V DOMINGO DA
PÁSCOAL
Ano – A; Cor – branco; Leituras: At 6,1-7; Sl
32; 1Pd 2,4-9; Jo 14,1-12.
“NÃO FIQUE PERTURBADO O CORAÇÃO DE VOCÊS”. (Jo 14,1).
Diácono Milton Restivo.
A primeira leitura deste V Domingo da Páscoa
reporta-nos à Igreja primitiva, nos seus primeiros dias, quando “o número
dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de origem grega começaram a
queixar-se dos fiéis de origem hebraica. Os de origem grega diziam que suas
viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário” (At 6,1).
Vemos que, em
Jerusalém, não era somente judeus que haviam se convertido para a Igreja do
Caminho, mas, também, fiéis de origem grega aderiram aos ensinamentos do Divino
Mestre.
As pessoas
carentes por parte dos judeus tinham atendimento preferencial por parte da
comunidade, enquanto que os necessitados de origem grega e ou estrangeiros eram
negligenciados e, por isso, reclamaram. Para serem encarregados dessa tarefa
foram escolhidos sete homens, todos de origem grega, “de boa fama, repletos
do Espírito e de sabedoria” (At 6,3).
Jamais
poderíamos dizer com segurança que, ao serem encarregados esses sete homens
para esse mistér, estava instituído na Igreja o ministério diaconal porque, em
primeira instância, Jesus foi o diácono por excelência: “quem de vocês quiser
ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de vocês quiser ser o
primeiro, deverá tornar-se servo de vocês. Pois, o Filho do Homem não veio para
ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate em favor de
muitos” (Mt 20,26-28).
Ninguém
criou nada se já Jesus não tivesse sido ou dado o exemplo. Os Apóstolos, ao
designarem esses sete homens, apenas acordaram para a realidade de que a Igreja
de Jesus Cristo é diaconal por excelência, nasceu diaconal e deixa de ser
Igreja se não for diaconal. Ao designar esses homens para esse serviço, os
Apóstolos estavam delegando a eles um serviço, que em primeiríssimo lugar, era
deles próprios, os Apóstolos, conforme disse o teólogo Collins que, fazendo
isso, os Apóstolos poderiam continuar com o seu ministério apostólico no
Templo, entre os judeus, ministério esse que era uma diaconia, a de proclamar
ali a Palavra. Isso deixa claro e é biblicamente correto que o ministério
diaconal na Igreja foi instituído antes mesmo do ministério presbiteral.
O presbítero que não tenha sido diácono e que não
continue com seu ministério diaconal por toda a sua vida, não está exercendo o
ministério a que fora chamado, mas se converteu em um profissional do altar. A
Igreja é, por excelência, diaconal, servidora, a exemplo de Cristo, que disse:
“o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar
a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mt 20,28).
Os sete homens escolhidos eram de origem grega e,
portanto, eles deveriam desempenhar a sua diaconia entre os cristãos de origem
grega, e isso quer dizer que, não somente suprir as necessidades materiais
desse seguimento, mas de proclamar também a Palavra para eles.
Para ficar claro isso, nada melhor que buscar a
opinião de um mestre em Teologia, Júlio César Bendineli, constante do seu livro
“Diaconia da Palavra”, página 68: “É por isso que os Atos dos Apóstolos
apresentam, na sequência, Estevão pregando em Jerusalém e, pouco depois,
Filipe, como sendo o responsável pelo progresso da Palavra na Samaria (At
8,4ss), isto é, para além de Jerusalém e da Judéia. Mais adiante, o mesmo
Filipe voltará à cena, quando será chamado, não por acaso de Evangelista (At
21,8). Sua missão o levaria até a Cesaréia, um porto usado para se viajar a
Roma (At 8,4-14.26-40), objetivo final da trajetória da Palavra nos relatos
lucanos”.
E continua Júlio César Bendineli, no mesmo livro,
página 69: “Os diáconos, assim como os Apóstolos, eram enviados com a
função, principalmente, de anúncio do Evangelho, e mais tarde, na era patrística,
sempre apareciam associados aos bispos e aos presbíteros no ministério da
Palavra, especialmente no contexto catequético [...] Em resumo, a essência do ministério dos antigos diáconos
era a mediação, o ofício de ser ponte ente a Igreja e o mundo, operado pela
mensagem/palavra que transmitiam na condição de representantes de uma
autoridade (bispo) em nome da qual exerciam funções caritativas ou de cuidado
com o próximo, sempre conectadas com a pregação do Evangelho”.
O livro dos Atos dos Apóstolos se preocupa em colocar
em relevo os dois dentre esses sete homens escolhidos pelos apóstolos que se
distinguiram pela pregação da Palavra, aos quais, nesse livro, foi dado
destaque especial: Estevão e Filipe. Estevão que, inclusive, foi martirizado a
pedradas por proclamar e testemunhar a Palavra, conforme é narrado no livro dos
Atos dos Apóstolos, capítulo 7. Foi justamente pelo zelo da proclamação da Palavra que Estevão atraiu
contra si feroz oposição por parte dos judeus. Uma de suas mensagens sobre o Reino
de Deus acendeu a fúria dos ouvintes que confrontados no seu pecado resolveram
matá-lo.
Em seu martírio, Estevão teve uma visão do
céu aberto e Jesus de pé ao lado do Pai.
O diácono morreu pedindo que Deus perdoasse
os seus algozes, entre os quais estavam Saulo de Tarso, que mais tarde se
tornaria o mais célebre dos apóstolos.
O outro desses sete homens que se destacou pela
proclamação da Palavra, foi Filipe.
Felipe, não que não se limitou às tarefas do
dia-dia da igreja e do seu ministério, mas, homem consagrado a Deus, foi
orientado pelo Espírito Santo a seguir pelo caminho que ligava Jerusalém a
Gaza. Na estrada, aproximou-se correndo da caravana de um alto oficial etíope,
eunuco, administrador dos bens de sua rainha. O eunuco lia um trecho do livro
do profeta Isaías, sobre Jesus. O etíope convidou Filipe a subir no carro e
Felipe usando a palavra do profeta, pregou o Evangelho com tamanha unção que o
eunuco creu e quis ser batizado ali mesmo, à beira do caminho. Após batizar o
eunuco, Filipe foi arrebatado pelo espírito do Senhor, deixando o etíope maravilhado
com o poder de Deus, conforme é narrado nos Atos dos Apóstolos, 8,26-40. A missão da proclamação
da Palavra de Filipe é narrada na primeira leitura do próximo domingo.
Jesus, que veio ao mundo “para servir e não
ser servido”, deu o exemplo da
diaconia na última ceia quando, “se levantou da mesa, tirou o manto,
pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Colocou água na bacia e começou a
lavar os pés dos discípulos, enxugando com a toalha que tinha na cintura. [...] Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus
vestiu o manto, sentou-se de novo, e perguntou: ‘Vocês compreenderam o que eu
acabei de fazer? Vocês dizem que eu sou o Mestre, o Senhor. E vocês têm razão;
eu sou mesmo. Pois bem: eu que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por
isso vocês devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo: vocês
devem fazer a mesma coisa que eu fiz. Eu garanto a vocês: o servo não é maior
que o seu senhor, nem o mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Se vocês
compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática”. (Jo 13,4-5.12-17).
Isso é diaconia. Isso é ser diácono, imitando o
exemplo do Mestre. Não se é papa, bispo e nem padre se não for diácono, tanto é
que o primeiro degrau para o ministério ordenado é a ordenação à diaconia; mas
esse período entre a diaconia e o presbiterato é tão curto que muitos
presbíteros se esquecem que, antes de serem presbíteros, são diáconos e que
deveriam continuar sendo, não importando o grau de ordenação que tenham
recebido.
A estola do diácono é na transversal, e isso lembra a
toalha cingida na cintura por Jesus para lavar os pés dos seus discípulos. Pena
que a memória da última ceia, quando Jesus lava os pés dos discípulos para dar
o exemplo da diaconia a todos, acontece, na nossa Igreja, somente na cerimônia
da Quinta-feira Santa que, em muitos lugares, é mais transformado em teatro do
que em liturgia.
Seria esse o objetivo de Jesus ao dizer: “Eu
lhes dei o exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz. Eu garanto a
vocês: o servo não é maior que o seu senhor, nem o mensageiro é maior do que
aquele que o enviou. Se vocês compreenderam isso, serão felizes se o puserem em
prática”. (Jo 13,15-17)? Acredito que
não.
O lava-pés uns dos outros não tem dia e nem horário
marcado; a diaconia do povo de Deus deve acontecer quando o amor fala mais alto
e nos arremete a atender a necessidade do próximo, e para isso não existe dia
específico e nem precisamos procurar: ela vem ao nosso encontro.
Os diáconos, como os bispos e presbíteros, são
pastores, apascentadores, são aqueles que cuidam, protegem e
instruem o rebanho de Deus, tendo como modelo, o Senhor Jesus Cristo, o Sumo
Pastor.
A função do
diácono, assim como a do bispo e a do presbítero, é o de ensinar a sã doutrina,
refutar a heresia, ensinar a Palavra de Deus e dirigir a igreja local de acordo
com os preceitos bíblicos, morais e espirituais contidos na Palavra de Deus.
A recomendação
de Paulo a Timóteo, contida na primeira carta a Timóteo não devemos entendê-la
dirigida apenas aos diáconos, como muita gente entendida em teologia quer
impor, mas a quem “aspira cargo de direção” na Igreja, isto é, diáconos,
presbíteros e epíscopos, a todos os que têm ministério ordenado dentro daquilo
que lhe é próprio: “Seja irrepreensível, esposo de uma única mulher,
ajuizado, equilibrado, educado, hospitaleiro, capaz de ensinar, não dado a
bebida, nem briguento, mas indulgente, pacífico e sem interesse por dinheiro.
Ele deve ser homem que saiba dirigir bem a própria casa, e cujos filhos lhe
obedeçam e respeitem. Pois se alguém não sabe dirigir a própria casa, como
poderá dirigir bem a Igreja de Deus?” (1Tm 2,2-5).
Não pode
dirigir a Igreja de Deus quem não sabe dirigir a própria casa. São os diáconos
sozinhos que dirigem a Igreja de Deus? Não. São papa, bispos, presbíteros e
diáconos.
Então a
recomendação de Paulo é para todos. Isso foi dito assim porque quando foi
escrita essa recomendação não estava implantado o celibato na Igreja: epíscopos
e presbíteros, assim como os diáconos, eram todos casados ou, pelo menos podiam
casar-se. Até o papa, como era o caso de Pedro.
A proclamação
do Evangelho por parte do diácono é um costume antiquíssimo da Igreja, uma vez
que, dentre os seus serviços, a proclamação da Palavra, principalmente pelo
anúncio, é atribuição inerente do seu ministério ordenado. Como uma pessoa
eclesial, o diácono tem de permanecer próximo da Palavra. Os documentos de
"Santo Domingo" nos dizem que o diácono permanente é o único a viver
a dupla sacramentalidade, que nem o bispo e nem o presbítero vivem: - o
sacramento da ordem e o sacramento do matrimônio. Um não elimina o outro.
Tanto a vida do
ministro ordenado como a de quem recebeu o sacramento do matrimonio é, portanto
vivida em sua plenitude na pessoa do diácono permanente.
Em artigo
difundido no portal da arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Orani considera que
a retomada do ministério diaconal, “como uma vocação própria, é uma grande
riqueza para nós. Tive a oportunidade de poder vivenciar várias experiências
ligadas ao diaconato permanente, seja em minha paróquia, seja iniciando a
escola diaconal em minha primeira diocese (São José do Rio Preto/SP) ou então
continuando uma caminhada das mais antigas do Brasil, na arquidiocese anterior
a que servi”, conta Dom Orani. O arcebispo afirma que percebeu “a
importância e o valor do diaconato permanente, tanto no campo social como na
presença evangelizadora da Igreja nos diversos âmbitos e também nas
comunidades. Posso testemunhar, por minhas experiências, a riqueza da vida, da
missão e do trabalho diaconal o bem que se faz à Igreja”.
O Evangelho
deste domingo mostra-nos Jesus com toda a sua misericórdia, paciência,
preocupação e amor para com os seus discípulos, preparando-os para o terrível
impacto de sua condenação e morte na cruz, mas dando a certeza e a esperança da
ressurreição para receber a todos “na casa do Pai, onde há muitas moradas” para
todos aqueles que assimilarem a sua mensagem, cumprirem os seus ensinamentos e
viverem a sua Palavra e perseverarem até o fim depois de serem perseguidos,
caluniados e até mortos, como ele já havia dito em outra oportunidade: “Então
os homens vão entregar vocês à tribulação e matá-los. Vocês serão
odiados por todas as nações por causa do meu nome. Muitos ficarão escandalizados,
trairão e odiarão uns aos outros. Vão surgir muitos falsos profetas, que
enganarão muita gente. A maldade se espalhará tanto, que o amor de muitos se
resfriará. Mas quem perseverar até o fim, será salvo” (Mt 24,9-13), e a
esses, Jesus diz: “Não fique perturbado o coração de vocês. Acreditem em
Deus, e acreditem também em
mim. Existem muitas moradas na casa do meu Pai. Se não fosse
assim, eu lhe teria dito, porque vou preparar um lugar para vocês. E quando eu
for e lhes tiver preparado um lugar, voltarei e levarei vocês comigo, para que
onde eu estiver, estejam vocês também” (Jo 14,1-3) e, na dúvida dos
discípulos de qual seria o caminho, Jesus arremata: “Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se vocês me conhecessem, conheceriam
também o meu Pai. Desde agora vocês já o conhecem e já o viram” (Jo
14,6-7).
O que
impressiona, realmente, neste Evangelho, é a afirmativa final de Jesus: “Eu
garanto a vocês: quem acredita em mim, fará as obras que eu faço, e fará maiores
do que estas, porque eu vou para o Pai. O que vocês pedirem em meu nome, eu
farei para que o Pai seja glorificado no Filho. Se vocês pedirem qualquer coisa
em meu nome, eu o farei.” (Jo 14,12-14).
Quem poderia
contestar a grandeza e a divindade das atitudes de Jesus? Seus milagres, suas
palavras, sua confiança extrema no Pai. E ele diz: “quem acredita em mim,
fará as obras que eu faço, e fará maiores do que estas, porque eu vou para o
Pai”. Duvida?
Jesus curou
surdos, mudos, cegos, paralíticos e até ressuscitou mortos. Poderíamos fazer
isso também? Jesus disse que sim! Mas de que maneira? Podemos curar os que
estão surdos por não ouvir a Palavra de Deus.
Podemos curar
os mudos que não proclamam a Palavra, porque, geralmente, quem é mudo é porque
não pode ouvir e quem não ouve não fala; a partir do momento em que levamos a
Palavra aos surdos da Palavra, esses começarão a proclamar a Palavra, porque
ouviram a Palavra.
E, a partir do
momento que deixa de ser surdo para a Palavra e começa a proclamar a Palavra
porque a ouviu, deixa também de ser cego e começa a enxergar as grandes
maravilhas que o Pai faz para os filhos que ele ama.
E aos
paralíticos? Quantos estão no nosso meio andando de muletas e de cadeiras de
rodas na fé. Assim como Jesus curou os paralíticos físicos, podemos curar os
paralíticos da fé, tirando-lhes as muletas e arrancando-os das cadeiras de
rodas, fazendo-os caminhar com segurança para a casa do Pai, na fé. E quanto a
ressuscitar mortos?
Quantos mortos
vivos caminham do nosso lado: pessoas que perderam o sentido a vida, perderam o
amor pela existência e que não têm mais anseios, desejos, esperando apenas que
o fim chegue breve. Podemos ressuscitá-los e devolver-lhes o amor pela vida e
fazê-los voltar ao redil do Pastor que veio para “que todos tenham vida e a
tenham em abundância”. (Jo10,10). E é por isso que Jesus disse: “Eu
garanto a vocês: quem acredita em mim, fará as obras que eu faço, e fará
maiores do que estas, porque eu vou para o Pai. O que vocês pedirem em meu
nome, eu farei para que o Pai seja glorificado no Filho. Se vocês pedirem
qualquer coisa em meu nome, eu o farei.” (Jo 14,12-14).
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