PRIMEIRO DOMINGO
DA QUARESMA
Ano – B; Cor –
roxo; Leituras: Gn 9,8-15; Sl 24 (25); 1Pd 3,18-22; Mc 1,12-15.
“CONVERTAM-SE E
ACREDITEM NO EVANGELHO” (Mc 1,15).
Diácono
Milton Restivo
A liturgia faz
uma pausa no Tempo Comum onde a Igreja vestia-se de verde e entra no Tempo da
Quaresma, cujos paramentos adquirem a cor roxa.
O roxo na
Quaresma não tem o mesmo significado da cor roxa do Tempo do Advento.
No Advento o
roxo sugere expectativa, espera e preparação para a primeira vinda do Salvador
no Natal e de olhos voltados para a sua segunda vinda.
Na Quaresma o
roxo é uma chamada de atenção para a oração, jejum, abstinência, penitência,
preparando o cristão para a Páscoa, a Ressurreição de Jesus.
A Quaresma é
um período de retiro espiritual voltado para a reflexão, onde os cristãos
recolhem-se em oração e penitência para preparar o espírito para a acolhida do
Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa.
A Quaresma é o
tempo litúrgico de conversão, que a Igreja Católica, a Igreja Anglicana e
algumas protestantes marcam para preparar os fiéis para a grande festa da
Páscoa.
Durante este
período, os seus fiéis são convidados a um período de penitência e meditação,
por meio da prática do jejum, da esmola e da oração.
O período da
quaresma é de quarenta dias. Segundo o Missal Romano, o tempo da Quaresma vai
da Quarta-feira de Cinzas até a Missa da Ceia do Senhor, exclusive.
Nas Sagradas
Escrituras o número quatro simboliza o universo material – terra, água, ar e
fogo. Os zeros que o seguem significam o tempo de nossa vida na terra, suas
provações e dificuldades.
Portanto, a
duração da Quaresma está baseada no símbolo deste número na Bíblia.
Nas Sagradas
Escrituras o número quarenta indica um tempo necessário para algo novo que vai
chegar, ou um tempo que se finda uma geração, ou um tempo para conversão, de
mudança de vida e de mentalidade como, por exemplo, os quarenta dias que
duraram as águas do dilúvio (Gn 7,4.12.17; 8,6), quarenta dias e quarenta
noites que Moisés passa entre as nuvens no cume do monte Sinai para receber as
tábuas da Lei (Ex 24,18; 34,28; Dt 9,9.11.18.25; 10,10); quarenta anos de
caminhada do povo israelita pelo deserto (Nm 14,33; 32,13; Dt 2,7;0 8,2; 29,4;
Js 5,6; Sl 94,10; At 7,36; 13,18); quarenta anos de reinado de Davi em Israel
(2Sm 5,4; 1Rs 2,11; 1Cr 29,27), quarenta anos de reinado de Salomão em Israel
(1Rs 11,42; 2Cr 9,30); quarenta dias de caminhada de Elias pelo deserto até
chegar no monte Horeb, a montanha de Deus (1Rs 19,8); quarenta dias e quarenta
noites em que Jesus
passou no deserto jejuando em oração e tentado pelo demônio (Mt 4,2; Mc 1,13;
Lc 4,2); quarenta dias que Jesus passou entre os apóstolos depois de sua
ressurreição e antes de sua ascensão aos céus (At 1,3).
Quando julgavam
que alguém cometia alguma infração contra a Lei de Moisés, esta mesma Lei
determinava que, corrigi-lo, lhe dessem quarenta chicotadas (cf Dt 25,3) e
Paulo afirma que recebeu cinco vezes as quarenta chicotadas menos uma por
pregar a mensagem do Cristo Ressuscitado (2Cor 11,24).
Muitas outras
citações do número quarenta acontecem nas Sagradas Escrituras preconizando e objetivando
mudança para melhor. Vemos ai que, nas Sagradas Escrituras o número quarenta
está implicitamente ligado à mudança de vida ou na expectativa de algo novo que
deveria acontecer.
O Tempo da
Quaresma não foge a essa prescrição e tem essa finalidade: mudança de vida e de
mentalidade e é a preparação de penitência, jejum e oração para a Páscoa.
Os períodos de
quarenta dias ou quarenta anos relacionados nas Sagradas Escrituras vêm sempre
antes de fatos importantes e se relacionam com a necessidade de ir criando um
clima adequado e dirigindo o coração para algo de destaque que vai acontecer: a
concretização da conversão, a passagem da escravidão para a liberdade; a
mudança de vida e de mentalidade, como dizia João Batista:
·
“Convertam-se,
porque o Reino de Deus está próximo”. (Mt 3,2), e também Jesus: “Daí em diante, Jesus começou a pregar,
dizendo: ‘Convertam-se, porque o Reino de Deus está próximo.” (Mt 4,17); “O
tempo já se completou e o reino de Deus está próximo. Convertam-se e creiam no
Evangelho.” (Mc 1,15).
Ao pressentir
que deveria iniciar sua vida pública, o momento de começar a sua missão, Jesus deixa
sua vida oculta e no anonimato e dirige-se às margens do rio Jordão para se
batizado por João Batista. Depois disso
·
“o Espírito levou Jesus para o deserto
durante quarenta dias e ai foi tentado por satanás.” (Mc 1,12).
Ser conduzido
pelo Espírito quer dizer que Jesus vivia em oração e total recolhimento,
entregando-se inteiramente à vontade de Deus, ocasião em que teve uma profunda
experiência de encontro com o Pai.
Quem busca a
Deus com insistência e persistência, é tentado pelo demônio, pelo chamamento do
mundo que sugere ao retirante que deixe essa vida de oração e recolhimento e
volte para a vida vulgar e das passageiras facilidades que o mundo oferece. Com
Jesus não foi diferente.
As tentações
que Jesus viveu são apresentadas como aquelas que também os cristãos precisam
viver. É por isso então, que os cristãos realizam uma penitência de quarenta
dias, chamada Quaresma. Ao longo deste período, sobretudo na liturgia do
domingo, é feito um esforço para recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros
fiéis que pretendem viver como filhos de Deus.
A Igreja
prescreve, além do jejum quaresmal, também a abstinência de carne, que consiste
em não comer carne ou derivados em alguns dias do ano que variam conforme
determinação dos bispos locais. No Brasil são dias de jejum e abstinência a
quarta-feira de cinzas e a sexta-feira santa.
Por
determinação do episcopado brasileiro, nas sextas-feiras do ano (inclusive as
da Quaresma, exceto a Sexta-feira Santa) fica a abstinência comutada em outras
formas de penitência.
Praticar a abstinência é privar-se de algo, não só de carne.
Por exemplo, se se tem o hábito diário de assistir televisão, fumar, etc., vale
o sacrifício de abster-se destes itens nesses dias.
A obrigação de
se abster de carne começa aos 15 anos. A obrigação de jejuar, limitando-se a
uma refeição principal e a duas mais ligeiras no decurso do dia, vai dos 21 aos
59 anos. Quem está doente nessa faixa etária e também as mulheres grávidas estão
desobrigados do jejum.
A Quaresma é
um tempo de graça e bênção, de escuta mais intensa da palavra de Deus, de
conversão e mudança de vida e mentalidade, de recordação e preparação do
batismo, de reconciliação com Deus e com os irmãos; tempo de oração mais
intensa; tempo de jejum como aprendizagem, entrega e docilidade à vontade do
Pai; tempo de esmola ou de partilha de bens e de gestos solidários, de carinho
com os pobres e necessitados.
Todos os anos
durante o período quaresmal, tempo de conversão, a CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil) realiza a Campanha da Fraternidade, que tem por objetivo
despertar a solidariedade de seus fiéis e de toda a sociedade em relação a um
problema concreto que envolve toda a nação, buscando uma solução para o mesmo.
O tema para 2018 será
·
“Fraternidade
e superação da violência” e o tema
·
“Em Cristo
somos todos irmãos” (Mt 23,8).
A primeira
leitura da liturgia deste primeiro domingo da Quaresma relata a segunda aliança
citada no Antigo Testamento que Yahweh faz com o homem, neste caso, com Noé:
·
“Deus disse a Noé e seus filhos: ‘Eu
estabeleço a minha aliança com vocês e com seus descendentes, e com todos os
animais que os acompanham; aves, animais domésticos e feras, com todos os que
saíram da arca e agora vivem sobre a terra. Estabeleço a minha aliança como
vocês: de tudo o que existe, nada mais será destruído pelas águas do dilúvio, e
nunca mais haverá dilúvio para devastar a terra. [...] Este é o sinal da aliança que coloco entre mim e vocês
e todos os seres vivos que estão com vocês, para todas as gerações futuras.
Colocarei o meu arco nas nuvens, e ele se tornará um sinal de minha aliança com
a terra.” (Gn 9,8-10.12-13).
Nesta aliança
Yahweh inclui um sinal: o arco-íris.
O propósito de
um sinal visível é que todos, ao vê-lo, possam se lembrar da Aliança feita.
Visto a olho
nu, observa-se que o arco-íris apresenta sete cores: vermelho, laranja, amarelo,
verde, azul, anil e violeta. O número sete, nas Sagradas Escrituras, tem a
representatividade da perfeição. Em primeira instância, o arco-íris é a certeza
de que a tempestade já passou e que não choverá mais daí por diante.
O arco-íris
também pode ser interpretado como Yahweh, chamado no Antigo Testamento de “Deus
dos Exércitos”, depondo a sua arma, o seu arco sobre as nuvens acompanhado da
promessa de que não haveria mais punições como aquela que foi imposta para os
homens, o dilúvio.
Citadas nas
Sagradas Escrituras, aconteceram sete alianças e uma renovação da aliança no
deserto feitas por Deus como o homem criado por ele e que sempre lhe virou as
costas.
Yahweh é Deus
de alianças. Através das alianças que Yahweh fez com o homem, pelo seu imenso
amor, dá a garantia de muitas bênçãos, se houver fé e obediência a essas
alianças.
A iniciativa da
aliança sempre foi de Deus, que estabelece as condições.
A primeira
aliança foi feita com o primeiro homem, Adão (Gn 1.27-30; 2.16-17; 3.2-20).
A segunda aliança foi feita com Noé e seus filhos,
constantes da leitura desta liturgia (Gen 9.11-17).
A terceira aliança foi feita Abraão (Gn
12,2-3.7-15; 13,14-16; 15,5-6; 17,1-14). Para Abraão, ainda, Deus prometeu
estender a aliança a Isaque, o filho da promessa que iria nascer (Gn 17,16,19).
A quarta aliança foi com Isaque, filho de Abraão
(Gn 26,2-5.23-24).
A quinta aliança foi feita com Jacó, filho de
Isaque (Gn 28,13-14).
A sexta aliança foi feita com os israelitas no
deserto através de Moisés (Ex 6,3-8; 19,4-6; 23,20-33; 24,3-4).
Nas planícies de Moab houve a renovação dessa
aliança antes do povo israelita entrar na terra prometida já no final da sua
caminhada pelo deserto para fortalecer espiritualmente o povo que iria
enfrentar os contratempos da conquista da Terra Prometida (Dt 4,44-45; 5,1-3; 31.1-33.29).
A sétima, a nova e eterna aliança de Deus com o
seu povo se realizou em
Jesus Cristo :
·
“E
a Palavra se fez homem e veio habitar entre nós. E nós contemplamos a sua
glória: glória do Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade.” (Jo 1,14); “Na noite em que foi
entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse:
‘Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isso em memória de mim’. Do mesmo
modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança
no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de
mim.” (1Cor 11,23b-25).
A nova aliança já estava preconizada no livro de
Jeremias:
·
“Eis
que chegarão dias – oráculo de Yahweh –
em que eu farei uma aliança nova com Israel e Judá: Não será como a aliança que
fiz com seus antepassados, quando os peguei pela mão para tirá-los da terra do
Egito; aliança que eles quebraram, embora fosse eu o Senhor deles – oráculo de
Yahweh -. A aliança que eu farei com Israel depois desses dias é a seguinte –
oráculo de Yahwew: Colocarei minha Lei em seu peito e a escreverei em seu
coração: eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo.” (Jr 31,31-33).
A Nova aliança está selada com e no sangue de
Jesus:
·
“Isto
é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que é derramado por muitos, para
remissão de pecados” (Mt
26,28).
A nova aliança é superior a todas as demais:
·
“Jesus,
porém, foi encarregado para um serviço sacerdotal superior, pois é o mediador
de uma aliança melhor, que promete melhores benefícios. De fato, se a primeira
aliança não tivesse defeito, nem haveria lugar para segunda aliança. [...] Dizendo ‘aliança nova’ Deus
declara que a primeira ficou antiquada; e aquilo que se torna antigo e envelhece,
vai desaparecer logo” Hb 8,6-7.13).
E o profeta Ezequiel anteve como Deus vai preparar
o povo para essa nova aliança:
·
“Darei
a eles um coração íntegro, e colocarei no íntimo deles um espírito novo.
Tirarei do peito deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne.
Tudo isso para que sigam os meus
estatutos e ponham em prática as minhas normas.Então eles serão o meu povo, e
eu serei o seu Deus.” (Ez
11,19-20).
O povo da Nova Aliança será guiado pelo Espírito
de Deus e será chamado filho de Deus e será herdeiro do reino:
·
“Todos
os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. E vocês não
receberam um Espírito de escravos para recair no medo, mas receberam um
Espírito de filhos adotivos, por meio do qual clamamos ‘Abba! Pai!’ O próprio
Espírito assegura ao nosso espírito que somos filhos de Deus. E se somos
filhos, somos também herdeiro: herdeiros de Deus, herdeiros junto com Cristo,
uma vez que tendo participado dos seus sofrimentos, também participaremos da
sua glória.” (Rm 8,14-17).
Através da ordem expressa de Jesus quando do envio
dos seus apóstolos e discípulos a todo o mundo, Jesus determina quem fará parte
do povo da Nova Aliança:
·
“Toda
autoridade foi dada a mim no céu e sobre
a terra. Portanto, vão e façam com que todos
os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e
do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis
que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo.” (Mt 28,18b-20).
Pelo batismo em nome da Trindade, este povo está
repleto do Espírito Santo:
·
“João
batizou com água: vocês,, porém, dentro de poucos dias, serão batizados com o
Espírito Santo.” (At
1,5).
A Quaresma, portanto, é o tempo para que o povo de
Deus se volte para a Aliança definitiva feita com e pelo sangue de Jesus para
que a Igreja possa entender o grande amor que o Pai tem pelos seus filhos: “Pois
Deus amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o
que nele acredita não morra, , mas tenha a vida eterna. De fato, Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para
condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por ele. Quem acredita
nele, não está condenado; quem não acredita, já está condenado, porque não
acreditou no nome do Filho único de Deus. (Jo 3,16-18).
O Tempo da Quaresma repete o dito por Jesus:
·
“O tempo já se completou e o reino de Deus
está próximo. “Convertam-se e creiam no Evangelho.” (Mc 1,15).
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