuição de Yahweh, quem era doente era por castigo por sua
infidelidade.
A questão do sofrimento dos justos é tema central da
narrativa deste livro.
No livro de Jó o personagem principal, o próprio Jó, é
descrito como sendo um homem rico e justo. Ninguém acreditava que os justos
pudessem sofrer, ficar doentes ou pobres.
Se alguém sofresse doenças, infortúnios, pobreza, era
sinal de que havia cometido um pecado grave e estava sendo punido por Yahweh de
conformidade com a crença popular: “aqui se faz, aqui se paga”.
Jó foi colocado à prova. Yahweh tirou dele toda sua
família, sete filhos e três filhas, todo seu rebanho, suas propriedades e até a
sua saúde, fazendo-o leproso e desprezado até pelos que antes o tinham em alto
estima.
Ainda hoje, nos nossos dias, essa doutrina da
retribuição está em vigência em muitas igrejas que se dizem cristãs: se pagar o
dízimo corretamente e em dia, conforme os dirigentes dessas igrejas determinam,
Deus vai cumular o fiel de riqueza, saúde e prosperidade, casa, carro,
pagamentos de dívidas, como se Deus necessitasse do nosso dinheiro para nos
cumular de graças e amor.
Tal atitude não passa de uma tentativa de
comercializar com Deus: pago o dízimo à minha igreja e Deus me faz rico,
próspero, com saúde e sem dívidas.
Hoje, muitas igrejas fundadas por gananciosos e que se
dizem, pretensiosamente, cristãs, não passam de empresas onde seus fiéis não
passam de clientes. Enquanto líderes, que se autodenominam bispos, pastores,
apóstolos, missionários, enriquecem a olhos vistos, o povo simples e mal
informado, acreditando que com dízimos, doações e dinheiro compra-se a vida
eterna, empobrece espiritual, cultural e financeiramente.
Não era diferente no tempo de Jó e no tempo de Jesus.
Jó não havia cometido pecado e, mesmo no mais profundo
dos infortúnios, continuou fiel a Yahweh, não aceitando a hipótese de que
tivesse sido castigado por Yahweh porque havia cometido um pecado grave.
Deus não impede que passemos por provações; afinal,
são elas que mostrarão o tamanho da nossa fé e a confiança que temos em Deus
que é Pai. Quando superamos essas provações e olhamos para o passado, vemos que
esses foram tempo de aprendizado e fortalecimento na fé, e entendemos que as
adversidades podem ser um sinal do amor do Pai para com seus filhos.
O Salmo convida os fiéis a louvar a Yahweh porque
·
“o nosso Deus
merece harmonioso louvor” Sl 146
(147),1).
Este Salmo mostra todo amor e cuidado que Yahweh tem
por aqueles que nele confia:
·
“Yahweh
reconstrói Jerusalém, reúne os exilados de Israel. Cura os corações
despedaçados e cuida dos seus ferimentos. [...] Yahweh sustenta os pobres e rebaixa os injustos até o chão. [...]
Yahweh aprecia aqueles que o temem, aqueles que esperam por seu amor.” (Sl
147 (146),2.6.11).
Na segunda leitura Paulo deixa claro porque prega o
Evangelho de Jesus Cristo:
·
“Pregar o
evangelho não é para mim motivo de glória, é antes uma necessidade para mim,
uma imposição. Ai de mim se eu não pregar o evangelho!” (1Cor 9,16).
Paulo insiste em dizer que não espera recompensa
nenhuma por pregar o evangelho porque, para ele, pregar o Evangelho “é uma
necessidade... uma imposição”, não é mais do que obrigação, e isso ele o
faz “por iniciativa própria”, sem ter a preocupação de receber por isso
qualquer mérito ou recompensa porque, por melhor que façamos as coisas de Deus
ainda somos inaptos, ineptos, inúteis e falhos, como disse Jesus:
·
“Assim também
vocês: quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: ‘Somos
servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’.” (Lc 17,10).
Este ano litúrgico que vivemos traz-nos o Evangelho de
Marcos para ser lido e meditado.
Marcos é um dos evangelhos chamados “sinóticos”,
juntamente com Mateus e Lucas.
Sinóticos quer dizer: evangelhos vistos por uma mesma
ótica.
Dentre os quatro Evangelhos, o de Marcos é o mais
enxuto e direto, também chamado de Evangelho catequético e inicia mostrando que
o seu objetivo é responder à pergunta: “Quem é Jesus?”, e isso ele já deixa
claro já no seu início: “Começo da Boa Nova de Jesus, o Messias, o Filho de
Deus” (Mc 1,1), e depois em 3,11, 8,29, 14,61 e 15,39.
Marcos quer deixar claro que “Jesus é o Messias, o
Filho de Deus”, revelando sua condição divina, demonstrando que os milagres
realizados por Jesus asseguravam ser ele o Messias prometido.
Os dezenove milagres
registrados em seu curto livro demonstram o poder sobrenatural de Jesus. Oito
deles provam seu poder sobre as enfermidades. Cinco demonstram seu poder sobre
a natureza. Quatro demonstram sua autoridade sobre os demônios e dois
demonstram sua vitória sobre a morte.
Marcos escreveu seu Evangelho
com o objetivo de encorajar os cristãos romanos perseguidos, mostrando, também,
Cristo como um servo em ação:
·
“Porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir
e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45),
Marcos identifica Jesus com “o
servo do Senhor” citado por Isaias:
·
“Vejam o meu servo, a quem eu sustento: ele é o meu escolhido, nele
tenho todo o meu agrado”. (Is 42,1).
As narrativas mostram sempre
Jesus agindo, fazendo milagres, curando, viajando, pregando, enfim, servindo.
O Evangelho segundo Marcos é o
mais simples dos Evangelhos, o mais curto com apenas 16 capítulos e, apesar de
ser apresentado como o segundo escrito no Novo Testamento, foi o primeiro
Evangelho a ser escrito que, além de encorajar os cristãos romanos perseguidos,
tinha por objetivo ajudar os indecisos e incrédulos a chegar até Jesus.
A leitura do Evangelho desta
liturgia narra a passagem em que Jesus , após um dia
cansativo de pregações e atendimento aos necessitados, procura descanso na casa
de Simão (Pedro) e André:
·
"E logo, ao sair da sinagoga, foi à casa de Simão
e André, com Tiago e João; a sogra de Simão estava de cama com febre, e eles
imediatamente o mencionaram a Jesus.
Aproximando-se, ele, a tomou pela mão e a fez levantar-se. A febre a
deixou e ela se pôs a servi-los."
(Mc 1, 29-31).
Esta passagem encontra-se também nos Evangelhos de
Mateus 8,14-15 e Lucas 4,38-39.
Se Pedro tinha sogra, com certeza, tinha esposa.
Nos ensinamentos de Jesus não há qualquer chamada de
atenção sobre a incompatibilidade entre a vocação religiosa e o matrimônio. Com
certeza, muitos outros apóstolos eram também casados. Isso afirma Paulo na sua
primeira carta aos coríntios:
·
“Não temos
direito de levar conosco, nas viagens, uma esposa cristã, como os outros
apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefas?” (1Cor 9,5 da Bíblia de Jerusalém, edição de 1998 – Paulus 2002).
A sogra de Simão Pedro estava doente e Jesus aproximou-se
dela. Tomou-a pela mão e a fez levantar-se da cama, já curada. A febre passou
imediatamente e ela, já recuperada de sua doença, prontamente e agradecida, pôs-se
a servi-los.
Este atendimento a um doente feito por Jesus,
recuperando-lhe a saúde, foi presenciado por poucas pessoas e sob o teto da
casa de Pedro. Jesus, ao ver a mulher acamada, num gesto de carinho,
solidariedade e amor, estendeu-lhe a mão, e ao toque de sua mão, a doente deixa
de ter febre imediatamente e levanta-se do leito e, em sinal de retribuição ao
gesto amoroso de Jesus, a mulher passa a servi-lo.
A presença de Jesus vale mais que qualquer remédio
para curar os males que afetam os homens. Bastou que Jesus estendesse sua mão e
segurasse a mão da sogra de Simão Pedro para que ela ficasse curada de sua
doença.
Quantas vezes estamos doentes na fé, descrentes da vida.
Quantas vezes estamos debilitados, desanimados, cansados, descrentes, e Jesus vem
ao nosso encontro e nos estende a mão e nos sentimos novamente fortes e
revitalizados na nossa fé, na nossa vida e ganhamos novas forças para servirmos
a Deus e aos irmãos.
Quantas vezes estamos descrentes da vida e não ligamos
para mais nada e eis que, de repente, surge Jesus que nos estende a mão, toca-nos,
nos chama à realidade, levanta-nos de nossa apatia e ai encontramos forças para
continuarmos a servir, como aconteceu com a sogra de Simão Pedro que, depois de
ser curada de sua doença, ela se pôs a servi-los.
Jesus é, além de médico, remédio para todas as doenças
da alma que originam a maior parte das doenças do corpo porque:
·
"As pessoas que tem saúde não precisam de médico,
mas só as que estão doentes. Eu não vim para chamar justos, e sim
pecadores." (Mc 2, 17),
Essa afirmativa de Jesus nos tranquiliza ainda mais:
·
“... não vim para julgar o mundo, mas para salvar o
mundo." (Jo, 12,47).
Quando Jesus faz-se presente em nossa vida, as coisas
boas acontecem.
Jesus está sempre a postos para a sua missão de
libertar o homem de todos os males que o afligem. Jesus sempre se faz presente
na luta contra a injustiça, contra a doença, contra o mal, seja ele ou ela qual
for. Com Jesus presente encontramos forças renovadas para continuarmos na nossa
caminhada rumo a casa do Pai.
Assim como fez com a sogra de Simão Pedro, Jesus
segura na nossa mão e nos faz levantar das nossas quedas, do nosso desânimo, do
nosso comodismo, revitaliza a nossa fé.
A presença de Jesus é quem nos dá forças para
continuarmos firmes na fé e a servir os irmãos. O que precisamos é acreditar
mais na presença de Jesus ao nosso lado, na nossa vida, animando-nos, ajudando-nos
a enfrentar todos os obstáculos que a existência nos impõe.
Jesus é o melhor e mais honesto dos amigos que
possamos ter; é infinitamente melhor que o nosso melhor amigo.
Jesus não nos abandona em momento algum da nossa vida,
ainda que o abandonemos, e isso fazemos quase sempre.
Nas mãos de Jesus está o poder de libertar. Em nossas
mãos está o poder de decidir, de escolher, de aceitar a libertação que nos é
oferecida por Jesus.
Pouco adianta Jesus querer nos libertar se não
colaborarmos com ele.
Jesus não força, não empurra, não obriga; ele só
ajuda, e com muito amor e carinho, os que estão dispostos a sair do estado
letárgico do comodismo, da falta de fé, do desânimo. Jesus não nos obriga, mas
nos deixa este convite:
·
"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-me",
que precede essa advertência: “... pois aquele que quiser salvar a sua vida,
vai perdê-la", seguida deste consolo: “... mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai
encontrá-la.", e com essa recomendação: "De fato, que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, mas
arruinar a sua vida? Ou que poderá dar o homem em troca de sua vida?",
e termina com essa consolação: "Pois
o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus Anjos, e então
retribuirá a cada um de acordo com o seu comportamento", (Mt
16,24-27).
Quem não atende ao convite de Jesus é porque quer
continuar doente e escravo: escravo do sexo, escravo da luxúria, escravo da
riqueza, escravo do egoísmo, escravo de todos os pecados capitais que possam
existir.
Se alguém ainda não conseguiu libertar-se de todas as
doenças do corpo e da alma não é porque Jesus deixou de lhe estender a mão, mas
porque preferiu continuar na escravidão rejeitando a mão estendida de Jesus.
Jesus é o remédio para todos os males. Jesus é o nosso
Libertador; somente por ele seremos livres de tudo o que nos oprime e nos
escraviza.
Dando sequência à sua narrativa o Evangelista diz que:
·
"Ao entardecer, quando o sol se pôs,
trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoniados. E a cidade inteira
aglomerou-se à porta. E ele curou muitos doentes de diversas enfermidades e
expulsou muitos demônios." (Mc
1, 32-34).
Mas o comum ao tempo dos apóstolos e
de Jesus, era que os enfermos fossem considerados “possuídos por maus
espíritos”. Os aleijados, excluídos, não se atreviam a aproximar-se de quem
quer que seja, pois eram considerados amaldiçoados por Yahweh.
No Antigo Testamento a doença era
tratada como sinal de impureza ou pecado cometido pelo doente, e a regra era
uma só: discriminar o doente e privá-lo do convívio social, caso típico dos
leprosos. Os membros sadios da sociedade não olhavam e nem se aproximavam
desses desgraçados.
Jesus, contrariando expectativas de
ambos os lados, ignorava as regras, dispunha-se a servir os marginalizados com
dedicação e cuidado, para curá-los.
Quando estava à mesa com os pecadores
públicos na casa de Mateus e por ser recriminado por estar ceiando com pessoas
que eram discriminadas pelos doutores da Lei que se julgavam santos pela suas
atitudes por isso Jesus disse para que veio:
·
“As pessoas
que tem saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes. Eu não vim
para chamar justos, e sim pecadores.”
(Mc 2, 17; Mt 9,12; Lc 5,31).
Paulo escreve aos Colossenses, dizendo:
·
“Meus irmãos,
agora eu me alegro de sofrer por vocês e vou completando na minha própria carne
o que falta aos sofrimentos de Jesus Cristo a favor do seu corpo, que é a
Igreja.” (Cl 1, 24).
Essa frase de Paulo cabe certinho na boca dos doentes,
dos nossos irmãos e irmãs que estão passando por algum problema de saúde, que
estão hospitalizados, acamados em tratamento médico.
Todos os doentes sofrem de uma maneira ou de outra. E
seria tão bom que todos os doentes dissessem como disse Paulo:
·
“eu me alegro de sofrer... porque vou completando na
minha carne o que falta aos sofrimentos de Jesus Cristo a favor da sua Igreja.”.
Os doentes são os companheiros de Jesus Cristo a
caminho do Calvário, ajudando-o carregar a sua cruz. Os doentes são os
participantes da agonia da cruz.
Os sofrimentos dos doentes são a participação dos
sofrimentos de Jesus para a total salvação de todo o gênero humano.
Os doentes são o corpo flagelado de Jesus; são a
cabeça coroada de espinhos de Jesus; são o coração sacrossanto de Jesus
traspassado pela lança.
Os doentes sofrem, e esse sofrimento complementa o
sofrimento de Jesus para a salvação de todos os homens. São para esses que
Jesus estende a mão, buscando, se não a cura da enfermidade física, dar-lhe o
conforto por ser-lhe um companheiro na sua missão de ser o “Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo”.
A doença, apesar de ser um mal, é também um meio de
santificação; pela doença chegamos à conclusão de que nada somos e nada podemos
se não tivermos fé, porque:
·
"Tudo é
possível àquele que crê." (Mc 9,23)
e "Para Deus, com efeito, nada é
impossível." (Lc 1,37).
Amparados pela nossa fé concluímos que, sem Jesus
Cristo nada somos e nada podemos
·
"Porque sem mim, nada podeis." (Jo 15,5).
Ao entardecer e anoitecer de nossas vidas, ao
pôr-do-sol de nossa existência, procuremos Jesus, vejamos em qual casa ele
possa estar e peçamos-lhe que nos cure das doenças do corpo e, principalmente,
das doenças da alma, para sermos livres e livres das ilusões e vaidades do
mundo possamos adorar ao Senhor Nosso Deus e Criador, adorar ao Deus de
Misericórdia que nos mandou seu Filho Único para nos libertar de todos os
males.
Nenhum comentário:
Postar um comentário