sábado, 1 de junho de 2013

“SENHOR, EU NÃO SOU DIGNO QUE ENTRES EM MINHA CASA.” (Lc 7,6).

IX DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO “C”

Cor – verde; Leituras – 1Rs 8,41-43; Sl 116; Gl 1,1-2.6-10; Lc 7,1-10.

“SENHOR, EU NÃO SOU DIGNO QUE ENTRES EM MINHA CASA.” (Lc 7,6).
  
MILITARES NO NOVO TESTAMENTO

Diácono Milton Restivo

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Quando Jesus nasceu, os romanos dominavam a maior parte do mundo civilizado da época e, por isso, a Judéia também estava sob o domínio daquele povo guerreiro. No ano 63 antes de Cristo, Pompeu, general romano, invadiu e conquistou Jerusalém, estabelecendo o domínio de Roma sobre Judá. O nascimento do Senhor Jesus deu-se em Belém, motivado pela ordem do imperador romano que havia promulgado um decreto, conforme narra Lucas: “Naqueles dias, apareceu um edito de César Augusto, ordenando o recenseamento de todo o mundo civilizado.” (Lc 2,1), que obrigou o casal José e Maria deslocar-se de sua cidade de residência, Nazaré da Galiléia, para a cidade dos pais do chefe da casa, José, que era Belém, Na Judéia.
É interessante como o Senhor se utiliza da soberba dos homens para fazer realizar as suas destinações a fim de cumprir as profecias do Antigo Testamento com relação ao Filho de Deus.
              Maria, a mãe de Jesus, residia em Nazaré, e, obviamente, pelo curso normal dos acontecimentos, Jesus deveria nascer em Nazaré, cidade da Galiléia, se não fosse esse “edito de César Augusto” que obrigou José a tomar sua jovem esposa grávida de já quase nove meses e se deslocar até a cidade de Belém, na Judéia, para se cadastrar: Também José subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, para a Judéia, na cidade de Davi, para se inscrever com Maria, sua mulher, que estava grávida.” (Lc 2,4-5). E assim se cumpriu a profecia de Miquéias: “Mas tu, Belém, Éfrata, embora a menor dos clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que será dominador de Israel.” (Mq 5,1). Sem sombra de dúvida, o território judeu deveria estar, na época de Jesus, infestado de soldados romanos para manter a ordem e garantir a dominação sobre o povo judeu.
Durante sua vida pública Jesus teve contato com vários militares romanos contemporâneos, e a todos tratou com atenção, benevolência e respeito e por eles foi respeitado.  
Geralmente, e em todos os tempos, os militares são vistos sempre com certa desconfiança e temor pelo povo, porque, entre os seus atributos, o militar tem como função manter a ordem e fiscalizar o perfeito cumprimento das leis, e ninguém gosta de ser fiscalizado.
Ai entra o acontecimento do Evangelho deste domingo que, em certa ocasião, Jesus entrou na cidade de Cafarnaum onde “havia um oficial romano que tinha um empregado a quem estimava muito. O empregado estava doente, a ponto de morrer.” (Lc 7,2). No seu Evangelho Mateus narra assim esse episódio: “ao entrar em Cafarnaum, chegou-se a ele um centurião que lhe implorava e dizia: ‘Senhor, o meu criado está deitado em casa, paralítico, sofrendo dores atrozes.’ Jesus lhe disse: ‘Eu irei curá-lo.’ Mas o centurião respondeu-lhe: ‘Senhor, não sou digno de receber-te sob meu teto, basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são’.” (Mt 8,5-8).
Centurião era um posto militar do exército romano com equivalência a um oficial militar dos nossos tempos; o centurião comandava uma centúria, isto é, uma companhia de cem soldados; era, portanto, um militar superior hierárquico. Na hierarquia militar seria o posto que hoje denominamos “capitão”.
Voltemos à cena do diálogo entre o centurião e Jesus. O centurião era um pagão, isto é, adorava os deuses impostos por Roma e não conhecia o verdadeiro Deus. Pela maneira confiante com que ele aproximou-se de Jesus, com certeza, tinha conhecimento das maravilhas operadas pelo Divino Mestre e, confiante de que seria atendido, pede pela saúde de seu criado. Jesus poderia ter dito a esse centurião o mesmo que dissera àquela mulher cananéia que lhe implorou a cura de sua filha endemoniada: “eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.” (Mt 15,24); mas não, o Senhor não faz isso. Pelo contrário, prontificou-se imediatamente em ir até a casa do centurião a fim de dar assistência e curar seu criado enfermo e paralítico que estava sofrendo dores atrozes, dizendo: “eu irei curá-lo.” (Mt 8,7), mas, qual não foi a surpresa de Jesus com a pronta resposta do centurião: “Senhor, não sou digno de receber-te sob meu teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são.” (Mt 8,8). Que humildade, que confiança, que sinceridade e que consideração esse centurião tinha com seu criado e o respeito e veneração que tinha com Jesus.
O centurião, que desconhecia as Sagradas Escrituras, em outras palavras repetiu a oração de extrema confiança do salmista: “Porque ele diz e a coisa acontece, ele ordena e ela se afirma.” (Sl 33 (32),9). O centurião conhecia o poder de Jesus de operar milagres, qualquer que fosse ele e não titubeou em procurá-lo ao tomar conhecimento que a medicina contemporânea já não oferecia mais condições de devolver a saúde ao seu criado.
Jesus disse que iria até sua casa para curar o seu criado, e quem de nós não se sentiria feliz, extremamente feliz, honrado e privilegiado em receber em nossa casa a visita divina do Senhor Jesus, e ainda para curar um ente querido nosso de uma doença grave que a medicina já não mais daria conta? Tocado pela virtude da humildade, o centurião, pelo contrário, se julgou indigno de recepcionar Jesus em sua casa, porque sabia ser um pagão e tinha de acertar ainda muitas coisas em sua vida para se julgar digno de recepcionar Jesus sob seu teto. 
Que magnífico exemplo de humildade nos transmite esse centurião romano. Um oficial do exército romano, que dominava o mundo civilizado da época, um comandante de, pelo menos, cem valentes e destemidos soldados romanos, um homem de “status” na sociedade, não se vangloria pelo posto militar que ocupa e nem se aproveita de sua autoridade para tirar proveitos próprios; muito pelo contrário, não se julga digno de receber Jesus em sua casa. E isso provocou admiração em Jesus; “Ouvindo isso, Jesus ficou admirado e disse aos que o seguiam: “Em verdade eu digo a vocês que, em Israel, não achei ninguém que tivesse tal fé.” (Mt 8,10).      
Jesus não perde a oportunidade de chamar a atenção daqueles a qual foi enviada a Boa Nova e a rejeitavam; “mas, eu digo a vocês que virão muitos do oriente e do ocidente e se assentarão à mesa do reino dos céus com Abraão, Isaac e Jacó, enquanto os filhos do reino serão postos para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 8,11-13).             
Depois de Jesus manifestar toda a sua indignação contra os escribas, fariseus e todos aqueles que diziam conhecer a palavra de Deus, mas não a levavam a sério, se volta para o centurião e diz com absoluta autoridade: “Vá, e seja feito conforme você acreditou” e o evangelho nos diz que “naquela mesma hora o criado ficou curado.” (Mt 8,13). 
Muitos outros militares são citados nos santos Evangelhos.
No Evangelho de João, um outro centurião recorre ao Senhor Jesus para que cure seu filho doente. Jesus o manda voltar para sua casa afirmando que, a partir daquele momento, seu filho estava curado; e ele acreditou e voltou para sua casa (Jo 4,46-53). Ao chegar em sua casa os criados vieram ao seu encontro admirados, dizendo que seu filho havia recuperado a saúde: “Perguntou, então, a que horas ele se sentira melhor. Eles lhe disseram: ‘Ontem, à hora sétima a febre o deixou.’ Então o pai reconheceu ser precisamente  aquela hora em que Jesus lhe dissera: ‘O teu filho vive’, e creu, ele e todos da sua casa.” (Jo 4,53-53). E foi um centurião, no Calvário, o primeiro pagão a reconhecer a divindade de Jesus Cristo: “O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, ao verem o terremoto e tudo o mais que estava acontecendo, ficaram muito amedrontados e disseram: “De fato, este era Filho de Deus.” (Mt 27,54; Mc 15,39; Lc 23,47).
Foi, também, um centurião que teve a insólita incumbência de informar ao governador Pôncio Pilatos a morte de Jesus: “Pilatos ficou admirado de que ele já estivesse morto, e, chamando o centurião, perguntou-lhe se fazia muito tempo que morrera. Informado pelo centurião, cedeu o cadáver a José (de Arimatéia)...” (Mc 15,44-45).            
No livro dos Atos dos Apóstolos encontramos que o primeiro pagão convidado, em visão, pelo Senhor Nosso Deus, para abraçar as verdades evangélicas, e que era um centurião romano de nome Cornélio: Vivia em Cesaréia um homem chamado Cornélio, centurião da coorte itálica. Era piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, dava muitas esmolas ao povo judeu e orava constantemente.” (At 10,1-2). Na sequência, nos diz esse mesmo livro que a oração de Cornélio chegou até o Senhor: “Tuas orações e tuas esmolas subiram até a presença de Deus e ele se lembrou de ti.” (At 10,4).   
Cornélio mandou buscar o Apóstolo Pedro, que estava na cidade de Jope, para instruí-lo na fé, juntamente com sua família, criadagem e amigos, e todos receberam o Espírito Santo e foram batizados. O centurião Cornélio, seus familiares, seus criados e amigos íntimos foram os primeiros gentios, os primeiros pagãos, os primeiros não judeus a receberem o batismo e abraçarem a fé cristã: “Poderia alguém recusar a água do batismo para estes que receberam o Espírito Santo assim como nós? Então, (Pedro) determinou que fossem batizados nome de Jesus Cristo.” (At 10, 47). Todo o capítulo dez do livro dos Atos dos Apóstolos narra esse episódio maravilhoso da conversão do centurião Cornélio, sua família, amigos e criados.
Paulo, Apóstolo, pregando o Evangelho de Jesus Cristo no templo de Jerusalém, foi agarrado pela multidão de judeus amotinada que o queria linchar por não aceitar a Boa Nova que Paulo leva a eles (At 21,27-40), e foram soldados e centuriões que o tiraram das mãos da enfurecida multidão que queria matá-lo: “Já procuravam matá-lo, quando chegou ao tribuno da coorte a notícia: ‘Toda Jerusalém está amotinada!’ Ele imediatamente destacou soldados e centuriões e arremeteu contra os manifestantes; estes, à vista do tribuno e dos soldados, cessaram de bater em Paulo.” (At 21,31-32).
Em outra oportunidade, quando Paulo, preso, viajava de navio de Jerusalém para Roma, sobreveio no mar uma grande tempestade (At 27,1-44), e o navio, sobrecarregado demais, encalhou em uma ilha, tendo nela se refugiado toda a tripulação e prisioneiros e, “veio então, aos soldados, o pensamento de matar os prisioneiros  para evitar que alguns deles, a nado, escapassem” (A 27,42). E quem veio em socorro de Paulo? “Mas, o centurião, querendo preservar a Paulo, opôs-se a esse designo.” (At 27,43). Com essas referências bíblicas constatamos que o Senhor Nosso Deus mandou-nos a salvação através do povo judeu, mas não foi somente para aquele povo que veio a salvação; foi para todos “... aos homens de boa vontade.” (Lc 2,14).
Os militares tiveram uma conotação privilegiada nos planos divinos de difundir o seu reino de amor a todos os homens. Foi de um militar que Jesus elogiou a fé (Mt 8, 10). Foi um militar que, primeiro, entre todos os gentios, reconheceu a divindade de Jesus (Lc 23,47). Foi um militar, sua família, seus amigos e sua criadagem, os primeiros gentios a receberem o batismo e aceitarem o Senhor Jesus como seu Salvador (At 10,1-33). Foram outros militares que salvaram Paulo das mais difíceis situações (At, 21,31-33; 27,42-43).
Infelizmente, os militares, aos olhos de todos, evocam opressão, repressão, fiscalização. Mas, a própria Igreja, nos seus ensinamentos antes do Vaticano II, evocava a imagem do cristão que iria receber o Sacramento do Crisma como soldados que iriam receber a armadura e a espada para o combate contra a injustiça e os inimigos da fé, como era entendido. Hoje, na religiosidade popular, são lembrados São Longuinho como aquele que ajuda a encontrar coisas perdidas depois de ser dado os famosos três pulinhos; São Jorge como o protetor de todos os males; São Sebastião contra os males do esquisito e tudo o mais, mas nunca como militares que enfrentaram os seus superiores, os regulamentos da sua corporação, a ordem imposta pelos imperadores para que prevalecesse a sua fé e a crença que adquiriram em Jesus Cristo.
Seria oportuno lembrarmos os quarenta militares mártires de Sebaste, que deram a sua vida em defesa da fé; foram quarenta soldados pertencentes à XII Legião de Fulminata e que prestavam serviço na região de Sebaste, no século IV, por volta do ano 320, que se tornaram militares cristãos ao se recusarem a prestar juramento de fidelidade aos deuses romanos contra a vontade do imperador Valério Liciano Licínio. Lembrarmos, também, de Santo Adriano de Nicomédia, que foi um guarda herculiano do imperador romano Galério Maximiano. Após converter-se ao cristianismo, juntamente com sua esposa Natália, Adriano foi martirizado em Nicomédia, em 04 de março de 306. E o  que dizer de um santo militar dos nossos dias que deu a sua vida para salvar a vida de uma criança que, num zoológico, estava sendo estraçalhada por ariranhas?
Sílvio Delmar Hillenbach, nascido em 31 de dezembro de 1943, sargento do Exército Brasileiro, não morreu em combate, mas deu sua vida heroicamente para salvar a vida de uma criança que caiu no fosso das ariranhas e prestes a ser morta por esses animais no Jardim Zoológico de Brasília, não mediu consequências e pulou no fosso.
No dia 27 de agosto de 1977, o sargento Delmar, em passeio com a famíla no Jardim Zoológico de Brasília, presenciou o acidente da queda de um garoto de 13 anos no fosso das ariranhas e conseguiu salvá-lo de ataques pulando no fosso, porém foi estraçalhado pelas ariranhas e devido a infecção generalizada entrou em óbito no hospital.

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