domingo, 6 de dezembro de 2015

JOÃO BATISTA, A VOZ QUE GRITA NO DESERTO


“ESTA É A VOZ DAQUELE QUE GRITA NO DESERTO...” (Lc 3,4).


Diácono Milton Restivo

João Batista é um personagem presente no tempo litúrgico do Advento.
A palavra de Deus foi dirigida no deserto a ele, João, filho do sacerdote Zacarias: “Foi nesse tempo que Deus enviou a sua palavra a João, filho de Zacarias, no deserto.” (Lc 3,2).
 O Evangelho deste dia, bem como o do próximo domingo, apresenta-nos a figura impar de João Batista.
Em todo o tempo do Advento está implícita a presença de João Batista que, juntamente com o ladrão, crucificado à direita de Jesus no Calvário, é o único que foi santificado pelo próprio Jesus: o ladrão na cruz e João ainda no ventre de sua mãe.
Assim nos narra Lucas no seu Evangelho: “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito exclamou: ‘Você é bendita entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre. Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar? Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. Bem aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.” (Lc 1,41-45). 
       Também é com Maria, a mãe de Jesus, o único santo que é celebrado no calendário litúrgico não só pelo seu martírio, decapitado que foi por Herodes (cf Mt 14,3-12), cuja festa é celebrada no dia 29 de Agosto, mas também pelo seu nascimento, 24 de Junho. 
Entre todos os santos e santas, João Batista é o único do qual a Liturgia celebra o nascimento e a morte; dos demais celebra apenas o dia da morte.
Assim como Jesus, João teve o seu nascimento anunciado pelo Anjo Gabriel. Ambos vieram à luz graças a uma intervenção especial de Deus:  o primeiro nasce de uma Virgem, o segundo de uma mulher idosa e estéril. Desde o seio materno João prenuncia Aquele que revelará ao mundo a iniciativa de amor de Deus.
Pelas circunstâncias do seu nascimento João Batista poderia dizer como o salmista: "Chamaste-me quando eu ainda estava no seio da minha mãe" (Sl 139,13-16).
Após o nascimento de João Batista o evangelho de Lucas narra o canto de Zacarias, louvando a Deus pelo nascimento de seu filho: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e resgatou o seu povo.” E mais adiante o mesmo Zacarias proclama: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo porque irás adiante da face do Senhor a preparar os seus caminhos.” (Lc 1,68.76).
O Evangelista Lucas é o único a nos transmitir como foi anunciado o nascimento de João Batista (Lc 1,5-25), quem eram seus pais (Lc 1,5) e os acontecimentos que precederam o seu nascimento (Lc 1,26-80). 
Nos quatro evangelhos várias passagens ressaltam a pessoa e a missão do Batista.
O evangelista João afirma que “houve um homem enviado por Deus que se chamava João. Este veio para dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele”. (Jo 1,6).
Em outra passagem o mesmo evangelista João narra que, interrogado pelos judeus se ele era o Messias esperado, João Batista testemunhou: “Eu não sou o Cristo. Eu batizo em água, mas no meio de vocês está quem vocês não conhecem. Este é o que há de vir depois de mim, ao qual eu não sou digno de desatar a correia das sandálias.” (Jo 1, 20. 26-27)
O Evangelista Marcos inicia seu evangelho apresentando João Batista que “pregava o batismo de penitência para remissão dos pecados.” (Mc 1,4).
O evangelho de Mateus conta que João Batista começou a pregar no deserto da Judéia, dizendo: “Arrependem-se, porque está próximo o reino dos céus. Porque este é aquele de quem falou o profeta Isaías quando disse: Voz do que clama no deserto. Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.” (Mt 3,2-3).
O próprio Jesus dá seu testemunho sobre a missão de João quando deseja ser por ele batizado: “Jesus foi da Galiléia para o rio Jordão a fim de se encontrar com João, e ser batizado por ele. Mas João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim? ’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou”. (Mt 3,13-15). Atentem para esta afirmativa de Jesus: “Porque devemos cumprir toda a justiça”. Jesus faz a afirmativa no plural: “devemos cumprir toda a justiça”. Isto quer dizer que esta também era a missão de João Batista: cumprir e fazer cumprir toda a justiça. Era a missão tanto de Jesus como de João Batista, como de todos os cristãos.
Em outra ocasião Jesus novamente destaca a missão de seu precursor, afirmando que ele é mais que um profeta, pois foi enviado para preparar o caminho do Messias. E complementa: “Na verdade eu digo a vocês que entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo outro maior que João Batista.” (Mt 11,11). João Batista, homem de coragem, enfrentou as autoridades e os poderosos, denunciando seus erros e injustiças. Enfrentou o próprio rei Herodes (Lc 3,19-20), censurando-o por ter tomado como mulher a esposa de seu irmão: “Não te é lícito”, exclamava com firmeza e coragem, o que lhe custaria a prisão e a morte.
Deus manda João, o Batista, como arauto do novo tempo de graça e salvação. Deus não permite que a perversidade e a maldade tenham a palavra final na história da humanidade.
Isso posto, chegamos à conclusão de que João Batista era filho de sacerdote da tribo de Levi e descendente de Aarão, linhagem escolhida por Yahweh para exercer o sacerdócio em Israel.
Se João, o Batista, era filho de sacerdote, por hereditariedade ele era também sacerdote e deveria exercer o sacerdócio no Templo e no meio de seu povo.
Como sacerdote que era de fato, por lei e por direito, João deveria, como seu pai, estar servindo no Templo, mas vamos encontrá-lo no deserto onde “percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6). João deveria estar usufruindo das mordomias e confortos do Templo e respeito do povo, mas, ao contrário, encontramo-lo vivendo as agruras do deserto, fazendo alguma coisa que não competia ao sacerdote, a não ser que esse sacerdote fosse também profeta.
Como sacerdote, além de estar servindo no Templo e não vivendo no deserto, João deveria estar usando roupas finíssimas, caras e enfeitadas dos sacerdotes conforme o previsto em Ex 28,2: “Mande fazer para seu irmão Aarão vestes sagradas, bem ricas e enfeitadas”, quando, na verdade, “João usava roupa feita de pelo de camelo, e cinto de couro na cintura”. (Mt 3,4).
Como sacerdote e se estivesse no Templo, João tinha o direito de comer das iguarias que fazia parte das ofertas que o povo fazia para serem oferecidas a Yahweh, mas “comia gafanhotos e mel silvestre”. João Batista deveria, como sacerdote, alimentar-se da comida sacerdotal, da flor de farinha e da carne mais tenra e nobre dos novilhos ofertados a Yahweh pelo seu povo, quando, na realidade, João “comia gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3,4), comida típica de quem rejeitara todo conforto e mordomia do Templo e da cidade para viver uma vida de severa penitência; este era o alimento dos penitentes do deserto, pois era a dieta dos ascetas ou anacoretas do deserto.
Através de João Batista Deus dava início a uma nova chamada de atenção porque o sistema religioso de Jerusalém já havia se corrompido há muito tempo e o início da consumação dos tempos havia chegado. Através de João Batista Deus rompe com a Lei mal interpretada pelos dirigentes políticos e religiosos do povo judeu, e estava se iniciando algo totalmente novo.
João conclama o povo à conversão. Israel havia se afastado de Yahweh, havia deixado de obedecer as Leis do Senhor e a corrupção era patente e generalizada. É nessa situação que João Batista surge pregando a penitência e o arrependimento.  É o início da Nova Aliança que Deus vai fazer com o seu povo, mas, para isso, o sacrifício deveria ser a imolação do “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”. (Jo 1,29). João Batista dá início ao plano de salvação de Deus preparando a Nova Aliança, pregando com determinação e insistência, em primeiro lugar, a conversão e o arrependimento.  Para a nova realidade que surgia, era indispensável a reformulação de vida, um arrependimento sincero, um novo modo de pensar, um novo modo de viver, e João exortava: “Convertam-se, porque o Reino do Deu está próximo”. (Mt 3,2), que seria seguido por Jesus quando do início de sua vida publica e da sua pregação: “Daí em diante Jesus começou a pregar, dizendo: ‘Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo’”. (Mt 4,17).
João Batista é, antes de tudo, modelo de fé. Seguindo o exemplo do grande profeta Elias, para ouvir melhor a Palavra do único Senhor da sua vida, João deixa tudo e retira-se para o deserto, de onde fará ressoar o convite para aplanar os caminhos do Senhor (cf. Mt 3,3ss).
João Batista é modelo de humildade, porque responde a todos os que vão até ele não só julgando que ele fosse um profeta, mas até acreditando que ele seria o Messias: “O povo estava esperando o Messias. E todos perguntavam a si mesmos se João não seria o Messias”. (Lc 3,15) e, dentro de sua humildade e honestidade, João diz: “Eu não sou o Messias” (Jo 1,20).
O Apostolo Paulo, mais tarde na sua pregação, lembra-se também de João: “Estando para terminar a sua missão, João declarou: ‘Não sou aquele que vocês pensam que eu seja! Vejam: depois de mim é que vem aquele do qual eu não mereço nem sequer desamarrar as sandálias!”  (At 13,25). João Batista é modelo de coerência e de coragem quando defende a verdade, pela qual está disposto a pagar pessoalmente, com sua prisão e morte.
João, como disse seu pai Zacarias (Lc 1,76), é o “profeta do Altíssimo” e seu modo de viver lembra Elias, o profeta que vivia no deserto, impelido pelo Espírito.
Aliás, no evangelho de Lucas, o anjo anuncia que João andará no espírito de Elias, o príncipe dos profetas e o mais típico “homem de Deus” do Antigo Testamento: “Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará à frente deles, com o espírito e o poder de Elias. A fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto”. (Lc 1,16-17).
É muito significativo o elogio que Jesus faz a João Batista após ter respondido à pergunta que o próprio João mandara seus discípulos fazer a Jesus: “O que vocês foram ver, então? Um profeta? Sim, eu digo a vocês, e mais do que um profeta [...]. Em verdade eu digo a vocês que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele. Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e violentos se apoderam dele. Porque todos os profetas bem como a Lei profetizaram, até João. E, se vocês quiserem dar crédito, ele é o Elias que deve vir. Que tem ouvidos, ouça!” (Mt 11, 9-15).
“João percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6).
Sem dúvida, podemos entender este trecho num sentido metafórico, como descrição duma mudança radical no estilo de vida de quem quer aceitar o convite à penitência e ao arrependimento.
Os vales a serem aterrados, as montanhas e colinas a serem aplainadas, os caminhos esburacados a serem nivelados, simbolizam os empecilhos em nossas vidas a um seguimento mais radical e coerente de Jesus. Quem aceita a sua mensagem terá que mudar radicalmente, isso é: na raiz, a sua vida.

Advento, embora não seja tempo de penitência no sentido que a Quaresma se propõe, torna-se tempo oportuno para uma revisão de vida, para descobrir quais são as curvas, montanhas, e pedras que são empecilhos na nossa caminhada para a justiça e a verdade e que teremos de tirar para que o Senhor realmente possa habitar nos nossos corações. João Batista é realmente especial. Vida de contradição. Filho de um casal de velhos que, humanamente, passaram da época de gerar filhos; nem seu pai quis acreditar que era possível ser pai e ficou mudo para aprender que “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37). Pregador no deserto vestia pele de camelo e comia gafanhotos e mel silvestre. Batizador às margens do Rio Jordão, mandava preparar os "caminhos do Senhor". Assustava os fariseus, chamando-os de "raças de víboras". Ameaçava o rei. Resultado: teve a cabeça cortada e servida em uma bandeja a Herodes, o rei (Mt 14,1-12). Chegamos à conclusão que João Batista foi um homem sem papas na língua e que deveria servir de exemplo de coerência, coragem e justiça para os cristãos de todos os tempos, principalmente dos nossos dias. 

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