IX DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO “C”
Cor – verde; Leituras
– 1Rs 8,41-43; Sl 116; Gl 1,1-2.6-10; Lc 7,1-10.
“SENHOR, EU NÃO
SOU DIGNO QUE ENTRES EM
MINHA CASA.” (Lc 7,6).
MILITARES NO NOVO TESTAMENTO
Diácono
Milton Restivo
Quando Jesus nasceu, os romanos dominavam a maior parte do mundo
civilizado da época e, por isso, a Judéia também estava sob o domínio daquele
povo guerreiro. No ano 63 antes de Cristo, Pompeu, general romano, invadiu e
conquistou Jerusalém, estabelecendo o domínio de Roma sobre Judá. O nascimento
do Senhor Jesus deu-se em Belém, motivado pela ordem do imperador romano que
havia promulgado um decreto, conforme narra Lucas: “Naqueles dias, apareceu um edito de César Augusto, ordenando o
recenseamento de todo o mundo civilizado.” (Lc 2,1), que obrigou o casal
José e Maria deslocar-se de sua cidade de residência, Nazaré da Galiléia, para
a cidade dos pais do chefe da casa, José, que era Belém, Na Judéia.
É interessante como o Senhor se utiliza da soberba dos homens para
fazer realizar as suas destinações a fim de cumprir as profecias do Antigo
Testamento com relação ao Filho de Deus.
Maria, a mãe de Jesus, residia em Nazaré, e, obviamente, pelo curso normal dos acontecimentos, Jesus
deveria nascer em Nazaré, cidade da Galiléia, se não fosse esse “edito de César
Augusto” que obrigou José a tomar sua jovem esposa grávida de já quase nove
meses e se deslocar até a cidade de Belém, na Judéia, para se cadastrar: “Também José subiu da cidade de Nazaré, na
Galiléia, para a Judéia, na cidade de Davi, para se inscrever com Maria, sua
mulher, que estava grávida.” (Lc 2,4-5). E assim se cumpriu a profecia de
Miquéias: “Mas tu, Belém, Éfrata, embora
a menor dos clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que será dominador de
Israel.” (Mq 5,1). Sem sombra de
dúvida, o território judeu deveria estar, na época de Jesus, infestado de
soldados romanos para manter a ordem e garantir a dominação sobre o povo judeu.
Durante sua vida pública Jesus teve contato com vários militares
romanos contemporâneos, e a todos tratou com atenção, benevolência e respeito e
por eles foi respeitado.
Geralmente, e em todos os tempos, os militares são vistos sempre com
certa desconfiança e temor pelo povo, porque, entre os seus atributos, o
militar tem como função manter a ordem e fiscalizar o perfeito cumprimento das
leis, e ninguém gosta de ser fiscalizado.
Ai entra o acontecimento do Evangelho deste domingo que, em certa
ocasião, Jesus entrou na cidade de Cafarnaum onde “havia um oficial romano
que tinha um empregado a quem estimava muito. O empregado estava doente, a
ponto de morrer.” (Lc 7,2). No seu Evangelho Mateus narra assim esse
episódio: “ao entrar em Cafarnaum,
chegou-se a ele um centurião que lhe implorava e dizia: ‘Senhor, o meu criado
está deitado em casa, paralítico, sofrendo dores atrozes.’ Jesus lhe disse: ‘Eu
irei curá-lo.’ Mas o centurião respondeu-lhe: ‘Senhor, não sou digno de
receber-te sob meu teto, basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são’.” (Mt 8,5-8).
Centurião era um posto militar do exército romano com equivalência a um
oficial militar dos nossos tempos; o centurião comandava uma centúria, isto é,
uma companhia de cem soldados; era, portanto, um militar superior hierárquico. Na
hierarquia militar seria o posto que hoje denominamos “capitão”.
Voltemos à cena do diálogo entre o centurião e Jesus. O centurião era
um pagão, isto é, adorava os deuses impostos por Roma e não conhecia o verdadeiro
Deus. Pela maneira confiante com que ele aproximou-se de Jesus, com certeza, tinha
conhecimento das maravilhas operadas pelo Divino Mestre e, confiante de que
seria atendido, pede pela saúde de seu criado. Jesus poderia ter dito a esse
centurião o mesmo que dissera àquela mulher cananéia que lhe implorou a cura de
sua filha endemoniada: “eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa
de Israel.” (Mt 15,24); mas não,
o Senhor não faz isso. Pelo contrário, prontificou-se imediatamente em ir até a
casa do centurião a fim de dar assistência e curar seu criado enfermo e
paralítico que estava sofrendo dores atrozes, dizendo: “eu irei curá-lo.” (Mt 8,7), mas, qual não foi a surpresa
de Jesus com a pronta resposta do centurião: “Senhor, não sou digno de receber-te sob meu teto; basta que digas uma
palavra e o meu criado ficará são.” (Mt
8,8). Que humildade, que confiança, que sinceridade e que consideração esse centurião
tinha com seu criado e o respeito e veneração que tinha com Jesus.
O centurião, que desconhecia as Sagradas Escrituras, em outras palavras
repetiu a oração de extrema confiança do salmista: “Porque ele diz e a coisa acontece, ele ordena e ela se afirma.”
(Sl 33 (32),9). O centurião conhecia o poder de Jesus de operar milagres,
qualquer que fosse ele e não titubeou em procurá-lo ao tomar conhecimento que a
medicina contemporânea já não oferecia mais condições de devolver a saúde ao
seu criado.
Jesus disse que iria até sua casa para curar o seu criado, e quem de
nós não se sentiria feliz, extremamente feliz, honrado e privilegiado em
receber em nossa casa a visita divina do Senhor Jesus, e ainda para curar um
ente querido nosso de uma doença grave que a medicina já não mais daria conta? Tocado
pela virtude da humildade, o centurião, pelo contrário, se julgou indigno de recepcionar
Jesus em sua casa, porque sabia ser um pagão e tinha de acertar ainda muitas
coisas em sua vida para se julgar digno de recepcionar Jesus sob seu teto.
Que magnífico exemplo de humildade nos transmite esse centurião romano.
Um oficial do exército romano, que dominava o mundo civilizado da época, um
comandante de, pelo menos, cem valentes e destemidos soldados romanos, um homem
de “status” na sociedade, não se vangloria pelo posto militar que ocupa e nem
se aproveita de sua autoridade para tirar proveitos próprios; muito pelo
contrário, não se julga digno de receber Jesus em sua casa. E isso provocou
admiração em Jesus; “Ouvindo isso, Jesus
ficou admirado e disse aos que o seguiam: “Em verdade eu digo a vocês que, em
Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé.” (Mt 8,10).
Jesus não perde a oportunidade de chamar a atenção daqueles a qual foi
enviada a Boa Nova e a rejeitavam; “mas,
eu digo a vocês que virão muitos do oriente e do ocidente e se assentarão à
mesa do reino dos céus com Abraão, Isaac e Jacó, enquanto os filhos do reino
serão postos para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 8,11-13).
Depois de Jesus manifestar toda a sua indignação contra os escribas,
fariseus e todos aqueles que diziam conhecer a palavra de Deus, mas não a
levavam a sério, se volta para o centurião e diz com absoluta autoridade: “Vá, e seja feito conforme você acreditou” e o evangelho nos diz que “naquela mesma hora o criado ficou curado.”
(Mt 8,13).
Muitos outros militares são citados nos santos Evangelhos.
No Evangelho de João, um outro centurião recorre ao Senhor Jesus para
que cure seu filho doente. Jesus o manda voltar para sua casa afirmando que, a
partir daquele momento, seu filho estava curado; e ele acreditou e voltou para
sua casa (Jo 4,46-53). Ao chegar em sua casa os criados vieram ao seu encontro
admirados, dizendo que seu filho havia recuperado a saúde: “Perguntou, então, a que
horas ele se sentira melhor. Eles lhe disseram: ‘Ontem, à hora sétima a febre o
deixou.’ Então o pai reconheceu ser precisamente aquela hora em que Jesus lhe dissera: ‘O
teu filho vive’, e creu, ele e todos da sua casa.” (Jo 4,53-53). E foi um
centurião, no Calvário, o primeiro pagão a reconhecer a divindade de Jesus
Cristo: “O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, ao verem o terremoto e
tudo o mais que estava acontecendo, ficaram muito amedrontados e disseram: “De
fato, este era Filho de Deus.” (Mt
27,54; Mc 15,39; Lc 23,47).
Foi, também, um centurião que teve a insólita incumbência de informar
ao governador Pôncio Pilatos a morte de Jesus: “Pilatos ficou admirado de que ele já estivesse morto, e, chamando o
centurião, perguntou-lhe se fazia muito tempo que morrera. Informado pelo
centurião, cedeu o cadáver a José (de Arimatéia)...” (Mc 15,44-45).
No livro dos Atos dos Apóstolos encontramos que o primeiro pagão
convidado, em visão, pelo Senhor Nosso Deus, para abraçar as verdades
evangélicas, e que era um centurião romano de nome Cornélio: “Vivia em Cesaréia um homem chamado Cornélio,
centurião da coorte itálica. Era piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa,
dava muitas esmolas ao povo judeu e orava constantemente.” (At 10,1-2). Na
sequência, nos diz esse mesmo livro que a oração de Cornélio chegou até o
Senhor: “Tuas orações e tuas esmolas
subiram até a presença de Deus e ele se lembrou de ti.” (At 10,4).
Cornélio mandou buscar o Apóstolo Pedro, que estava na cidade de Jope,
para instruí-lo na fé, juntamente com sua família, criadagem e amigos, e todos
receberam o Espírito Santo e foram batizados. O centurião Cornélio, seus
familiares, seus criados e amigos íntimos foram os primeiros gentios, os
primeiros pagãos, os primeiros não judeus a receberem o batismo e abraçarem a
fé cristã: “Poderia alguém recusar a água
do batismo para estes que receberam o Espírito Santo assim como nós? Então, (Pedro) determinou
que fossem batizados nome de Jesus Cristo.”
(At 10, 47). Todo o capítulo dez do livro dos Atos dos Apóstolos narra
esse episódio maravilhoso da conversão do centurião Cornélio, sua família, amigos
e criados.
Paulo, Apóstolo, pregando o Evangelho de Jesus Cristo no templo de
Jerusalém, foi agarrado pela multidão de judeus amotinada que o queria linchar
por não aceitar a Boa Nova que Paulo leva a eles (At 21,27-40), e foram
soldados e centuriões que o tiraram das mãos da enfurecida multidão que queria
matá-lo: “Já procuravam matá-lo, quando
chegou ao tribuno da coorte a notícia: ‘Toda Jerusalém está amotinada!’ Ele
imediatamente destacou soldados e centuriões e arremeteu contra os
manifestantes; estes, à vista do tribuno e dos soldados, cessaram de bater em
Paulo.” (At 21,31-32).
Em outra oportunidade, quando Paulo, preso, viajava de navio de
Jerusalém para Roma, sobreveio no mar uma grande tempestade (At 27,1-44), e o
navio, sobrecarregado demais, encalhou em uma ilha, tendo nela se refugiado
toda a tripulação e prisioneiros e, “veio
então, aos soldados, o pensamento de matar os prisioneiros para evitar que alguns deles, a nado,
escapassem” (A 27,42). E quem
veio em socorro de Paulo? “Mas, o
centurião, querendo preservar a Paulo, opôs-se a esse designo.” (At 27,43). Com essas referências
bíblicas constatamos que o Senhor Nosso Deus mandou-nos a salvação através do
povo judeu, mas não foi somente para aquele povo que veio a salvação; foi para
todos “... aos homens de boa vontade.” (Lc 2,14).
Os militares tiveram uma conotação privilegiada nos planos divinos de
difundir o seu reino de amor a todos os homens. Foi de um militar que Jesus
elogiou a fé (Mt 8, 10). Foi um militar que, primeiro, entre todos os gentios,
reconheceu a divindade de Jesus (Lc 23,47). Foi um militar, sua família, seus
amigos e sua criadagem, os primeiros gentios a receberem o batismo e aceitarem
o Senhor Jesus como seu Salvador (At 10,1-33). Foram outros militares que
salvaram Paulo das mais difíceis situações (At, 21,31-33; 27,42-43).
Infelizmente, os militares, aos olhos de todos, evocam opressão,
repressão, fiscalização. Mas, a própria Igreja, nos seus ensinamentos antes do
Vaticano II, evocava a imagem do cristão que iria receber o Sacramento do
Crisma como soldados que iriam receber a armadura e a espada para o combate
contra a injustiça e os inimigos da fé, como era entendido. Hoje, na
religiosidade popular, são lembrados São Longuinho como aquele que ajuda a
encontrar coisas perdidas depois de ser dado os famosos três pulinhos; São
Jorge como o protetor de todos os males; São Sebastião contra os males do
esquisito e tudo o mais, mas nunca como militares que enfrentaram os seus
superiores, os regulamentos da sua corporação, a ordem imposta pelos
imperadores para que prevalecesse a sua fé e a crença que adquiriram em Jesus Cristo.
Seria oportuno lembrarmos os quarenta militares mártires de Sebaste,
que deram a sua vida em defesa da fé; foram quarenta soldados pertencentes à XII Legião de Fulminata e que
prestavam serviço na região de Sebaste, no século IV, por volta do ano 320, que
se tornaram militares cristãos ao se recusarem a prestar juramento de
fidelidade aos deuses romanos contra a vontade do imperador Valério Liciano
Licínio. Lembrarmos, também, de Santo Adriano de Nicomédia, que foi um guarda
herculiano do imperador romano Galério Maximiano. Após converter-se ao cristianismo,
juntamente com sua esposa Natália, Adriano foi martirizado em Nicomédia, em 04
de março de 306. E o que dizer de um
santo militar dos nossos dias que deu a sua vida para salvar a vida de uma
criança que, num zoológico, estava sendo estraçalhada por ariranhas?
Sílvio Delmar Hillenbach, nascido em 31 de dezembro de 1943, sargento do
Exército Brasileiro, não morreu em combate, mas deu sua vida heroicamente para
salvar a vida de uma criança que caiu no fosso das ariranhas e prestes a ser
morta por esses animais no Jardim Zoológico de Brasília, não mediu
consequências e pulou no fosso.
No dia 27 de agosto de 1977, o sargento Delmar, em passeio com a famíla no
Jardim Zoológico de Brasília, presenciou o acidente da queda de um garoto de 13
anos no fosso das ariranhas e conseguiu salvá-lo de ataques pulando no fosso,
porém foi estraçalhado pelas ariranhas e devido a infecção generalizada entrou
em óbito no hospital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário