domingo, 13 de dezembro de 2015

E EU NÃO SOU DIGNO NEM SEQUER DE DESAMARRAR A CORREIA DAS SANDÁLIAS DELE.


TERCEIRO DOMINGO DO ADVENTO – ANO “C”

“VIRÁ AQUELE QUE É MAIS FORTE QUE EU” – Lc 3,16


Diácono Milton Restivo

O profeta Sofonias, na primeira leitura, é só alegria. Dirige-se a um povo desesperançado e anuncia que Deus revogou a sentença de condenação contra o povo e que se faz presente no seu meio: “Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! Alegra-te e exulta de todo o coração, cidade de Jerusalém. O Senhor revogou a sentença contra ti [...] Não temas, Sião, não te deixes levar pelo desânimo! O Senhor teu Deus está no meio de ti...”  (Sf 3,14-15.16).
Isaías, da mesma forma, no Salmo responsorial, também faz com que o povo abandone o desânimo e se alegre com a presença de Deus no seu meio: “Exultai, cantando alegres, habitantes de Sião, porque é grande em vosso meio o Deus santo de Israel”. (Is 12,6). 
Na segunda leitura o Apóstolo Paulo, cheio do Espírito Santo, conclama os fieis à alegria perene: “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos... O Senhor está próximo.” (Fl 4,4.5).
No Evangelho João Batista aparece com toda a força e sabedoria para “preparar os caminhos do Senhor, endireitar suas veredas” (Lc 3,4), e chama à conversão todos aqueles que a ele se dirigem com o coração contrito, e anuncia a presença de Deus no meio do povo na pessoa de Jesus Cristo: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo, Ele virá com a pá na mão; vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga”. (Lc 3,16-17). 
         Já conhecemos um pouco de João Batista, o precursor, aquele que, por ocasião de seu nascimento, seu próprio pai profetizara: “E a você, menino, chamarão profeta do Altíssimo, porque irá à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos, anunciando ao seu povo a salvação, o perdão dos pecados” (Lc 1,76-77), e de quem o profeta Isaías antecipara: “Uma voz grita: ‘Abram no deserto um caminho para Yahweh; na região da terra seca, aplainem uma estrada para o nosso Deus. Que todo o vale seja aterrado, e todo monte e colina sejam nivelados; que o terreno acidentado se transforme em planície, e as elevações em lugar plano. Então se revelará a glória de Yahweh, e todo mundo junto a verá, pois assim falou a boca de Yahweh”. (Is 40,3-5).
Por isso João é chamado de o “precursor”, isto é, veio preparar o curso, o caminho, a chegada daquele que havia sido prometido pelos santos e profetas do Antigo Testamento.
João foi aquele que teve como missão preparar as veredas, aterrar os vales, transformar os terrenos acidentados em planícies, ou seja, ser o primeiro contato com o mundo para preparar os corações que estavam ansiosos pela chegada da salvação.
João Batista foi o profeta que fechou as cortinas do Antigo Testamento e abriu as portas do Novo Testamento.
Mais tarde Jesus vai definir João Batista como “mais que um profeta”: “Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista”. (Mt 11,11).
Mas onde está a profecia nesse caso? Os profetas do Antigo Testamento anunciavam uma salvação futura, algo que estava nebuloso e ainda difícil de entender, como Sofonias fala na primeira leitura: “Não temas, Sião, não te deixes levar pelo desânimo! O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva.” (Sf 3,16,17).
Muitos profetas, como Sofonias, induziram o povo a aguardar um “guerreiro”, alguém que empunharia uma espada, organizaria exércitos e levaria o povo a combater e expulsar dominação estrangeira. E esse guerreiro era alguém esperado para um futuro indefinido e sem certeza de quando. Mas João Batista, o Precursor, não é alguém que anuncia uma salvação futura; ele indica alguém que está presente: “O povo estava esperando o Messias. E todos perguntavam a si mesmos se João não seria o Messias. Por isso João declarou a todos: ‘Eu batizo vocês com água. Mas vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno nem sequer de desamarrar a correia  das sandálias dele. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo. Ele terá na mão uma pá; vai limpar sua eira, e recolher trigo no seu celeiro; mas a palha ele vai queimar no fogo que não se apaga.” (Lc 3,15-17).
Então, em que sentido pode-se chamar profeta se João não estava profetizando, mas levando ao povo o conhecimento de uma realidade que já estava no seu meio?
Isaías, Jeremias, Ezequiel e tantos outros profetas ajudavam o povo a superar a barreira do tempo, alimentando a esperança de alguém que deveria vir, mas que não sabiam quando.
João Batista ajuda o povo a superar a barreira, ainda mais grossa, das aparências contrárias, do escândalo, da banalidade e da pobreza com que a hora tão esperada se manifesta.
O Evangelho de hoje convida-nos a um exame de consciência sério.
Lucas fala-nos em veredas a endireitar, em vales a encher, em montes e colinas a baixar, para que cada homem possa ver a salvação de Deus. Aqueles vales lembram a distância que se verifica, às vezes, em muitos cristãos, entre a fé que professam e a sua vida no dia a dia.
Hoje vamos de encontro com a pregação de João Batista, que: "Percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados". (Lc 3,3)
Somente o evangelista Lucas narra o que hoje meditamos.
Não são os líderes religiosos que estão prontos para arrepender-se, muito pelo contrário, eles até colocam obstáculos à conversão, mas o povo comum, e até pessoas que estavam à margem da sociedade, como cobradores de impostos e soldados. Mais adiante no Evangelho são estas as pessoas que vão responder positivamente diante da pregação do próprio Jesus.
A frase que dá sentido a tudo o que se segue no trecho é a pergunta que os diversos grupos formulam para João: "O é que devemos fazer?" Esta pergunta aparece mais vezes nos escritos de Lucas, tanto no Evangelho como nos Atos dos Apóstolos.
Em Lucas 10,25 essa pergunta sai da boca de um doutor da Lei: Um especialista em leis se levantou e, para tentar Jesus perguntou: ‘Mestre, o que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”.  Em Lucas 18,18 uma pessoa importante faz essa pergunta: “Certo homem de posição perguntou a Jesus: ‘Bom Mestre, o que devo fazer para receber em herança a vida eterna’”?
Também nos Atos dos Apóstolos os judeus fazem essa pergunta depois da pregação de Pedro: “Quando ouviram isso, todos ficaram de coração aflito e perguntaram a Pedro e aos outros discípulos: ‘Irmãos, o que devemos fazer’”? (At 2,37).
Em Atos dos Apóstolos 16,30 é o carcereiro gentio de Filipos que havia mantido Paulo e Silas encarcerados que pergunta: “Conduzindo-os para fora, perguntou: ‘Senhores, o que devo fazer para ser salvo’”?
Paulo também, o grande perseguidor da Igreja nascente de Jesus Cristo, no momento crucial de transformação da sua vida, faz essa pergunta: “Então perguntei: ‘O que devo fazer’”? (At 22,10).
Usando este artifício, Lucas quer salientar que é uma pergunta que tem que ser feita constantemente durante a nossa caminhada.
Não há cristão que possa se dispensar de fazer essa pergunta sempre, por achar que já sabe a resposta. Em todos os momentos importantes e de decisão de nossa vida, essa pergunta deve surgir espontânea dos nossos lábios: Senhor, o que devo fazer”?
É interessante que João, embora uma pessoa de cunho fortemente ascético, não exige de ninguém sacrifícios, ou práticas religiosas como jejum e abstinência.
João Batista enfatiza uma exigência muito mais radical, que atinge o cerne do nosso ser: uma preocupação com os mais pobres, manifestada na busca de justiça e solidariedade.
João Batista é um pregador universal. A missão dele vale para todos os tempos e todos os países.
João Batista fala para todos, não só para uma categoria de pessoas; fala para as multidões, fala para os cobradores de impostos, também chamados de pecadores públicos, fala para os soldados, fala para as autoridades que fazem pouco de sua chamada de atenção, e, finalmente, fala para nós, hoje.
A essa pergunta: “o que devemos fazer?”, João Batista respondia às multidões: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem. E quem tiver comida, faça a mesma coisa”.
Aos cobradores de impostos que lhe faziam essa pergunta, João Batista respondia: “Não cobrem nada além da taxa estabelecida”.
Aos soldados que lhe faziam essa pergunta, João Batista respondia: “Não maltratem ninguém; não façam acusações falsas, e fiquem contentes com o salário de vocês.” (Lc 3,10-14).
Qual seria a resposta de João Batista para nós, se cada um de nós fizesse a João Batista essa mesma pergunta? Claro que sabemos qual seria a resposta, pois a resposta de João Batista ressoa na nossa consciência como um bronze que soa ou como um címbalo que tine.
Hoje, mais do que nunca, os profetas do Século XXI e do terceiro milênio precisam dessa coragem para identificar, a partir dos seus sintomas, o mal, dar nome ao erro, avisar do perigo, marcar com o ferrete o inimigo, descobrir os seus ataques e afastar os seus subterfúgios e manobras.
Isso faz parte do papel de “arauto de verdade” no qual João Batista é o nosso Mestre.
João Batista nos chama para um verdadeiro arrependimento. “Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: ‘Convertam-se, porque o Reino de Deus está próximo.” (Mt 31-2). “João percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados.” (Lc 3,3).
Arrepender-se não significa simplesmente mudança no modo de pensar. Significa, sobretudo, mudança de vida, de atitude, uma tomada de posição.
A pregação de João Batista parece uma pregação dura, mas não há outra saída senão arrepender-se, um arrependimento sincero, que resulte numa mudança nas formas de convivência humana, que nos leve a inverter o rumo de nossa existência, ou seja, conceder a Deus o seu devido lugar em nossa vida.
No fundo João Batista aqui prega antecipadamente o que mais tarde Jesus vai ensinar: a partilha dos bens com as pessoas que sofrem necessidades, a justiça nos relacionamentos econômicos e políticos, a conversão que se manifesta numa mudança radical da vida.
A segunda parte da passagem insiste que João Batista é inferior a Jesus.
João Batista batiza com água como agente de purificação, mas Jesus usará a força purificadora maior do Espírito Santo e do fogo.
Lucas vai mostrar no acontecimento do Pentecostes Atos dos Apóstolos, capítulo 2, como o fogo do Espírito Santo cumpre a sua missão nas pessoas.
A comparação entre João Batista e Jesus se cristaliza no Novo Testamento na comparação entre o batismo de água e o batismo do Espírito. “Eu vos batizei com água, mas Ele vos batizará com o Espírito Santo”. (Mc 1,8; Mt 3,11; Lc 3,16).
No Evangelho do evangelista João João Batista vai dizer: “Eu não o conhecia, mas aquele que me enviou para batizar com água, disse-me: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer é o que batiza com o Espírito Santo’”. (Jo 1,33).
Nos Atos dos Apóstolos, Pedro, quando estava na casa de Cornélio, o primeiro gentio que é batizado juntamente por toda a sua família, vai se lembrar desse fato: “Lembrei-me, então, desta palavra do Senhor: ‘João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo’”. (Atos 11,16).
E o texto termina com a declaração que "João anunciava a Boa Notícia ao povo de muitos outros modos" (Lc 3,18).
O que João Batista prega é tão semelhante ao que Jesus pregará que também merece ser taxado de "Boa Notícia". A boa notícia da chegada da misericórdia e da salvação de Deus duma forma gratuita, mas que exige resposta de cada pessoa.

E, para Lucas, esta decisão tem que ser renovada sempre, através da pergunta "o que devemos fazer", enquanto continuamos andando "pelo caminho"!

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