“ESTA É A VOZ DAQUELE QUE GRITA NO
DESERTO...” (Lc 3,4).
Diácono Milton Restivo
João Batista é
um personagem presente no tempo litúrgico do Advento.
A palavra de
Deus foi dirigida no deserto a ele, João, filho do sacerdote Zacarias: “Foi nesse tempo que Deus enviou a sua
palavra a João, filho de Zacarias, no deserto.” (Lc 3,2).
O Evangelho deste dia, bem como o do próximo domingo,
apresenta-nos a figura impar de João Batista.
Em todo o
tempo do Advento está implícita a presença de João Batista que, juntamente com
o ladrão, crucificado à direita de Jesus no Calvário, é o único que foi santificado
pelo próprio Jesus: o ladrão na cruz e João ainda no ventre de sua mãe.
Assim nos
narra Lucas no seu Evangelho: “Quando
Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre, e Isabel
ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito exclamou: ‘Você é bendita
entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre. Como posso merecer que a
mãe do meu Senhor venha me visitar? Logo que a sua saudação chegou aos meus
ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. Bem aventurada aquela que
acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.” (Lc 1,41-45).
Também é com
Maria, a mãe de Jesus, o único santo que é celebrado no calendário litúrgico
não só pelo seu martírio, decapitado que foi por Herodes (cf Mt 14,3-12), cuja
festa é celebrada no dia 29 de Agosto, mas também pelo seu nascimento, 24 de
Junho.
Entre todos os
santos e santas, João Batista é o único do qual a Liturgia celebra o nascimento
e a morte; dos demais celebra apenas o dia da morte.
Assim como
Jesus, João teve o seu nascimento anunciado pelo Anjo Gabriel. Ambos vieram à
luz graças a uma intervenção especial de Deus: o primeiro nasce de uma
Virgem, o segundo de uma mulher idosa e estéril. Desde o seio materno João
prenuncia Aquele que revelará ao mundo a iniciativa de amor de Deus.
Pelas
circunstâncias do seu nascimento João Batista poderia dizer como o salmista: "Chamaste-me quando eu ainda estava no
seio da minha mãe" (Sl 139,13-16).
Após o
nascimento de João Batista o evangelho de Lucas narra o canto de Zacarias,
louvando a Deus pelo nascimento de seu filho: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e resgatou o seu
povo.” E mais adiante o mesmo Zacarias proclama: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo porque irás adiante
da face do Senhor a preparar os seus caminhos.” (Lc 1,68.76).
O Evangelista Lucas
é o único a nos transmitir como foi anunciado o nascimento de João Batista (Lc
1,5-25), quem eram seus pais (Lc 1,5) e os acontecimentos que precederam o seu
nascimento (Lc 1,26-80).
Nos quatro evangelhos
várias passagens ressaltam a pessoa e a missão do Batista.
O evangelista
João afirma que “houve um homem enviado
por Deus que se chamava João. Este veio para dar testemunho da luz, para que
todos cressem por meio dele”. (Jo 1,6).
Em outra
passagem o mesmo evangelista João narra que, interrogado pelos judeus se ele
era o Messias esperado, João Batista testemunhou: “Eu não sou o Cristo. Eu batizo em água, mas no meio de vocês está quem
vocês não conhecem. Este é o que há de vir depois de mim, ao qual eu não sou
digno de desatar a correia das sandálias.” (Jo 1, 20. 26-27)
O Evangelista Marcos
inicia seu evangelho apresentando João Batista que “pregava o batismo de penitência para remissão dos pecados.” (Mc
1,4).
O evangelho de
Mateus conta que João Batista começou a pregar no deserto da Judéia, dizendo: “Arrependem-se, porque está próximo o reino
dos céus. Porque este é aquele de quem falou o profeta Isaías quando disse: Voz
do que clama no deserto. Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas
veredas.” (Mt 3,2-3).
O próprio
Jesus dá seu testemunho sobre a missão de João quando deseja ser por ele
batizado: “Jesus foi da Galiléia para o
rio Jordão a fim de se encontrar com João, e ser batizado por ele. Mas João
procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a
mim? ’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘por enquanto deixe como está! Porque
devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou”. (Mt 3,13-15). Atentem
para esta afirmativa de Jesus: “Porque
devemos cumprir toda a justiça”. Jesus faz a afirmativa no plural: “devemos cumprir toda a justiça”. Isto
quer dizer que esta também era a missão de João Batista: cumprir e fazer
cumprir toda a justiça. Era a missão tanto de Jesus como de João Batista, como
de todos os cristãos.
Em outra
ocasião Jesus novamente destaca a missão de seu precursor, afirmando que ele é
mais que um profeta, pois foi enviado para preparar o caminho do Messias. E
complementa: “Na verdade eu digo a vocês
que entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo outro maior que João
Batista.” (Mt 11,11). João Batista, homem de coragem, enfrentou as
autoridades e os poderosos, denunciando seus erros e injustiças. Enfrentou o
próprio rei Herodes (Lc 3,19-20), censurando-o por ter tomado como mulher a
esposa de seu irmão: “Não te é lícito”,
exclamava com firmeza e coragem, o que lhe custaria a prisão e a morte.
Deus manda
João, o Batista, como arauto do novo tempo de graça e salvação. Deus não
permite que a perversidade e a maldade tenham a palavra final na história da
humanidade.
Isso posto,
chegamos à conclusão de que João Batista era filho de sacerdote da tribo de
Levi e descendente de Aarão, linhagem escolhida por Yahweh para exercer o
sacerdócio em Israel.
Se João, o
Batista, era filho de sacerdote, por hereditariedade ele era também sacerdote e
deveria exercer o sacerdócio no Templo e no meio de seu povo.
Como sacerdote
que era de fato, por lei e por direito, João deveria, como seu pai, estar
servindo no Templo, mas vamos encontrá-lo no deserto onde “percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão
para o perdão dos pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias:
‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor,
endireitem suas estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão
aplainadas; as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão
nivelados. E todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6). João deveria estar
usufruindo das mordomias e confortos do Templo e respeito do povo, mas, ao
contrário, encontramo-lo vivendo as agruras do deserto, fazendo alguma coisa
que não competia ao sacerdote, a não ser que esse sacerdote fosse também
profeta.
Como
sacerdote, além de estar servindo no Templo e não vivendo no deserto, João
deveria estar usando roupas finíssimas, caras e enfeitadas dos sacerdotes
conforme o previsto em Ex 28,2: “Mande
fazer para seu irmão Aarão vestes sagradas, bem ricas e enfeitadas”, quando,
na verdade, “João usava roupa feita de
pelo de camelo, e cinto de couro na cintura”. (Mt 3,4).
Como sacerdote
e se estivesse no Templo, João tinha o direito de comer das iguarias que fazia
parte das ofertas que o povo fazia para serem oferecidas a Yahweh, mas “comia gafanhotos e mel silvestre”. João
Batista deveria, como sacerdote, alimentar-se da comida sacerdotal, da flor de
farinha e da carne mais tenra e nobre dos novilhos ofertados a Yahweh pelo seu
povo, quando, na realidade, João “comia
gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3,4), comida típica de quem rejeitara todo
conforto e mordomia do Templo e da cidade para viver uma vida de severa
penitência; este era o alimento dos penitentes do deserto, pois era a dieta dos
ascetas ou anacoretas do deserto.
Através de
João Batista Deus dava início a uma nova chamada de atenção porque o sistema
religioso de Jerusalém já havia se corrompido há muito tempo e o início da
consumação dos tempos havia chegado. Através de João Batista Deus rompe com a
Lei mal interpretada pelos dirigentes políticos e religiosos do povo judeu, e
estava se iniciando algo totalmente novo.
João conclama
o povo à conversão. Israel havia se afastado de Yahweh, havia deixado de
obedecer as Leis do Senhor e a corrupção era patente e generalizada. É nessa
situação que João Batista surge pregando a penitência e o arrependimento. É o início da Nova Aliança que Deus vai fazer
com o seu povo, mas, para isso, o sacrifício deveria ser a imolação do “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado
do mundo”. (Jo 1,29). João Batista dá início ao plano de salvação de Deus
preparando a Nova Aliança, pregando com determinação e insistência, em primeiro
lugar, a conversão e o arrependimento.
Para a nova realidade que surgia, era indispensável a reformulação de
vida, um arrependimento sincero, um novo modo de pensar, um novo modo de viver,
e João exortava: “Convertam-se, porque o
Reino do Deu está próximo”. (Mt 3,2), que seria seguido por Jesus quando do
início de sua vida publica e da sua pregação: “Daí em diante
Jesus começou a pregar, dizendo: ‘Convertam-se, porque o
Reino do Céu está próximo’”. (Mt 4,17).
João Batista
é, antes de tudo, modelo de fé. Seguindo o exemplo do grande profeta Elias,
para ouvir melhor a Palavra do único Senhor da sua vida, João deixa tudo e
retira-se para o deserto, de onde fará ressoar o convite para aplanar os
caminhos do Senhor (cf. Mt 3,3ss).
João Batista é
modelo de humildade, porque responde a todos os que vão até ele não só julgando
que ele fosse um profeta, mas até acreditando que ele seria o Messias: “O povo estava esperando o Messias. E todos
perguntavam a si mesmos se João não seria o Messias”. (Lc 3,15) e, dentro
de sua humildade e honestidade, João diz: “Eu
não sou o Messias” (Jo 1,20).
O Apostolo
Paulo, mais tarde na sua pregação, lembra-se também de João: “Estando para terminar a sua missão, João
declarou: ‘Não sou aquele que vocês pensam que eu seja! Vejam: depois de mim é
que vem aquele do qual eu não mereço nem sequer desamarrar as sandálias!”
(At 13,25). João Batista é modelo de coerência e de coragem quando defende a
verdade, pela qual está disposto a pagar pessoalmente, com sua prisão e morte.
João, como
disse seu pai Zacarias (Lc 1,76), é o “profeta
do Altíssimo” e seu modo de viver lembra Elias, o profeta que vivia no
deserto, impelido pelo Espírito.
Aliás, no
evangelho de Lucas, o anjo anuncia que João andará no espírito de Elias, o
príncipe dos profetas e o mais típico “homem de Deus” do Antigo Testamento: “Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao
Senhor seu Deus. Caminhará à frente deles, com o espírito e o poder de Elias. A
fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos
justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto”. (Lc 1,16-17).
É muito
significativo o elogio que Jesus faz a João Batista após ter respondido à
pergunta que o próprio João mandara seus discípulos fazer a Jesus: “O que vocês foram ver, então? Um profeta?
Sim, eu digo a vocês, e mais do que um profeta [...]. Em verdade eu digo a vocês que, entre os nascidos de mulher, não
surgiu nenhum maior do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reino dos
Céus é maior do que ele. Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos
Céus sofre violência, e violentos se apoderam dele. Porque todos os profetas
bem como a Lei profetizaram, até João. E, se vocês quiserem dar crédito, ele é
o Elias que deve vir. Que tem ouvidos, ouça!” (Mt 11, 9-15).
“João percorria toda a região do rio Jordão,
pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, conforme está
escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz daquele que grita no deserto:
preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas. Todo vale será
aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as estradas curvas ficarão
retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação”.
(Lc 2,3-6).
Sem dúvida,
podemos entender este trecho num sentido metafórico, como descrição duma
mudança radical no estilo de vida de quem quer aceitar o convite à penitência e
ao arrependimento.
Os vales a
serem aterrados, as montanhas e colinas a serem aplainadas, os caminhos
esburacados a serem nivelados, simbolizam os empecilhos em nossas vidas a um
seguimento mais radical e coerente de Jesus. Quem aceita a sua mensagem terá
que mudar radicalmente, isso é: na raiz, a sua vida.
Advento,
embora não seja tempo de penitência no sentido que a Quaresma se propõe, torna-se
tempo oportuno para uma revisão de vida, para descobrir quais são as curvas,
montanhas, e pedras que são empecilhos na nossa caminhada para a justiça e a
verdade e que teremos de tirar para que o Senhor realmente possa habitar nos
nossos corações. João Batista é realmente especial. Vida de contradição. Filho
de um casal de velhos que, humanamente, passaram da época de gerar filhos; nem
seu pai quis acreditar que era possível ser pai e ficou mudo para aprender que “para
Deus nada é impossível” (Lc 1,37). Pregador no deserto vestia pele de
camelo e comia gafanhotos e mel silvestre. Batizador às margens do Rio Jordão,
mandava preparar os "caminhos do
Senhor". Assustava os fariseus, chamando-os de "raças de víboras". Ameaçava o rei. Resultado: teve a
cabeça cortada e servida em uma bandeja a Herodes, o rei (Mt 14,1-12). Chegamos
à conclusão que João Batista foi um homem sem papas na língua e que deveria
servir de exemplo de coerência, coragem e justiça para os cristãos de todos os
tempos, principalmente dos nossos dias.
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