IV DOMINGO DA PÁSCOA
“... EU GARANTO A VOCÊS: EU SOU A PORTA DAS
OVELHAS”. (Jo 10,7b).
Diácono Milton Restivo
Este IV Domingo da Páscoa é chamado de o
Domingo do Bom Pastor, mas hoje poderíamos chamar este domingo de “Domingo da
Porta das ovelhas”.
Por interessante que possa parecer, o foco da
leitura do Evangelho não se prende ao Bom Pastor, embora Jesus estivesse
falando dele, e nem é usado esse termo em toda a leitura evangélica, e sim somente
se referindo ao seu adversário, o ladrão, o assaltante, o mercenário,
referenciados nas autoridades religiosas judaicas do tempo de Jesus e em todos
aqueles que se arvoram autoridades em religião e ou teologia, os falsos
profetas que, através de seus ensinamentos dúbios, buscam persuadir as ovelhas
e arrebatá-las do Bom Pastor.
Quando Jesus fala de ladrão, assaltante e
mercenário, refere-se às autoridades religiosas judaicas do seu tempo que
dificultavam o arrebanhamento das ovelhas e incitavam o povo contra Jesus
ameaçando-o de prisão e até apedrejamento (cf Jo 10,31-33.39), culminando com a
sua morte de cruz.
Os fariseus e os escribas e os doutores da Lei
eram, na época de Jesus, os pastores que conduziam o povo de Yahweh, mas de maneira
contrária àquilo que Yahweh esperava para o seu povo, e isso o profeta Ezequiel
já os condenava no seu tempo: “Ai dos pastores de Israel, que são pastores
de si mesmos. [...] Vocês não procuram fortalecer as ovelhas fracas, não
dão remédio para as que estão doentes, não curam as que se machucam, não trazem
de volta as que se desgarraram e não procuram aquelas que se extraviaram. Pelo
contrário, vocês dominam com violência e opressão. [...] Por isso,
vocês, pastores, ouçam a palavra de Yahweh: juro por minha vida – oráculo do
Senhor Yahweh: minhas ovelhas se tornaram presa fácil e servem de pasto para as
feras selvagens. Elas não têm pastor, porque os meus pastores não se preocupam
com o meu rebanho. Por isso, pastores, ouçam a palavra de Yahweh! Assim diz o
Senhor Yahweh: vou me colocar contra os pastores. Vou pedir contas a eles sobre
o meu rebanho e não deixarei mais que eles cuidem do meu rebanho. Deste modo os
pastores não ficarão mais cuidando de si mesmos. (Ez 34,2b.4.7-10a).
Isso deixa claro o porque Deus serviu-se da
figura do pastor para expressar a sua relação de amor para com a humanidade.
O Salmo desta liturgia transmite o cuidado e o
amor que Yahweh tem para com o seu povo e o salmista, manifestando os anseios
de toda a humanidade, chama a Yahweh de seu pastor, colocando nele toda a sua
confiança e segurança: “Yahweh é meu pastor. Nada me falta. [...] Ele
me guia por bons caminhos, por causa do seu nome.” (Sl 22,1.3).
O título de pastor é dado a todos aqueles que
representam Deus no meio do povo: reis, sacerdotes, mandatários governamentais,
etc. Mas, muitos usam mal essa prerrogativa e fazem de sua missão divina de
pastor motivo de opressão e descaminho para o povo de Deus.
O que deveria ser imagem de proteção e
segurança, muitas vezes transforma-se em exploração e opressão, e ai a figura
do mau pastor se destaca, passando a ser ladrão, assaltante e mercenário isto
é, fazem da missão sagrada de pastor um meio de sobrevivência e proveito
próprio.
Este preâmbulo teve por objetivo deixar claro
que, sempre que buscamos ler ou meditar uma passagem bíblica
temos o péssimo defeito de nos ater somente nas perícopes ou versículos que
estamos lendo ou que nos interessam de imediato.
Não nos preocupamos com o que veio antes e nem com o que é relatado
depois. Seria como se os fatos anteriores não tivessem acontecido ou o que vem
a seguir não nos interessasse.
É uma pena que, nas homilias, os nossos pastores não tenham a
preocupação de associar os acontecimentos evangélicos lidos na celebração
dentro do contexto, relacionando-as com o que já fora dito anteriormente a
respeito ou com as demais leituras abordadas trazendo-as para a realidade dos
nossos dias. Justificam-se dizendo que o tempo dedicado à homilia é escasso,
mas muitas vezes abordam temas que nada tem a ver com o texto evangélico.
Por que Jesus teria dito: “Eu garanto a vocês: aquele que não entra
pela porta do curral das ovelhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e
assaltante”? (Jo 10,1). Para que isso seja entendido há a necessidade de voltar-se
ao capítulo 9 de João, onde Jesus cura um cego de nascença e, por isso, tem um
entrevero sério com as autoridades religiosas judaicas, os pastores do povo.
Após o cego de nascença ter sido curado por Jesus, foi expulso do
ambiente religioso dos judeus, a sinagoga, (Jo 9,34) por ter acreditado e
defendido Jesus.
As autoridades religiosas judaicas, por não aceitarem Jesus como o
Messias, ainda que tivessem sido testemunhas oculares por terem visto um cego
de nascença que esmolava no meio deles passar a enxergar, não conseguiram
enquadrar os ensinamentos de Jesus nas suas práticas religiosas e teológicas que
lhes traziam benefícios financeiros e “status” e, por isso, foi mais fácil
ignorar e combater as maravilhas que Deus faz no meio do seu povo do que
admitir que Jesus fosse o Enviado do Pai e, em consequência disso, Jesus os
adverte severamente, dizendo: “Se vocês fossem cegos, não teriam nenhum
pecado. Mas como vocês dizem: ‘Nós vemos’, o pecado de vocês permanece” (Jo
9,41).
O pior cego é aquele que diz enxergar e que não quer ver as verdades que
vão de encontro com suas concepções religiosas. Faz-se cego para o caminho
indicado pelo Filho de Deus, que é o próprio caminho, para a verdade
transmitida pela Palavra de Deus que existia desde o começo e que estava
voltada para Deus (cf Jo 1,1) e para a vida para ser vivida em abundância,
trazida pelo bom pastor (cf Jo 10,10).
Quantas autoridades religiosas do estilo daquelas do tempo de Jesus
temos nos nossos dias: ainda que seja em benefício da verdade e da promoção
humana, relutam em reconhecer que são mercenários e desviam as ovelhas do
caminho que deveriam seguir, roubando-as do Bom Pastor.
Para tanto, para não ser tão direto e não chocar os que dizem enxergar,
mas que não querem ver, e se fazer entender pelos “pobres em espírito...
mansos... puros de coração... os que promovem a paz” (cf Mt 5,3,9), Jesus
se vê obrigado a usar de metáforas, tais como: “Eu sou a porta das ovelhas [...]
Eu sou a porta. Quem entra por mim, será salvo. [...] Eu sou o bom
pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10,7.9.11.14), ou
ainda mais: “eu sou o pão vivo que desceu do céu” (Jo 6,51) e ou “Eu
sou o Caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo
14,6). Por Jesus falar dessa maneira, “as autoridades dos judeus pegaram
pedras outra vez para apedrejar Jesus” dizendo que Jesus blasfemara porque
ele era apenas um homem e queria se fazer passar por Deus (cf Jo 10,31-33) e “eles
tentaram outra vez prender Jesus, mas ele escapou das mãos deles” (Jo
10,39).
É muito bonito, poético e até romântico ouvir Jesus dizer que é a porta
das ovelhas, que é o bom pastor, que é o pão vivo descido do céu, que é o
caminho, a verdade e a vida, mas ignoramos o que Jesus passou por essas
afirmativas, até colocando em risco sua própria vida, na eminência de ser
apedrejado, e ter que refugiar-se, buscando abrigo e segurança em outros
lugares (cf Jo 10,40-42).
Pelos fatos acontecidos por ocasião da cura do cego de nascença,
narrados no capítulo 9, Jesus é enérgico e deixa claro qual o caminho a seguir
por quem quer “agir na integridade e praticar a justiça, que fala
sinceramente o que pensa e não usa a língua para caluniar; quem não prejudica o
seu próximo e não difama ao seu vizinho; quem despreza o injusto e honra os que
temem a Yahweh; quem sustenta o que jurou, mesmo com prejuízo seu; quem não
empresta dinheiro com juros, nem aceita suborno contra o inocente” (Sl 15).
Para os que agem assim, Jesus indica o único caminho a seguir: “Eu
sou a porta das ovelhas. [...] Eu sou a porta. Quem entra por mim será
salvo. Entrará, e sairá, e encontrará pastagem [...] Eu vim para que
tenham vida e a tenham em abundância”. (Jo 10,7b.9.10b).
Jesus diz que as ovelhas ouvem a voz do pastor e o pastor as chama, a
cada uma pelo seu próprio nome: “... as ovelhas ouvem a sua voz; ele chama
cada uma de suas ovelhas pelo nome e as conduz para fora”. (Jo 10,3).
Mais adiante Jesus reafirma isso: “Minhas ovelhas ouvem a minha voz,
eu as conheço, e elas me seguem. Eu dou a elas a vida eterna, e elas nunca
morrerão. Ninguém vai arrancá-las de minha mão”. (Jo 10,27-28).
Jesus não fica só em retórica; ele diz a que veio: “Eu sou o bom
pastor: o bom pastor dá a vida por suas ovelhas”. (Jo 10,11), ratificando
aquilo que já havia dito na conversa que tivera com Nicodemos: “Pois Deus
amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o que
nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu
Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo
por meio dele”. (Jo 3,16-17).
Para aqueles que relutam em seguir o Bom Pastor ou, como as autoridades
judaicas, dificultam o pastoreio do Bom Pastor, Jesus tem uma advertência: “Mas
vocês não querem vir a mim para terem a vida eterna”. (Jo 5,40) e alerta: “Aquele
que acredita no Filho, possui a vida eterna. Quem rejeita o Filho nunca verá a
vida, pois a ira de Deus permanece sobre ele”. (Jo 3,36).
Jesus é categórico quando afirma que conhece
cada ovelha pelo nome e todas as ovelhas conhecem a sua voz, ouvem a sua voz e
o seguem: “... as ovelhas ouvem a sua voz; ele chama cada uma de suas
ovelhas pelo nome e as conduz para fora”. (Jo 10,3). “Minhas
ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço, e elas me seguem. Eu dou a elas a
vida eterna, e elas nunca morrerão. Ninguém vai arrancá-las de minha mão”. (Jo
10,27-28).
A relação do Bom Pastor com as suas ovelhas é muito pessoal. A ovelha
não é mais uma no meio da multidão, mas é única no coração do Bom Pastor.
O Bom Pastor ama tanto as suas ovelhas que tem gravada cada uma na palma
de sua mão.
Antes de Jesus usar a metáfora do Bom Pastor, o profeta Isaias,
para demonstrar o grande amor que o Pai, o dono do rebanho, tem por suas
ovelhas, recorre à figura materna com os seus cuidados e amor em relação aos
seus filhos: “Pode a mãe se esquecer do
seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas?” (Is 49,15a).
Mas Isaias não para por ai, vai além, e chega ao âmago do amor extremado de
Deus, retratado no Bom Pastor, por seus filhos: “Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você” (Is
49,15b).
Através do
profeta Isaias, Yahweh continua declarando o seu amor por suas ovelhas, e diz: “Eu tatuei você na palma de minha mão”
(Is 49,16a). E foi isso que o Bom Pastor, recordando Isaias, quis dizer, quando
disse: “... as ovelhas ouvem a sua voz; ele chama cada uma de
suas ovelhas pelo nome e as conduz para fora”. (Jo 10,3). Gravar ou
tatuar é colocar uma imagem de uma pessoa amada, permanente, indelével e
impossível de ser apagada. A pessoa que tem alguém tatuado em sua pele tem por
objetivo manifestar o seu amor e para jamais se esquecer da pessoa retratada na
tatuagem.
E o Bom Pastor tem
a cada uma de suas ovelhas tatuada na palma de sua mão para não ter como se
esquecer de cada uma delas. Pode haver lugar do corpo mais visível para a
própria pessoa do que a palma da mão? E é na palma de sua mão que o Bom Pastor
diz ter tatuado o nome de cada ovelha e o seu semblante. Maior do que o amor de
mãe, só o amor do Pai, do Bom Pastor, amor que “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,7).
O amor do Bom
Pastor por suas ovelhas é extremado: “Assim como o Pai me amou, eu também
amei vocês. Permaneçam no meu amor. [...] Não existe amor maior do que
dar a vida pelos amigos”. (Jo 15,9.13).
A ovelha fiel ignora as vozes dos ladrões, assaltantes e mercenários, e
só ouve ao chamado do Bom Pastor. A que voz que cada um de suas ovelhas, está
ouvindo e seguindo nos dias de hoje? Não seria a voz do consumismo, da
alienação, da discriminação, dos elogios baratos? A voz dos ladrões do
mundo está ai, roubando das ovelhas a dignidade, a alegria, a pureza, a fé. E o
que está sendo feito?
Jesus é a porta das ovelhas. Somente ele é a
porta das ovelhas por onde os pastores, por ele designado, deverão conduzir
suas ovelhas.
Santo Tomás de Aquino (1225-1274) diz que “Ninguém
pode dizer que é a porta porque Cristo reservou esse título para si. Mas o
título de pastor, ele o comunicou a outros, deu-o a alguns dos seus membros.
Com efeito, Pedro também o foi, e os outros apóstolos, bem como todos os
bispos. ‘Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração’, disse Jeremias (3,15).”
Quando Jesus se
preparava para voltar para o Pai, designou Pedro para pastor de suas ovelhas e,
para tanto, queria se certificar se Pedro o amava de verdade: “Simão,
filho de João, você me ama mais do que estes outros”? Pedro respondeu: ‘Sim,
Senhor, tu sabes que te amo”. Jesus disse: ‘Cuida das minhas ovelhas’”. (Jo 21,15).
Jesus mostra o
desejo de que nossos pastores, nossas lideranças tenham amor por ele, não sejam
ladrões, assaltantes ou mercenários e assim possam ter o compromisso de amar e
cuidar das ovelhas que foram a eles confiadas, para que nenhuma delas se perca.
O Santo papa João
Paulo II afirmou: “No decorrer
dos séculos, os sucessores dos apóstolos, conduzidos pelo Espírito Santo,
continuaram a reunir o rebanho de Cristo e a conduzi-lo para o Reino dos Céus,
conscientes de que só podiam assumir tal responsabilidade ‘por Cristo, com
Cristo e em Cristo’.”.
Quando Jesus, como o Bom Pastor, pressentia
que seu fim estava chegando, procurava dar confiança aos seus discípulos, às
suas ovelhas, como um pastor amoroso, dirigindo-lhes palavras de coragem, de
ânimo, de conforto e de fé de que ele jamais os abandonaria: “Não fique perturbado o
coração de vocês. Acreditem em Deus e acreditem também em mim. Existem muitas
moradas na casa de meu Pai. Se não fosse assim, eu lhes teria dito, porque vou
preparar um lugar para vocês. E quando eu for e lhes tiver preparado um lugar,
voltarei e levarei vocês comigo, para que onde eu estiver, estejam vocês
também. [...] As palavras que digo a
vocês, não as digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim, ele é que
realiza suas obras.Acreditem em mim: eu estou no Pai e o Pai está em mim”. (Jo 14,1-3.10b-11a).
Nenhum comentário:
Postar um comentário