domingo, 13 de março de 2016

A MULHER ADÚLTERA

V DOMINGO DA QUARESMA

“QUEM DENTRE VOCÊS NÃO TIVER PECADO, ATIRE A PRIMEIRA PEDRA” (Jo 8,7)


Diácono Milton Restivo

O que dizer da adúltera apresentada de forma constrangedora a Jesus? 
Pela Lei de Moisés e dos judeus essa mulher deveria ser morta por apedrejamento, conforme prevê o livro do Deuteronômio 22,22: “Se um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, o homem que se deitou com a mulher e a mulher. Deste modo você eliminará o mal de Israel”.
Mas, onde estava o homem? Porque não o apresentaram? E qual foi a atitude de Jesus diante dos anciãos, sacerdotes, escribas, doutores da lei e todo o povo?
Os escribas e os fariseus estavam, desde longa data, maquinando uma armadilha para pegar Jesus e desacreditá-lo diante da opinião pública. Talvez tivesse chegado o momento.
Era de manhã e Jesus estava chegando ao Templo. Vieram até ele os mestres da Lei e os fariseus trazendo uma mulher em estado lastimável de vergonha, humilhação e desespero. Segundo eles, a mulher havia sido pega em flagrante, cometendo adultério, um dos três pecados gravíssimos citados na Lei de Moisés, que era punido com a morte por apedrejamento. Os rabinos diziam: “Todo judeu deve morrer antes de cometer idolatria, adultério ou assassinato.”
 O adultério era um dos três crimes e pecados mais graves e a Torá era muito clara neste aspecto, variando apenas a forma de como se deveria cumprir a pena de morte: o livro do Levítico, 20,10, diz: “O homem que cometer adultério com a mulher de seu próximo deverá morrer, tanto ele como ela”, mas não fala da forma como deveriam ser mortos. O livro do Deuteronômio, 22,24, estabelece a pena no caso da mulher já estar casada, e, neste caso, deve-se tirar a mulher e o homem fora das portas da cidade: “e vocês levarão os dois à porta da cidade e os apedrejarão até que morram.” 
        Adultério era um pecado contra Deus e contra a Lei de Moisés, e que era para ser aplicado tanto para a mulher... quanto para o homem (???). Mas, trouxeram somente a mulher. Insisto: cadê o homem que consumira com ela o adultério? A mulher teria cometido o adultério sozinha?
Afinal de contas, quem era a mulher? Que valor tinha a mulher na sociedade judaica?
Os doutores da Lei e os fariseus estavam menos preocupados com o pecado que a mulher cometera e mais preocupados em desacreditar Jesus e submetê-lo a um descrédito e delito maior.
Se Jesus inocentasse a mulher estaria contrariando a Lei de Moisés, o que seria causa de morte também. Se ele condenasse a mulher à morte por apedrejamento estaria contrariando todos os seus ensinamentos baseados na lei do amor e da misericórdia, e ainda mais, contrariaria a lei dos romanos que haviam tirado dos judeus o direito de aplicar a pena de morte a quem quer que seja, e isso deixaria Jesus em maus lençóis com os dominadores do povo judeu, os romanos.  
A Lei mosaica prescrevia a pena de morte para uma mulher casada, pega em adultério: “Se um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, o homem que se deitou com a mulher e a mulher. Deste modo você eliminará o mal de Israel. Se houver uma jovem prometida a um homem, e outro tiver relações com ela na cidade, vocês levarão os dois à porta da cidade, e os apedrejarão até que morram; a jovem por não ter gritado por socorro na cidade, e o homem por ter violentado a mulher de seu próximo”. (Dt 22,22-24). O Evangelho de João relata que os romanos tinham retirado dos judeus o direito de condenar alguém a morte: “Pilatos disse: ‘Encarreguem-se vocês mesmos de julgá-lo conforme a lei de vocês’. Os judeus responderam; ‘Não temos permissão de condenar ninguém à morte’.” (Jo 18,31).
Portanto, se Jesus dissesse que a mulher deveria ser apedrejada, ele contrariaria a lei civil dos romanos; se ele negasse esta pena, estaria contra a lei religiosa mosaica.
Os doutores da Lei e os fariseus procuravam, por todos os meios estratégicos, de como apanhar e encontrar em Jesus alguma contradição, ou erro contra a Lei de Moisés, tradições, costumes judaicos que pudessem incriminá-los, para que, de alguma forma, Jesus ficasse mal visto aos olhos do povo, e desacreditado e que ele perdesse sua popularidade.
Jesus não defende a mulher do delito que havia cometido; ela era realmente adúltera, não prostituta, e a trata como tal, mas com amor, compreensão, compaixão e misericórdia. Mas a Lei determinava que morressem os dois: homem e mulher que cometeram o delito. Mas, onde estava o homem? Adúlteras e prostitutas existem, sim, mas elas não existiriam se não houvessem homens covardes que delas tiram proveito e depois lhes apontam o dedo para incriminá-las, escondendo-se na multidão dos que gritam condenando-as e incentivando o apedrejamento. Pela Lei aquela mulher deveria ser punida com o apedrejamento. Deveria ter sido uma cena constrangedora.
Para surpresa de todos, Jesus ignora os julgadores e com misericórdia e muito amor coloca a sua atenção na mulher. A fisionomia da mulher estava transtornada, triste. Estava com medo, angustiada, apavorada, sem nenhuma perspectiva de futuro; afinal das contas, sua vida terminaria ali. Ela fora pega praticando sexo com um homem, provavelmente casado, e estava, agora, nas mãos de seus possíveis algozes, mas o companheiro de infortúnio havia desaparecido por conveniência da própria Lei que protege os que direcionam a lei contra os fracos e oprimidos.
Jesus não apela nem para a lei dos homens e nem para a Lei de Moisés. Jesus coloca em prática a Lei da Graça onde a pessoa é mais importante do que a letra. Jesus usou a lei da liberdade, a lei do perdão, a lei da misericórdia, a lei da compaixão, a lei do amor.
Os acusadores dizem: “Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Moisés na lei manda apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?” (Jo 8,4-5).
O Evangelista conhecia a intenção dos acusadores, e testemunha: “Perguntaram isso para experimentar Jesus e para terem motivo de acusá-lo.” (Jo 8,6).
Jesus, com toda a serenidade que sempre pautou sua personalidade, caráter e suas atitudes, conhecedor das intenções dos que queriam pegá-lo em contradição, manteve-se inatingível pelo ódio que reinava no local, “abaixou-se e começou a escrever com o dedo no chão”. (Jo 8,8).
Não sabemos o que Jesus tenha escrito, e jamais o saberemos. Alguns autores vêem uma referência a uma frase em Jeremias: "aqueles que se afastam de ti terão seus nomes inscritos na poeira, porque abandonaram Yahweh, a fonte de água viva" (Jr 17,13).
Talvez Jesus tivesse escrito no chão o que já havia ensinado antes: “Não julguem, e vocês não serão julgados. De fato, vocês serão julgados com o mesmo julgamento com que vocês julgarem, e serão medidos com a mesma medida com que vocês medirem. Porque você fica olhando o cisco no olho do seu irmão e não presta atenção à trave que está no seu próprio olho?” (Mt 7,1,3). Os acusadores insistiram para que Jesus se definisse e desse uma resposta e, “Jesus ergueu-se e disse: ‘Quem de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira pedra’.” (Jo 8,7).
Em outras palavras, “somente quem fosse santo, quem não tivesse pecados, quem fosse puro de mãos e limpo de coração, que não entregasse a sua alma à vaidade e nem jurasse enganosamente” (Sl 24), poderia ser o primeiro a atirar a pedra.
E quem é assim não atira pedra em ninguém, pelo contrário, usa a lei da misericórdia, do perdão e, como Jesus fez, a Lei da Graça onde a pessoa é mais importante do que a letra.
Jesus, após dizer: “Quem de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira pedra”, abaixou-se novamente e continuou a escrever no chão. “E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo uma a um, a começar pelos mais velhos”. (Jo 8,9).
Resultado: deixaram Jesus sozinho com a mulher. É de se acreditar que até os seus discípulos e apóstolos, desconsertados com o desfecho, deixaram o local, porque o Evangelista é taxativo: “E Jesus ficou sozinho. Ora, a mulher continuava ali no meio”. (Jo 8,9).
Jesus, então, dirige-se para a mulher fazendo-lhe uma pergunta. “Mulher, onde estão àqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: ‘Ninguém, Senhor’. E disse-lhe Jesus: ‘Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais’.” (Jo 8,10-11).
Perguntando para a mulher se os seus acusadores não a tinham condenado, Jesus deixa claro que ele não se identifica com eles, “pois Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho Único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16).  Ele não veio para condenar, mas para salvar! Por isso a mulher está livre para ir, mas não para pecar de novo!
A Lei de Moisés, que é a lei do Antigo Testamento, foi escrita com o dedo de Deus na pedra: “Yahweh disse a Moisés: ‘Corte duas tábuas de pedra, como as primeiras, suba ao meu encontro na montanha, e eu escreverei as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas que você quebrou.” (Ex 34,1). É por isso que os infratores da lei de Moisés deveriam ser punidos com a pedra, com o apedrejamento, porque a sua lei foi escrita na pedra.
A Lei do amor, da misericórdia e do perdão, que é a Lei do Novo Testamento e da Nova Aliança, também é escrita, da mesma forma, com o dedo de Deus, mas não na pedra, mas no coração de cada um, transmitida, não para Moisés, mas transmitida pela própria “Palavra de Deus que se fez homem e veio habitar entre nós” (Jo 1,14): “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos.” (J0 13,34-35). Por isso é que os que pecam contra esta lei devem ser tratados com compreensão, amor, misericórdia e perdão, assim como fez Jesus. Deus detesta o pecado, mas ama o pecador.
O amor mútuo já era orientado no Antigo Testamento, também como um mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv19,18), mas que foi olvidado e não levado a sério.
Esta é a Nova Lei que Jesus escreve e prescreve. Esta é a Nova e Eterna Aliança, não escrita, mas inscrita nos nossos corações pelo “dedo de Deus”, Jesus Cristo. “Quem não tiver pecado atire a primeira pedra.”.
Jesus podia ter atirado! Jesus seria o único que poderia ter atirado a pedra, porque ele era o único ali presente que não tinha pecado algum. Mas estendeu a mão e levantou a mulher da sua prostração, libertou-a da sua humilhação, salvou-a até da sua solidão, conversando com ela pela primeira vez, olhando-a, quem sabe, amorosamente, nos olhos. Com o olhar e com o coração, Jesus deve ter dito àquela mulher: “Eu não te condeno! Eu sou o Messias do Deus sem pedras, o Deus do Perdão abundante. Vai e de agora em diante não tornes a pecar! Vai, e sê de novo!”.
Mais tarde Paulo escreveria: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”. (Rm 5,20). 

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