domingo, 6 de março de 2016

O FILHO PRÓDIGO OU O PAI MISERICORDIOSO?

IV DOMINGO DA QUARESMA

“TEU IRMÃO ESTAVA MORTO E TORNOU A VIVER; ESTAVA PERDIDO E FOI ENCONTRADO”. (Lc 15,32).


Diácono Milton Restivo

O Evangelho de Lucas é a proclamação da Misericórdia do Pai. O capítulo 15 é o coração do Evangelho de Lucas, onde ele retrata Deus que se entristece com a perda de quem quer que seja, mas que se regozija pela volta de quem estava perdido. Deus, no Evangelho de Lucas, é o Pai da misericórdia, do amor e do perdão. Assim, como um bom médico tem no coração das pessoas o indicador do pulsar da vida, Lucas, nosso “médico evangelista”, também nos apresenta o coração de sua obra no capítulo 15, no qual encontramos três parábolas da misericórdia que nos revelam, na figura de Jesus, a pedagogia do Pai.
Jesus vem resgatar aquilo que estava perdido: a ovelha perdida (15,3-7); a moeda perdida (15,8-10) o filho que abandona a casa do pai (15,11-32). Independentemente de quantos se perdem, basta que um esteja perdido para que se torne objeto de preocupação principal.
As três parábolas relatadas no capítulo 15, poderíamos dizer que estão entre as mais conhecidas das Sagradas Escrituras, principalmente a do Pai misericordioso (ou mais conhecida como a do filho pródigo). Deste modo, Lucas começa o capítulo 15 do seu evangelho apresentando quatro personagens, os dois primeiros discriminados pelo povo e os dois últimos prepotentes e cheios de orgulhos por se julgarem santos e superiores ao povo: cobradores de impostos, pecadores, fariseus e doutores da Lei e suas respectivas atitudes: “Aproximavam-se de Jesus todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. Mas os fariseus e doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: ‘Este acolhe os pecadores e come com eles’. (Lc 15,1-2). Depois vem a chave da interpretação: “Jesus, então, propôs-lhes esta parábola”. (Lc 15,3). Ou seja, Jesus contou essa parábola porque os fariseus e os doutores da Lei o criticavam por permitir que os cobradores de impostos e pecadores públicos, gente de má fama e para eles irremediavelmente perdidos, se aproximassem de Jesus e ele lhes desse atenção. 
       Jesus conta a parábola para contestar a atitude dos fariseus e dos doutores da Lei que o reprovavam porque ele acolhia os pecadores. Quantas vezes agimos como os fariseus e doutores da Lei, com censuras e moralismos, na maioria falsos, quando Deus age com a loucura do amor.
Embora Jesus tenha proposto “esta parábola”, Lucas coloca na boca de Jesus o que nos parecem ser três parábolas ou uma parábola dividida em três acontecimentos: a da ovelha perdida, a da dracma perdida e a do pai bondoso que acolhe o filho pródigo. No entanto, Lucas diz “esta parábola”, e não “estas parábolas”, não é interessante isso? Então, precisamos entender que as três parábolas são uma só e têm a mesma finalidade: buscar o que está perdido e se alegrar quando o encontrar. Não podemos entender a parábola do Pai misericordioso se não entendermos a da ovelha perdida e da moeda perdida. Qual é, então, o fio condutor das três parábolas que as une de modo a formarem, juntas, como que uma só? A caminhada da diferença para a igualdade pela simbologia dos números: a ovelha perdida era uma ovelha em 100, portanto, o que se estava perdendo era um centésimo do total; a dracma perdida era uma dracma em 10, portanto, um décimo do total. Quanto ao filho perdido era um em dois, ou seja, cincoenta por cento de perda; com certeza, a perda era maior e mais sentida. De fato, cada parábola poderia ser interpretada independentemente das outras e ter a sua interpretação fora do contexto, mas, se assim fosse feito, fugiria do entendimento que Jesus tentou passar para os fariseus e doutores da Lei e do esquema teológico e literário.
Diante dos pecadores que acorriam a Jesus “para escutar” e dos fariseus e doutores da Lei que vinham “para murmurar”, Jesus faz a caminhada da diferença e da distância (simbolizada no 99/1 e do 10/1) até chegar à proximidade e ao acolhimento dos dois irmãos em pé de igualdade (simbolizada no 1/1) no coração do pai, representando claramente cada um dos irmãos uma parte dos que o procuravam: o filho mais novo era os pagãos e os pecadores públicos que não eram aceitos pelos fariseus e doutores da Lei; o filho mais velho era os judeus e especialmente os seus líderes religiosos, fariseus e doutores da Lei que o recriminavam pela sua atitude de acolhimento, como o filho mais velho da parábola recriminou o pai por receber de volta o filho ingrato. Assim, o filho mais velho acaba na parábola por “murmurar” contra o irmão mais novo e o pai, tal como no início estavam a “murmurar” os fariseus e doutores da Lei contra os pecadores e Jesus.
E Jesus contou esta parábola: “Um homem tinha dois filhos. O mais jovem disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, ajuntando todos os seus haveres, o filho mais jovem partiu para uma região longínqua e ali dissipou sua herança numa vida devassa.” (Lc 15,11-13).
Sempre nos identificamos com algum dos personagens nas parábolas que Jesus contava. Sempre somos alguém de quem Jesus fala em seus exemplos. Na parábola do Pai misericordioso, por exemplo, quantos de nós somos iguais ao filho mais moço que chega ao Pai e lhe pede “a parte da herança que lhe cabe”. Ao recebermos a parte da herança que nos cabe, viramos as costas para o Pai e partimos por este mundo a fora à busca de aventuras, cometendo todos os tipos de excessos e esbanjando todos os bens, a saúde, a riqueza que Deus Pai nos cumulou. Muitos de nós tivemos o privilégio de ter nascido no seio de uma família cristã. Na maioria das vezes, os nossos pais tiveram o cuidado de educar-nos e nos orientar para uma vida realmente cristã, iniciando-nos na vida religiosa voltada para as coisas do Reino dos Céus.  Através dos ensinamentos da Igreja tomamos conhecimento do grande amor que Deus Pai tem por todos nós e por cada um de nós, “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho Único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16). Mas, com o passar dos anos e com a suposta e enganadora experiência que julgamos haver adquirido do mundo, começamos a desprezar as coisas de Deus e passamos a nos julgar auto-suficientes, não necessitando mais do amor e dos cuidados do Pai.
E assim nos identificamos com o filho mais moço dessa parábola, que pediu a sua parte da herança ao Pai e partiu por esse mundo de Deus, sem pensar e sem mais se preocupar com a casa do Pai, ignorando que pertencia a uma família, que tinha irmãos com quem deveria caminhar junto, trabalhar e participar para que a casa do Pai, que lhe deu vida, estabilidade, educação, saúde e riqueza, continuasse sólida e acolhedora.
Muitas vezes, como o filho pródigo que, depois que o Senhor nos fez nascer, colocando-nos numa família bem constituída, dando-nos saúde, inteligência, corpo perfeito, visão, audição e o dom de falar, depois que o Senhor nos deu tudo isso e muito mais para colocarmos tudo o que recebemos dele a serviço de sua Igreja e dos irmãos, viramos as costas para o Pai, e vamos gastar a nossa vida, a nossa saúde, os nossos bens, a nossa riqueza bem longe do Pai e da sua casa. Depois, só nos lembramos do Pai quando estamos necessitados, abandonados, velhos, doentes, quando já gastamos inútil e estupidamente todos os dons, bens e riquezas com que o Pai nos cumulou. Só voltamos para o Pai quando vemos que não temos mais condições de ter uma vida digna se não for com a ajuda do próprio Pai, esquecendo-nos da advertência de Jesus: “sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15,5), como aconteceu com o filho mais moço que “gastou tudo. Sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar privações. Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para o seu campo cuidar de porcos. O rapaz queria matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas nem isso lhe davam”. (Lc 15,14-16). Afastando-se da casa do Pai, deixando de partilhar de sua mesa (Eucaristia) só resta comer comida de porcos, e isso ainda quando sobra, quando lhe dão. E, caindo em si, disse: “Quantos empregados de meu Pai tem pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome! Vou-me embora procurar o meu Pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.  Trata-me como um dos teus empregados.” (Lc 15,14-19).
Quantos filhos de Deus, já em situações difíceis e aparentemente irremediáveis, ou no ocaso da existência, fazem uma retrospectiva de sua vida e chegam à conclusão, como o filho mais moço amargamente concluiu:  “...Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho."  (Lc 15,18-19), e, nesse estado de desespero, solidão e abandono, seguem o exemplo do filho mais moço que: "partiu, então, e foi ao encontro do Pai.”  (Lc 15,20).                 
Com a nossa maneira de pensar, com os nossos critérios e facilidades em julgar e com a nossa tendência inconsequente em condenar e desconhecendo o grande amor que Deus Pai tem por todos nós e por cada um de nós, concluiríamos logo que o Pai não deveria receber mais em sua casa esses filhos ingratos e deveria fazer com que eles amargassem a vida que escolheram e morressem longe da casa do Pai. Assim pensou o filho mais velho da parábola; assim pensamos nós.
Quando vemos que já não temos mais condições de viver uma vida devassa, a exemplo do filho pródigo, voltamos correndo para a casa do Pai. E, ainda na estrada empoeirenta e com um sol causticante, de longe já avistamos o Pai de Misericórdia, de braços abertos na soleira da porta nos aguardando e, quando ele nos vê ao longe, sai correndo, cheio de compaixão, abraça-nos e nos cobre de beijos.  Então, cheios de vergonha e com pretensa humildade, diríamos, como o filho pródigo: “Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.” (Lc 15,21). E o filho que havia abandonado a casa do Pai, gastado numa vida devassa toda a sua riqueza e os seus bens, vai ao encontro do Pai, e lhe diz: “Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.’ Mas o Pai disse aos seus servos: “Vão depressa, trazem a melhor túnica e revestem-no com ela, ponham-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Tragam o novilho cevado e matem-no; comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado! E começaram a festejar.” (Lc 15,20-24).
O Pai dá quatro ordens aos criados: em primeiro lugar determina que o filho que retornava fosse vestido da melhor túnica, que significa uma alta distinção; só se vestia bem quem fosse o filho do patrão. Esta nova vestimenta simboliza o tempo da salvação, como a veste branca do batismo e a veste do banquete nupcial (Mt 22,1-14). Em seguida manda que lhe coloque no dedo um anel, investindo assim, o filho, de plenos poderes, considerando que o anel revela a dignidade da pessoa. Em terceiro lugar, que lhe coloquem sandálias nos pés. Sandálias, para a época, era um luxo que somente o homem livre as usava. O filho não deve mais andar de pés descalços no chão como um escravo. Mandou, também, que trouxessem um novilho cevado para festejar, porque carne só se comia em ocasiões especiais. Felizmente, para nós, filhos ingratos, os pensamentos de Deus não são os pensamentos dos homens; a justiça de Deus não é a justiça dos homens; o modo de agir de Deus não é o mesmo modo de agir dos homens.             
E o Pai, como fez com o filho que voltava, não nos deixa terminar de falar, não ouve essa nossa observação e enche-se de júbilo pelo nosso retorno e manda que se faça uma grande festa, nos troque de roupa, nos tire os trajes do pecado da violência, do crime, da auto-suficiência e nos coloque a roupa da graça, e diz para que todos o ouçam: “comamos e festejemos, pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado.” (Lc 15,23-24),                  
Assim é o Pai; assim é a misericórdia de Deus. Quando é que vamos resolver voltar para a casa do Pai? Pensemos nisso enquanto temos tempo porque um dia chegará que não mais teremos tempo. O momento é esse; o momento é agora. O Pai está na soleira da porta com os braços abertos e com o coração cheio de misericórdia e compaixão. Basta que queiramos voltar e ele nos receberá com abraços, com beijos e mandará preparar para nós, os filhos pródigos e ingratos, uma grande festa, porque “haverá mais alegria no céu por um só pecador que se arrependa do que por noventa e nove justos que não precisam de arrependimento.” (Lc 15,7).
Mas, como em tudo existe um “mas”, nesta parábola do Pai misericordioso narrada por Jesus, não poderia ser diferente; contrastando com a misericórdia do Pai, aparece a incompreensão e dureza de coração do filho mais velho, que ao ver a generosidade do Pai em relação ao filho mais moço, não somente desaprovou e ficou com muita raiva e não queria entrar em sua casa onde se promovia a festa em comemoração ao retorno do filho mais moço, e assim nos relata Jesus esse episódio: “Seu filho mais velho estava no campo. Quando voltava, já perto de casa, ouviu musicas e danças. Chamando um servo, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Este lhe disse: ‘É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde’. Então ele ficou com muita raiva e não queria entrar. Seu pai saiu para suplicar-lhe. Ele, porém, respondeu a seu pai: ‘Há muitos anos que eu te sirvo, e jamais transgredi um só de teus mandamentos, e nunca me deste um cabrito para festejar com meus amigos. Contudo, veio esse teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, e para ele matas o novilho cevado’.” (Lc 15,25-30).
Dentre todas as parábolas de Jesus, a que mais destaca a misericórdia de Deus com o pecador, é essa, a do Pai misericordioso. Para entendê-la, não basta apenas lê-la; se faz necessário meditá-la com carinho, e assim verificamos que, cada um de nós somos integrantes dessa parábola: - ou somos o filho pródigo que deixou todos os bens da casa do Pai, virou as costas para o Pai para viver a vida que gosta e gastou toda riqueza que o Pai lhe deu;  ou somos o filho mais velho que não aceita o amor do Pai e nem o arrependimento do irmão mais novo que retorna à casa do Pai, arrasado, abatido, descrente do mundo; somos o irmão mais velho  que quer ver o irmão mais novo castigado e entregue à sua própria sorte, longe da casa do Pai. Nessa parábola não temos muita escolha; ou somos o filho mais moço, ou somos o irmão mais velho.
Nessa passagem é patente a ganância do homem, que nunca está contente com o que tem que, embora tenha recebido tudo das mãos de Deus, ainda quer ter sempre mais e mais e está sempre à busca de aventuras, não se importando que essas aventuras o afaste cada vez mais do Pai, o faz perder tudo o que tem de nobre, tudo o que recebeu das mãos do Pai. Esse é o irmão mais moço. O irmão mais velho é aquele que não saiu da casa do Pai, que há muitos anos serve ao Pai e jamais transgrediu um só de seus mandamentos; mas, infelizmente, o irmão mais velho é o homem ou mulher que não sabe perdoar, que não sabe aceitar a atitude de amor e misericórdia do Pai e chega ao cúmulo de criticar o Pai quando ele perdoa o filho que erra e volta arrependido. O irmão mais velho aparenta ser trabalhador, dedicado, gente boa, gente de observância, mas gente incapaz de ter um coração de misericórdia, de alegrar-se com a volta do irmão que estava perdido.
Como a nossa Igreja está cheia de “irmãos e irmãs mais velhos...”. Quantos irmãos e irmãs mais velhos, como esse, temos no nosso meio, na nossa Igreja. Irmãos que nasceram na Igreja, foram criados e educados à luz dos ensinamentos evangélicos, que jamais transgrediram sequer um só mandamento de Deus, que não abandonaram a casa do Pai, mas, que se sentem e se julgam donos da igreja e no direito de dizer se o Pai deve ou não perdoar. Irmãos e irmãs que querem decidir quem vai para o céu ou quem vai para o inferno, mostrando, com suas atitudes, que a misericórdia do Pai não está com nada...
Quando se trata de perdoar um irmão que erra, que se arrepende, receber de volta um irmão que havia se afastado da verdade, o irmão mais velho emburra, revolta-se, e não aceita que aquele irmão que retorna participe com ele da misericórdia do Pai.  Para esse irmão mais velho a lei está acima do amor e da fraternidade, esquecendo-se que "Deus enviou seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele." (Jo 3,17).
Quantos de nós, como o filho mais velho, não arredamos pé da Igreja, participamos de todos os ritos, liturgia, cultos, movimentos, grupos, reuniões, mas não perdoamos o irmão que erra, que se penitencia e que quer voltar. Olhamos com pouco caso para o irmão que não comunga conosco a mesma fé, que não frequenta a nossa Igreja, que não pensa como pensamos. Não aceitamos a volta dos que se afastaram e agora, mais amadurecidos, retornam.  Não perdoamos as falhas dos nossos familiares. Nós mesmos nos colocamos uma auréola de santidade e nos alistamos entre os filhos honestos (a exemplo dos fariseus e doutores da Lei), sempre prontos para condenar aqueles que transgrediram as leis de Deus, da Igreja ou da sociedade e tentamos bloquear a entrada da casa do Pai para os irmãos que voltam arrependidos. Para quem assim age, Jesus tem duras palavras: “Ai de vocês... hipócritas, porque vocês bloqueiam o Reino dos Céus diante dos homens! Pois vocês mesmos não entram, nem deixam entrar os que querem fazê-lo!” (Mt 23,13).
Quando lemos e meditamos essa parábola do Pai misericordioso, somente observamos os erros, atitudes e ingratidões do filho mais moço. Jamais paramos para observar o coração de pedra do filho mais velho que se diz obediente e observador dos mandamentos do Pai, daquele que se julga justo e santo, mas não aceita a volta do irmão mais moço, e nem lhe perdoa os erros do passado e, ainda por cima, recrimina a misericórdia do Pai. Somos nós o filho mais moço que deixou a casa do Pai e agora sente a necessidade de voltar, ou somos o filho mais velho, que nunca se afastou da casa do Pai, que serviu ao Pai a vida inteira e agora não aceita a volta, o arrependimento do filho mais moço e a misericórdia do Pai?              
Independentemente do julgamento e da maneira de pensar do filho mais velho, o Pai continua na soleira da porta, de braços abertos, tanto para receber o filho mais moço que volta arrependido, como para perdoar as intransigências do filho mais velho, que não compreende a imensidão da misericórdia do Pai. Basta que cheguemos à conclusão do que somos e depois nos atirarmos nos braços misericordiosos do Pai para que ele nos receba de novo em sua casa, em seu coração. Na volta do filho pródigo o Pai não lhe perguntou por onde andou, o que fez com a sua fortuna, como gastou o seu dinheiro. O Pai não fez o que muitos pais da terra fariam: não permitiriam que seu filho adentrasse sua casa porque ele fora ingrato e gastara toda uma fortuna que seu pai levara uma vida inteira de sacrifícios para adquirir. Quando o filho ingrato retorna o Pai não o repreende e nem faz nenhum comentário, mas o acolhe generosamente. O Pai não diz uma única palavra de reprimenda quando reencontra o filho; os seus sentimentos e o seu amor são transmitidos por gestos: corre ao encontro do filho que retorna, abraça-o efusivamente e o cobre de beijos.
Nesta cena se percebe que a figura do Pai é de um pai que perdoa e devolve aos seus filhos a dignidade perdida. O Pai apenas se preocupou com o bem-estar de seu filho e alegrou-se com a sua volta, fazendo para ele uma grande festa.
O Pai não vai somente ao encontro do filho que voltava. Ele também vai ao encontro do filho que ficara, o filho mais velho. Quando o filho mais velho, enciumado, protestou contra a recepção dada ao irmão que retornava o Pai também teve para ele palavras de amor, compreensão e misericórdia. O filho mais velho revolta-se, porque sempre esteve com o Pai, jamais abandonou o Pai em circunstância alguma, jamais desobedeceu qualquer ordem ou mandamento que o Pai lhe tenha imposto, e reclama porque nunca lhe fora dado sequer um cabrito para que ele pudesse comer com seus amigos e agora que chegou “esse teu filho”, ingrato (ele não diz “meu irmão” e sim, “teu filho”), que devorou todos os seus bens com prostitutas, o Pai o recebe com festas e mata para ele um novilho gordo. Mas o pai não se deixa envolver com a indignação do filho mais velho.
A misericórdia do Pai se estende também ao irmão mais velho. Não o exclui. O Pai desconsidera a revolta desse filho. O irmão mais velho não mais reconhece o irmão mais novo como irmão, mas o trata como “filho de seu pai”: “quando chegou esse teu filho” (Lc 15,30). O Pai também vai ao encontro desse filho mais velho para mostrar-lhe que ele é Pai de ambos os filhos e que estes devem ser fraternos: “Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado.” (Lc 15,32).
A misericórdia de Deus não exclui ninguém, mas constrói a fraternidade a partir dos excluídos, das vítimas. Mas, mesmo julgado e criticado por seu filho mais velho, o Pai não se exalta, não se irrita, mantém a calma e deixa transparecer, ainda mais claramente, a sua misericórdia, e, colocando sua mão cheia de amor no ombro de seu filho revoltado, lhe diz: “Filho, vocês está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu. Mas era preciso que festejássemos e nos alegrássemos, pois esse seu irmão estava morto e tornou a viver; ele estava perdido e foi reencontrado.” (Lc 15,31-32).                  
Jesus Cristo veio até nós para nos revelar a misericórdia do Pai. Jesus é a misericórdia personificada do Pai. A humanidade toda se identifica ou com o filho pródigo ou com o filho mais velho, e, qualquer que seja o exemplo que sigamos, somos pecadores e não teríamos condições de permanecer na casa do Pai se não fosse a sua misericórdia, a sua compreensão, o seu perdão.        
Por tão grande que seja o nosso pecado, a misericórdia do Pai é sempre muito maior; “onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça” (Rm 5,20). Deus é Pai, um Pai de Misericórdia.
A misericórdia está acima da justiça. Se o Senhor Nosso Deus fosse aplicar em nós a sua justiça, não tenhamos dúvidas, estaríamos irremediavelmente perdidos.
O Pai é justo, justíssimo, mas, acima de tudo, é misericordioso, e a sua misericórdia o impede de aplicar a sua justiça em nós, míseros filhos ingratos. Por justiça o filho mais moço não deveria ter sido recebido de volta na casa do Pai. Por justiça o filho mais velho deveria ser castigado por sua insolência, por sua irreverência e por sua pretensão de querer julgar as atitudes do Pai. Mas, Deus, acima de tudo é justo, é misericordioso, e a sua misericórdia foi que superou a justiça.
Por misericórdia do Pai foi-nos mandado seu Filho Único e muito amado para reconduzir-nos à casa do Pai, porque “Deus enviou seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele.” (Jo 3,17).
Qualquer que tenha sido a nossa vida; quaisquer que tenham sido as nossas faltas, os nossos erros, os nossos pecados, o Pai continua na soleira da porta, de braços abertos a nos esperar. Assim que tomarmos a decisão e a iniciativa de voltar para a casa do Pai, não tenhamos dúvidas, ele nos receberá de braços abertos, nos abraçará, nos beijará, ainda que estejamos cheirando a porcos, e nos vestirá com uma roupa limpa e nova, nos colocará um anel em nosso dedo e uma sandália em nossos pés, e fará para nós um grande banquete.

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