domingo, 20 de dezembro de 2015

“BENDITA ÉS TU ENTRE AS MULHERES” (Lucas, 1,42)


IV DOMINGO DO ADVENTO – ANO “C”

“BENDITA ÉS TU ENTRE AS MULHERES” (Lucas, 1,42)


Diácono Milton Restivo

A vida do profeta Miquéias não foi fácil. Miquéias era um camponês que viveu no Século VIII aC, ocasião em que a sua região estava sendo devastada pelo exército assírio. A maneira como expõe os acontecimentos faz de sua linguagem concreta e franca.
A primeira leitura é dele, do profeta Miquéias, anunciando que o Messias esperado virá de Belém, terra de Davi. Mateus, no seu Evangelho, não se esquece desse prenúncio quando Herodes pergunta aos chefes dos sacerdotes e doutores da lei o que dissera Miquéias sobre onde nasceria o Messias: “Eles responderam: ‘Em Belém, na Judéia, porque assim está escrito por meio do profeta (Miquéias 5,1): E você, Belém, terra de Judá, não é de modo algum a menor  entre as principais cidades de Judá, porque de você sairá um Chefe que vai apascentar Israel, meu povo.” (Mt 2,5-6).
Miquéias não para por ai no anúncio do local onde nasceria o Messias. Vai além. Fala da mãe do Messias e da força e majestade com que o Messias apascentará o povo de Deus: “Deus deixará o seu povo ao abandono, até o tempo em que uma mulher der à luz; e o resto de seus irmãos se voltará para os filhos de Israel. Ele não recuará, apascentará com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus; os homens viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até os confins da terra, e ele mesmo será a paz”. (Mq 5,2-4).
Lucas, no seu Evangelho, vai nos dizer que a Encarnação do Verbo, no seio de Maria, já havia ocorrido e vamos encontrar Maria visitando Isabel que, como ela, também estava grávida por uma intervenção especial de Deus: Maria, do Messias; Isabel, de João Batista, o precursor. 
               A história de Maria, preparada que foi pelo Criador para ser a mãe do Filho de Deus, conforme festejamos na festa da Conceição Imaculada de Maria, é realmente envolvente e comovente. Nos últimos dias que antecederam a era cristã, lá, em Nazaré da Galiléia, morava uma jovenzinha, entre doze e quinze anos de idade, a quem o Senhor Nosso Deus, desde os primórdios da humanidade, preparava para ser a mãe de seu Filho, aquele que seria o Salvador do gênero humano mergulhado no pecado. O profeta Isaias, aproximadamente setecentos anos antes desses acontecimentos, já falara dessa jovenzinha, profetizando: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel.” (Is 7,14; Mt 1,23).
E quando chegou a plenitude dos tempos, como disse Paulo Apóstolo na sua carta aos Gálatas, “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, a fim de redimir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4,4-5), o Senhor, enviou um de seus Anjos Mensageiros: “... o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi, o nome da virgem era Maria.” (Lc 1,26-27).
O Mensageiro transmitiu à jovenzinha e virgem Maria o recado que o Senhor lhe havia determinado e, sem dúvida, Maria o ouviu cheia de espanto e emoção e, comovida, à princípio, sem saber exatamente o que estava acontecendo e qual seria a razão daquela “Anunciação”, mas, sintonizada  como sempre esteve com a vontade e os desígnios de Deus e seu coração entendendo que um pedido do Senhor não é simplesmente um pedido mas um prenúncio de que a Salvação prometida desde o início dos tempos estava chegando, não titubeou e se colocou inteiramente, de corpo e alma, ao serviço do Senhor, respondendo ao Mensageiro: “Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a sua palavra.” (Lc 1, 38). Maria, quando consultada pelo Anjo, declara-se “a escrava do Senhor”, e coloca-se inteiramente à disposição de Deus para que a vontade do Senhor se realizasse nela da maneira mais perfeita, incondicional e como Deus quisesse.
Nos nossos dias não existe mais escravidão e nós, por isso mesmo, não entendemos bem o significado e a dimensão dessa palavra “escrava”. Ser escravo é não ter vontade própria, não ter o direito sequer de ter desejos, é não ter, absolutamente, liberdade. Ser escravo é sempre estar sujeito a um senhor como propriedade única e exclusiva dele. Ser escravo é viver em absoluta sujeição a um senhor. Mas quando o Senhor mandou o Anjo Gabriel consultar Maria se ela queria e aceitava ser a escada entre o céu e a terra por onde desceria a Salvação personificada na pessoa de Jesus Cristo, demonstrou que respeitava a liberdade de Maria, considerou a vontade de Maria e, se porventura ela colocasse obstáculos ou não aceitasse esse convite, o Senhor, sem dúvida, simplesmente respeitaria sua decisão e Maria não seria a escolhida para ser a mãe do Verbo Encarnado, da Palavra de Deus que se faria homem.
E esse convite do Senhor à Maria não era um convite à glória, mas ao sacrifício; não era um convite à alegria, mas ao sofrimento. Diante de Deus Maria se diz “escrava”; coloca-se totalmente nas mãos do Senhor e, espontaneamente e de livre escolha, deixa de ter vontade própria.
Maria coloca-se nas mãos do Senhor de tal maneira que tudo o que nela fosse acontecer deveria ser a vontade de Deus, e se entregou a esse mister de tal maneira que o Senhor poderia fazer nela e com ela tudo  ”segundo a sua palavra” (Lc 1,38). Maria é a escolhida do Senhor, a amada do Senhor, a consagrada do Senhor, a “a escrava do Senhor” (Lc 1,38).
Quem é de Deus não tem vontade própria, isso de livre e espontânea vontade. É assim que rezamos na oração do Pai Nosso: “... seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” (Mt 6,10). Antes mesmo de o Senhor Jesus ensinar aos seus apóstolos, discípulos e cristãos do mundo inteiro e de todos os tempos a oração do Pai Nosso, Maria já a estava vivendo e colocando em sua vida a concretização da vontade de Deus. Quem é de Deus é escravo do amor.
Maria não nasceu escrava, não foi feita escrava: Maria se fez escrava. Maria não foi obrigada a fazer nada que não quisesse e não fosse a sua vontade, mas, perante a vontade de Deus, a sua vontade passou a ser nada e ela renuncia a sua vontade para fazer e cumprir somente a vontade de Deus. E, a exemplo de Maria que se fez “escrava do Senhor” (Lc 1,38), que se consagrou totalmente ao serviço de Deus, em todos os tempos e ainda nos nossos dias existem cristãos, verdadeiros admiradores e seguidores de Maria, que renunciam a sua vontade e todo prazer e alegria que a vida e o mundo oferecem para fazer realizar única e exclusivamente a vontade de Deus.
Muitos se proclamam escravos do Senhor a exemplo de Maria e se esvaziam de si mesmos para que a vontade do Senhor impere em todos os seus atos, desejos, pensamentos, atitudes, palavras e ações. E foi nessa entrega total de Maria ao Senhor ao anúncio do Anjo Gabriel que o céu se abre em louvores à Maria e, pela boca do Anjo, todo o universo saúda-a por ter aceitado ser a mãe daquele que viria para a redenção do gênero humano.
A saudação pronunciada pelo Anjo à Maria, quando da Anunciação, transformou-se em oração e essa é a primeira oração que todos nós aprendemos a rezar ainda no colo de nossas mães ou avós: a oração da “Ave Maria”. Desde a mais tenra idade repetimos a saudação do Anjo em forma de oração e rezamos essa saudação mariana recitada pelo Senhor Nosso Deus usando, como instrumentos, o seu Anjo Mensageiro Gabriel e, posteriormente, Isabel.
A primeira parte da oração da Ave Maria foi recitada pelo Anjo Gabriel quando levou à Maria o convite para que ela fosse a mãe de Deus. Gabriel, entrando na casa onde estava Maria, conforme nos narra Lucas, dirige-se à Maria saudando-a e dizendo: “Ave Maria, cheia de graça, o senhor é contigo.” (Lc 1,28). Depois, quando Maria visita sua parenta Isabel e, na ocasião “... Isabel ficou cheia do Espírito Santo”, (Lc 1,41) e nesse estado supremo de graça Isabel recita a segunda parte da oração bíblica da Ave Maria, e diz: “bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre.” (Lc 1,42). Juntando as palavras do Anjo com as de Isabel e, considerando que ambos foram inspirados e estavam cheios do próprio Espírito do Senhor Nosso Deus, temos, então: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre” (Lc 1,28.42).
Esta primeira parte da oração da Ave Maria é totalmente bíblica é tudo o que é bíblico é inspirado pelo Senhor; e mais ainda: a primeira oração da Ave Maria foi recitada pelo próprio Senhor Nosso Deus, pois que o Anjo só disse o que o Senhor lhe determinara dizer e Isabel, quando disse a sua parte, estava “... cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41), e, quem está cheio do Espírito Santo só diz e repete o que Deus determina e o que for do agrado do Senhor.
A oração da “Ave Maria” foi recitada pela primeira vez pelo Senhor Nosso Deus.
A oração da Ave Maria é recitada e repetida pelos cristãos desde os primórdios do cristianismo. E a confiança, o grande amor, veneração e respeito que os cristãos devotam à Maria, e conscientes de que ela intercede por eles a Jesus Cristo em suas dificuldades, como aconteceu nas bodas de Canaã, fez com que eles acrescentassem mais uma parte nessa oração e, como num grito de súplica, como que pedindo socorro por estarem trilhando esse vale de lágrimas, acrescentaram: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora, e na hora de nossa morte, amém”.
A primeira parte da oração da Ave Maria é de louvores à Maria, feita pelo Senhor; a segunda parte é de súplica, feita pelos homens. Depois da oração do Pai Nosso não existe oração mais conhecida entre os cristãos do mundo inteiro que não seja a oração da Ave Maria.
Desde o início da Igreja multidões e multidões a repetem sem cessar e sempre com uma confiança redobrada na intercessão de Maria junto a seu Filho, como ela já havia feito no casamento de Canaã (Jo 2,1-12), na certeza que seus problemas serão resolvidos, seja de saúde, financeiro, familiar, ou confirmação da fé.
Maria era uma pessoa da amizade de Deus, era uma pessoa íntima do Senhor e isso nós vemos pela maneira com que o Anjo a cumprimentou com muita intimidade.
E nós, todas as vezes que repetimos a oração da Ave Maria, cumprimentamos Maria com uma saudação toda especial vinda do céu, da parte do Senhor Nosso Deus.
Todas as vezes que repetimos: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo”, nós dizemos: “eu te saúdo, Maria, porque és a criatura preferida de Deus que te encheu de presentes, graça e santidade, e, por isso, mereceste ser escolhida para ser a mãe do Salvador, a mãe do Filho de Deus, a mãe de Deus, e Deus está por todo o sempre contigo.
Assim como Jesus Cristo, o Filho de Deus, Deus, portanto, é filho de Maria, nós também  deveríamos  nos esforçar para sermos filhos de Maria, irmãos de Jesus Cristo. Assim como Jesus, como filho, amou Maria como mãe, nós também, a exemplo de Jesus deveríamos amar Maria; será que Jesus, como filho legítimo de Maria que é, não ficaria contente e feliz por ver sua mãe amada por todos aqueles que dizem que o amam também?
São Luiz Maria Grignon de Montfort diz que o amor, a devoção que consagramos à Maria é fraca, escassa, mesquinha, deturpada pela nossa ignorância religiosa que muitas vezes chega às raias da heresia. Como gostaria de mostrar a todos os cristãos, adoradores de Jesus Cristo Deus, como Maria realmente foi: sem tronos e sem coroas, sem mantos, apenas uma mulher simples, uma simples dona de casa, de avental, cabelos em desalinho pelo trabalho doméstico e quotidiano e olhos lacrimejantes pela fumaça ardida da lenha que arde no fogão.
Gostaria de mostrar uma Maria tão pequena e humilde que todos os que chegassem a ela sentissem à vontade junto dela. Infelizmente a nossa ignorância tira de Maria todo o esplendor de sua humildade. E é por essa razão que Jesus Cristo não é tão amado como deveria ser: é por não amarmos Maria como deveríamos amá-la que os homens não se convertem; por não conhecer Maria como ela foi na realidade de sua pobreza na pobre casa de Nazaré, e de sua humildade suprema, fazendo-se  “... escrava do Senhor” (Lc 1,38). Enfeitamos demais a figura de Maria quando, na realidade, ela quer ser somente o caminho mais curto que nos leva até Jesus, seu Filho.
O Senhor Nosso Deus a escolheu pobre e humilde e, dentro de sua pobreza e humildade ela não se engrandeceu por ter sido escolhida a mãe do Filho de Deus; muito pelo contrário, se auto-proclamou “... escrava do Senhor”. (Lc 1,38).
E, consciente da sua responsabilidade perante o universo, Maria eleva ao Senhor um dos mais belos cânticos já feito, em forma de oração e agradecimento ao Senhor, quando diz:
Minha alma glorifica o Senhor, e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador.
Porque lançou os olhos para a humildade de sua serva;
portanto, eis que de hoje em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada,
porque o Todo Poderoso fez em mim grandes coisas,o seu nome é santo.
E sua glória perdura de geração em geração, para aqueles que o temem.
Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso,
depôs poderosos de seus tronos,e a humildes exaltou,
 cumulou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias,
socorreu Israel, seu servo, lembrando de sua misericórdia,
- conforme prometera aos nossos pais –

 em favor de Abraão e de sua descendência para sempre. (Lc 1,46-55).

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