“DE FATO,
ELES AINDA NÃO TINHAM COMPREENDIDO A ESCRITURA, SEGUNDO A QUAL ELE DEVIA
RESSUSCITAR DOS MORTOS.” (Jo 20,9).
Diácono Milton
Restivo
Páscoa, do
hebreu Pessach, significa a passagem da escravidão para a liberdade.
É a maior
festa do cristianismo e, naturalmente, de todos os cristãos, pois nela se
comemora a Passagem de Cristo - "deste mundo para o Pai", da
"morte para a vida", das "trevas para a luz".
“O tempo pascal compreende cinquenta dias
(em grego = "pentecostes"), vividos e celebrados como um só dia: os
cinquenta dias entre o domingo da Ressurreição até o domingo de Pentecostes
devem ser celebrados com alegria e júbilo, como se se tratasse de um só e único
dia festivo, como um grande domingo". (Normas Universais do Ano
Litúrgico, n 22).
Os evangelhos
são a proclamação de fé em
Cristo Ressuscitado. A Igreja tem por missão
fundamental viver e anunciar a Ressurreição de Jesus Cristo e fazer com que
todos participem da sua Páscoa que começou a ganhar sentido a partir da
libertação do povo de Deus que estava sendo escravizado no Egito: “Esse dia será para vocês um memorial, pois
nele celebrarão uma festa de Yahweh. Vocês a celebrarão como um rito
permanente, de geração em geração”. (Ex 12,14).
Jesus prolonga e dá
sentido e forma definitivas a esse memorial transformando-o na Nova Aliança na
instituição da Eucaristia, conforme narra Paulo: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de
dar graças, o partiu e disse: ‘Isso é meu corpo que é para vocês: façam isso em
memória de mim. Do mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a Nova
Aliança no meu sangue.; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em
memória de mim.” (1Cor 11,23-25).
Páscoa é libertação. Moisés,
na primeira Páscoa do povo de Deus, liberta-o da escravidão que ele era
submetido nas terras do Egito e Yahweh acompanha esse povo nessa libertação: “Yahweh ia à frente deles: de dia numa
coluna de nuvem, para guiá-los; de noite numa coluna de fogo, para iluminá-los.
Desse modo, podiam caminhar durante o dia e a noite. De dia a coluna de nuvem
não se afastava do povo, nem de noite a coluna de fogo”. (Ex 13,21-22).
Através de sua ressurreição,
Jesus não é simplesmente uma coluna de nuvem que nos guia durante o dia, ou uma
coluna de fogo que nos orienta durante a noite: Jesus é o Homem-Deus
ressuscitado que permanece conosco sem interrupção: “Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt
28,20).
Cristo
Ressuscitou verdadeiramente! Venceu a morte e despojou o império das trevas,
sendo vitorioso e dando-nos também a vitória. Ele venceu e também somos
vencedores com ele.
Jesus despojou
o império das trevas. “Graças sejam dadas
a Deus, que nos dá a vitória por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo.” (1Cor
15,57). Somos vitoriosos porque Deus nos deu a vitória em Jesus, seu Filho. Não
pelos nossos méritos. E sim pela sua graça.
Por Cristo e
em Cristo somos mais que vencedores porque, por ele, passamos do fracasso para
a realização, da derrota para a fortaleza, da vitória para o triunfo. Da morte
para a vida! Tudo isso Deus o fez por amor.
Pode Deus
ficar em uma cruz? Sim, Ele morreu lá, por amor dos homens. Pode Deus permanecer
em um túmulo? Não, Ele ressuscitou para que os homens fossem vitoriosos.
É a cruz e o
túmulo vazio que nos santifica.
A ressurreição
de Cristo Jesus é a prova evidente que a morte foi vencida e o pecado perdeu a
sua força de condenação. A história da crucificação não termina com um funeral,
mas com um festival de aleluia. O anjo anuncia às mulheres com júbilo: “Ele não está aqui; ressuscitou como tinha
dito. Venham ver o lugar onde ele estava”. (Mt 28,6).
Mais tarde Pedro
e João, quando pregavam a ressurreição de Jesus e estavam sendo ameaçados pelas
autoridades judaicas, para que não pregassem a Jesus ressuscitado, disseram: “Não podemos deixar de falar das coisas que
vimos e ouvimos.” (At 4,20).
Só o milagre
do túmulo vazio poderia encher o coração dos discípulos da certeza da salvação.
A regeneração do homem pecador é um produto da ressurreição de Jesus Cristo
dentre os mortos. “Bendito seja o Deus e
Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo por sua grande misericórdia. Ressuscitando a
Jesus Cristo dos mortos, ele nos fez renascer para uma esperança viva, para uma
herança que não se corrompe, não se mancha e não murcha.” (1Pd 1,3-4).
Na primeira
leitura, Pedro, cheio do Espírito Santo, se coloca na frente da multidão
atônita por tanta coragem, e em alta voz, proclama o seu testemunho na
ressurreição de Jesus Cristo: “E nós
somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o
mataram, pregoando-o numa cruz. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia,
concedendo-lhe manifestar-se não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus
havia escolhido: a nós que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou
dos mortos.” (At 10,39-41).
O Salmo
responsorial 117 (118) é um grito de alegria e agradecimento ao grande
acontecimento que o Pai houve por bem que se realizasse para o cumprimento de
todas as suas promessas de salvação: “A
pedra que os pedreiros rejeitaram tornou-se agora a pedra angular. Pelo Senhor
é que foi feito tudo isso: que maravilhas ele fez aos nossos olhos” e “Este é o
dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos.”
O Evangelho de
João nos relata que, depois de todos os acontecimentos que abalaram a
comunidade apostólica, estando Jesus, supostamente, ainda depositado no
sepulcro, as mulheres foram as únicas que não se acomodaram e nem se
acovardaram, e “No primeiro dia da
semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda
estava escuro...” (Jo 20,1). Os quatro evangelhos relatam os acontecimentos
do dia da Ressurreição, cada um de acordo com as suas tradições. João fala que
foi apenas uma mulher no túmulo, e de madrugada: Maria Madalena ((Jo 20,1);
Mateus fala de duas mulheres: “Maria
Madalena e outra Maria foram ver a sepultura” (Mt 28,1); Marcos fala de
três mulheres: “Maria Madalena, Maria,
mãe de Tiago, e Salomé...” (Mc 16,1), e Lucas fala de muitas mulheres, sem
nominá-las: “As mulheres que tinham ido
com Jesus desde a Galiléia, foram com José para ver o túmulo, e como o corpo de
Jesus tinha sido colocado. [...] Eram
Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago. Também as outras mulheres que
estavam com elas contaram essas coisas aos apóstolos”. (Lc 23,55; 24,10).
Mas certos
elementos são comuns a todos os evangelhos: Maria Madalena consta de todas as
narrativas: a que mais ama é a que mais está presente.
Tiramos disso
a conclusão que as mulheres tinham lugar muito importante entre o grupo dos
discípulos de Jesus, e que elas eram mais fiéis do que os homens, seguindo
Jesus até ao Calvário, até o escândalo da cruz e além dela! Contrariando todas
as expectativas da época, em que o Rabi só podia ter discípulos homens, Jesus
foi ousado e não teve somente discípulos homens; teve muitas discípulas
mulheres, aliás, mais assíduas, mais fieis, mais corajosas do que os próprios
homens e, ter discípulas mulheres era proibido aos mestres judeus. E as
mulheres sempre se revelaram mais assíduas, mas amorosas, mais presentes, menos
covardes. Jesus teve mulheres amigas muito queridas, como as irmãs Marta e
Maria, e manifestou por elas amizade humana, intensa, profunda e publicamente
(Lc 10,38-42; Jo 11,5.33; Jo 12,1-8). Jesus teve centenas de mulheres
discípulas (Lc 8,1-3; cf Mc 15,40-41).
Infelizmente,
outras gerações, inclusive a nossa, nos nossos tempos, fizeram questão de
diminuir a importância das discípulas de Jesus na tradição, e a Igreja sofre
até hoje as consequências. As mulheres que foram ver o sepulcro onde Jesus
havia sido sepultado saíram de lá ao romper da manhã, ainda que atônitas, com
duas certezas: primeiro não havia cadáver no sepulcro. Segundo: que Jesus
ressuscitara como dissera. A fé cristã começa no primeiro dia da semana, nas
primeiras horas do dia, com uma certeza da vitória. A morte foi vencida e o
Salvador não é um defunto. O túmulo vazio é uma realidade. A nossa fé está
alicerçada num túmulo vazio.
Com certeza,
ninguém esperava a Ressurreição, ninguém, em sã consciência, acreditava na
ressurreição! Para os discípulos, a cruz era o fim da esperança, a maior
desilusão possível.
Possivelmente,
os discípulos colocavam toda a sua confiança no Mestre enquanto ele estava vivo;
ele restauraria Israel. Mas, o fim foi trágico, e ele estava depositado num
sepulcro. Restava, de imediato, fugir da fúria dos inimigos do Mestre, se
escondendo a sete chaves e com as portas e janelas fechadas para não sofrerem
represálias dos que julgavam ter vencido aquele que se dizia “Filho de Deus”: “Era o primeiro dia da semana. Ao anoitecer
desse dia, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam os discípulos por medo das autoridades...”. (Jo
20,19).
Se somamos a
isso o fato que todos eles traíram Jesus (ou por dinheiro, ou por covardia),
podemos imaginar o ambiente pesado entre eles na manhã do domingo, o “primeiro dia da semana”. Nesse meio
chega Maria Madalena com a notícia de que o túmulo estava vazio - e ela,
naturalmente, pensa que o corpo tinha sido roubado. Ressurreição: nem pensar: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos
onde o colocaram”. (Jo 20,2). Pedro e o discípulo que não tem nome,
identificado somente como “o outro
discípulo” se assustaram com a notícia, e mais por curiosidade do que por
coragem, saíram correndo em direção ao sepulcro.
O “outro discípulo”, possivelmente mais
jovem que Pedro, chegou primeiro no túmulo.
Chegou
primeiro por que era mais jovem ou por que amava mais? Quem ama mais chega
primeiro. Ao adentrarem ao sepulcro se depararam com uma cena entre
constrangedora pela possibilidade de alguém ter roubado o corpo do Mestre ou de
euforia por ter-se cumprido a promessa da ressurreição. O Evangelho de João diz
que: ele viu e acreditou. “De fato, eles
ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar
dos mortos”. (Jo 20,8-9). O evangelista Lucas é mais categórico: “Ele não está aqui! Ressuscitou!”. (Lc
24,6).
Jesus
ressuscitou! “Ressuscitou!” Essa palavra ressoa poderosamente
atravessando os séculos. Ela pode ter sido a palavra mais poderosa que jamais
foi pronunciada. Entre todas as grandes proclamações da história, nenhuma
se compara em grandeza de significação a esta simples afirmação. Esta declaração
levou o espanto e a alegria aos seguidores de Jesus. Ela se tornou o
assunto central da pregação apostólica.
De fato, cada
ponto da Bíblia gira em volta desta ressurreição vitoriosa de Jesus Cristo,
deixando a sepultura e o poder das trevas que essa sepultura
representava. Jesus ressuscitou!
Os evangelhos
falam sempre da Ressurreição “ao terceiro dia”. Por quê? Porque foi quando os
apóstolos fizeram a experiência Pascal! Depois, ao escreverem os evangelhos,
vão colocar também nas palavras de Jesus a sua própria experiência. No entanto,
estes “três dias” não são simplesmente contagem cronológica, como se Jesus
estivesse a “passar tempo” entre a morte e a Ressurreição! Por isso, no
evangelho de Lucas, Jesus diz ao ladrão arrependido: “Hoje mesmo estarás
comigo no Paraíso!” (Lc 23,43). Ou então, no evangelho de Mateus: “Quando Jesus morreu, os sepulcros começaram
a abrir-se e os mortos começaram a ressuscitar!” (Mt 27,50-52)
E, no
evangelho de João, é clara a linguagem usada para falar do acontecimento
salvador da morte de Jesus: “inclinando a
cabeça, Jesus ofereceu o Espírito!” (Jo 19,30).
Três dias em
que a vida dos discípulos esteve encerrada num sepulcro. Não físico… Um sepulcro
daqueles do coração, um sepulcro escuro por dentro, apertado em três paredes
que eram a tristeza, a desilusão e o medo. Um sepulcro com estas três paredes
frias e escuras tapado por uma grande pedra que era a morte de Jesus. Tirada
esta pedra, seria possível saltar fora do sepulcro. Mas quem a poderia remover?
Grande como era…
A morte de
Jesus tinha-os mergulhado na mais profunda tristeza. Jesus tinha sido a pessoa mais fantástica que tinham
conhecido. Por Jesus tinham abdicado de quase tudo, tinham corrido riscos e
enfrentado dissabores. E Jesus morreu da pior maneira que pode morrer um amigo
e um Mestre… A morte de Jesus tinha-os introduzido na maior desilusão das suas vidas,
porque acabar numa cruz era a certeza de que ele, afinal, não era o Messias que
eles julgavam! Era apenas mais um Mestre, um Profeta… Especial, sem dúvida, mas
não o Messias…
A experiência
Pascal dos discípulos “ao terceiro dia” é uma experiência comunitária da
presença de Cristo vivo pela inspiração do Espírito Santo da qual brota a
consciência da continuidade da sua Missão. “Ao terceiro dia” os discípulos
saíram do sepulcro porque nos seus corações foi removida a pedra tumular que lá
os encerrava. A morte de Jesus tinha sido Páscoa-Passagem, e não fim! “Ao terceiro dia”,
vemo-los sem tristeza, nem desilusão nem medo! Anunciam a Ressurreição de Jesus
com desassombro mesmo “debaixo das barbas” dos que o tinham mandado matar. Já
não havia nada a temer, nem a chorar! O Evangelho da Vida tinha que ser
anunciado. Eles sabiam que era o Evangelho da Vida, porque os tinha feito
passar a eles próprios da morte à vida, do sepulcro à liberdade! Jesus era o
Senhor da Vida e o Dador da Vida pelo Espírito! Era urgente anunciar e
testemunhar a Vida Vivificante de Jesus Ressuscitado!
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