XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – Verde; Leituras: Jr 20,7-9; Sl 62; Rm
12,1-2; Mt 16,21-27.
“E VOCÊS, QUEM DIZEM QUE EU SOU?” (Mt 16,13-23).
O profeta
Jeremias volta novamente na nossa liturgia e, desta feita, para fazer uma
queixa a Yahweh. A impressão que se tem é que Jeremias está revoltado contra
Deus e deixa transparecer que Yahweh é responsável pelos transtornos que vem
sofrendo. Jeremias deixa claro a força de sedução de Yahweh e ele confessa que
não resistiu a essa sedução: “Tu me
seduziste, Yahweh, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte que eu e venceste” (Jr
20,7a). Mas, a seguir, Jeremias faz uma sentida queixa: “Sirvo de piada o dia todo e todo mundo caçoa de mim” (Jr 20,7b).
A princípio,
Jeremias deixa transparecer que a presença de Yahweh em sua vida foi doce e
maravilhosa, mas quando ele tenta transmitir ao povo os desejos de Yahweh, esse
povo o maltrata e faz chacota dele. Deixa claro que sua missão tornara-se um
pesadelo devido à rejeição sofrida por parte de seus ouvintes que desejavam sua
total destruição (18,19-23) e, quando ele transmite as palavras de Yahweh o
povo o contesta, gritando: “Violência!
Opressão!” (Jr 20,8a), e reclama que “A
palavra de Yahweh ficou sendo para mim motivo de vergonha e gozação o dia todo”
(Jr 20,8b).
Mais tarde
Jesus, também se sentindo rejeitado na sua própria cidade como Jeremias foi no
meio do seu povo, desabafaria: “Eu
garanto a vocês: nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 04,24).
A oposição dos
homens sempre foi um dos eventos mais provocadores do sofrimento do profeta. Não
é por acaso que os profetas sentem-se ameaçados. São sempre tachados em seu
contexto, são chamados de loucos, traidores da pátria, outras vezes precisam
fugir, são presos ou expulsos de onde estão profetizando, ou chegam ao extremo
quando são martirizados.
Mesmo assim as
mensagens dos profetas são transmitidas e suas missões completadas.
Mais adiante
Jeremias, superando a revolta, lança um grito de esperança: “Yahweh, porém, está ao meu lado como
valente guerreiro. Por isso, aqueles que me perseguem tropeçarão e não
conseguirão vencer; eles ficarão profundamente envergonhados, porque não terão
êxito, e a vergonha deles será eterna e inesquecível. [...] Cantem a Yahweh, louvem a Yahweh, pois ele
livrou a vida do pobre das mãos dos malvados” (Jr 20,11.13).
O Salmo 62
parece vir em socorro dos profetas perseguidos, dando alento e confiança para
que exerçam com coragem e denodo a sua missão: “Só em Deus a minha alma repousa, porque dele vem a minha salvação. Só
ele é a minha rocha e minha salvação, a minha fortaleza: jamais serei abalado! [...]
A Deus pertence o poder, e a ti, Senhor,
pertence o amor, porque tu pagas a cada um conforme suas obras” (Sl
62,2-3.12b-13).
Paulo, na
segunda leitura, define o culto espiritual autêntico: “Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que vocês ofereçam os próprios
corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12,1). Aos
corintos Paulo dirá: “Vocês não sabem que
são templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vocês? Se alguém destrói o
templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo
são vocês” (1Cor 3,16-17).
Na carta aos
efésios Paulo incentiva a todos a serem imitadores de Deus, preservando o corpo
de toda impureza, trazendo uma série de exortações para que o os cristãos vivam
autenticamente a sua fé: “Sejam
imitadores de Deus como filhos queridos. Vivam no amor, assim como Cristo nos
amou e se entregou a Deus por nós, como oferta e vítima, como perfume
agradável. Fornicação, impureza e avareza não sejam nem assunto de conversa
entre vocês, pois isso não convém ao cristão. O mesmo se diga a respeito de
piadas indecentes, picantes ou maliciosas. São coisas inconvenientes. Em vez
disso, dêem graças a Deus. Estejam certos de uma coisa: nenhuma pessoa imoral
impura ou avarenta – pois a avareza é uma idolatria – jamais terá herança no
reino de Cristo e de Deus” (Ef 5,1-5).
E, na primeira
carta aos corintos, Paulo defende a pureza do corpo que deve ser oferecido “como sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus”: “Vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se
iludam! Nem os imorais, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os depravados,
nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os
bêbados, nem os caluniadores irão herdar o Reino de Deus. [...] “Fujam da imoralidade. Qualquer outro
pecado que o homem comete é exterior ao seu corpo; mas quem se entrega à
imoralidade peca contra seu próprio corpo. Ou vocês não sabem que o seu corpo é
templo do Espírito Santo, que está em vocês e lhes foi dado por Deus? Vocês já
não pertencem a si mesmos” (1Cor 6,9-10.18-19). O Evangelho desta liturgia é a leitura imediata do Evangelho de domingo
passado.
A leitura do Evangelho de hoje causa-nos espanto. Jesus
demonstra revolta contra uma atitude impensada e inconsequente de Pedro.
Para entendermos bem essa passagem, há a necessidade de
lermos este Evangelho, no seu capítulo 16, dos versículos de 13 a 23, senão a
leitura fica obscura.
Dos versículos 13 a 20, que meditamos no domingo passado,
Jesus pergunta aos discípulos que o povo acha que ele é e, depois, voltando-se
para os discípulos, faz a pergunta: “E
vocês, quem dizem que eu sou?” (Mt 16,15), tendo Pedro tomado a palavra e
falado por todos os discípulos: “Tu és o
Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), tendo Jesus, em virtude disso,
enaltecido a atitude de Pedro, dizendo: “Você
é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou
isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e
sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá
vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra
será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu! (Mt
16,17-19).
Nessa oportunidade Pedro professa a sua fé, e Jesus
coloca nas mãos de Pedro o destino da dua Igreja. A partir dai Jesus começa a
mostrar aos seus discípulos os sofrimentos pelos quais ele deveria passar para
que o Reino de Deus viesse para os homens.
Pedro, talvez empavonado pelas palavras de Jesus que o
enalteceu, enchendo-se de orgulho e vaidade, tem a petulância de repreender a
Jesus que havia dito que “devia ir a
Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos
doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia” (Mt
16,21). Pedro não se conteve com essa afirmativa de Jesus e “levou Jesus para um lado, e o repreendeu,
dizendo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça” (Mt
16,22). Dai é que vem o espanto geral. Jesus não se conteve, uma grande
indignação e revolta tomou conta de Jesus que, dirigindo-se a Pedro, faz-lhe
uma dura reprimenda: “Fique longe de mim,
Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensa as coisas de
Deus, mas as coisas dos homens” (Mt 16,23).
O interessante é que, à princípio, Pedro faz uma grande
profissão de fé sobre Jesus, depois Jesus o elogia pela sua atitude e palavras,
depois Jesus fala sobre sua morte e
Pedro o repreende por isso e, a seguir, vem a resposta áspera de Jesus,
chamando Pedro de Satanás e pedra de tropeço.
A palavra
“Satanás”, nas Sagradas Escrituras, nem sempre se refere ao demônio, muito
embora o demônio também seja um Satanás. Satanás quer dizer adversário,
inimigo, contestador, acusador, aquele que busca praticar a divisão entre as
pessoas, um opositor, aquele que se opõe, que faz resistência contra. Satanás é
uma pedra de tropeço no caminho de quem segue os ensinamentos de Jesus. A
palavra Satanás ou Satã em hebraico quer dizer acusador. É um termo originário
da tradição judaico-cristã e geralmente aplicado à encarnação do mal.
Mas, por que
Jesus chamou Pedro de Satanás? Porque Pedro se opôs sobre aquilo que Jesus
afirmou que o caminho para a implantação do Reino neste mundo tem que passar
pela cruz.
Pedro, de fato,
estava se colocando contra Jesus, até intervindo nos planos dele. Da mesma
forma que o diabo ofereceu a Jesus um reino sem o sofrimento da cruz na
tentação do deserto: “O diabo tornou a
levar Jesus, agora para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do
mundo e suas riquezas. E lhe disse: ‘Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares
diante de mim, para me adorar’. Jesus disse-lhe: ‘Vá embora, Satanás, porque a
Escritura diz: ‘Você adorará o Senhor seu Deus e só a ele servirá’” (Mt
4,8-10), Pedro, agora, depois que Jesus o colocou como aquele que o
representaria na terra após a sua volta ao Pai, imaginou a exaltação sem a
paixão, a glória sem o sofrimento, a ressurreição sem a morte. Jesus,
entendendo perfeitamente a vontade do Pai e a sua própria missão, não aceitaria
nenhum atalho. Ele seria exaltado como rei, mas teria que sofrer primeiro na
cruz. Por isso Pedro é Satanás, porque escolheu ser opositor dos planos de
Deus.
É Satanás aquele
que se coloca como opositor, contrário, deliberadamente contestador das coisas
do Pai. E Tiago, na sua carta, explica: "Infiéis, vocês não compreendem que a amizade do mundo é inimiga de
Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de
Deus" (Tg 4,4). E hoje, quantos de nós somos opositores das
coisas de Deus nas nossas comunidades. Com quantos “Satanás” vivemos ou nos
tornamos no nosso dia-a-dia. Ai invés de sermos colaboradores somos opositores
Nas nossas
comunidades existem, pelo menos, três tipos de pessoas a quem, como Jesus fez a
Pedro, poderíamos também rotulá-las como “Satanás”: os bajuladores dos
ministros ordenados, os que se julgam donos da igreja, e os que promovem a
discórdia entre os fiéis através da maledicência, do mexerico, do diz-que-diz.
Os bajuladores
dos ministros ordenados, ou vulgarmente falando, “os puxa-saco do padre” que
julgam que o padre ou o ministro ordenado é sua posse privada, tentando
interferir no trabalho apostólico e pastoral do ministro ordenado e, muitas
vezes, dificultando a aproximação dos outros fiéis ao sacerdote. Muitos, que
teriam necessidade de se aproximar do sacerdote sentem-se inibidos porque vêem
nesses bajuladores uma barreira de proteção que os impedem de ter contato com o
seu pastor. O padre precisa, sim de amigos, verdadeiros amigos que o ajude na
sua missão e fortaleça a sua vocação, mas que não abafe ou sufoque o seu
ministério e que não afaste os fieis de sua pessoa.
Os bajuladores
impedem que o ministro ordenado exerça o seu ministério com isenção de
interferências e atrapalham o crescimento espiritual da comunidade. São
“Satanás” porque colocam barreiras para que os demais fiéis possam buscar
conforto no contato com o sacerdote, sendo um opositor, aquele que se opõe contra
o desejo do Pai para aqueles que buscam o conforto da palavra. São pedras de
tropeço para a comunidade.
Os que se julgam
donos da igreja porque ajudaram a construir o prédio da igreja ou do salão
pastoral, ou porque desembolsaram quantias consideráveis para o benefício de
construções ou setores da comunidade, ou porque plantaram aquela árvore na
praça da igreja, ou porque pagam fielmente o dízimo, ou porque são
coordenadores ou presidentes ou agentes desta ou daquela pastoral, ou porque
trabalham em todas as festas e quermesses da comunidade e que estão sempre
contestando qualquer aprimoramento ou melhoria ou reforma nos bens da
comunidade.
Os que se julgam
donos da igreja impedem as melhorias dos bens da comunidade porque acham que
devem continuar como é do seu gosto. São “Satanás” porque não dão oportunidade
aos demais de fazer melhorias necessárias para o bem estar dos fiéis,
contestando os planos de Deus para bem acolher seus filhos na sua casa. São
pedras de tropeço para a comunidade.
Os maldizentes,
fofoqueiros, e que denigrem a moral e os bons costumes da comunidade ou de
integrantes da comunidade, esparramando verdades que deveriam ser preservadas
ou inverdades que maculam a honra de pessoas de bem.
Sobre o mal da
língua, escreve Tiago na sua carta: “Meus
irmãos, não se façam todos de mestres. Vocês bem sabem que seremos julgados com
maior severidade, pois todos nós estamos sujeitos a muitos erros. Aquele que
não comete falta no falar é homem perfeito, capaz de pôr freio no corpo todo.
Quando colocamos freio na boca dos cavalos para que nos obedeçam, nós dirigimos
todo o corpo deles. Vejam também os navios: são tão grandes e empurrados por
fortes ventos! Entretanto, por um pequenino leme são conduzidos para onde o
piloto quer levá-los. A mesma coisa acontece com a língua: é um pequeno membro
e, no entanto, se gaba de grandes coisas. Observem uma fagulha, como acaba
incendiando uma floresta imensa! A língua é um fogo, o mundo da maldade. A
língua, colocada entre os nossos membros, contamina o corpo inteiro, incendeia
o curso da vida, tirando a sua chama da Geena. Qualquer espécie de animais ou
de aves, de répteis ou de seres marinhos, são e foram domados pela raça humana;
Mas nenhum homem consegue domar a língua. Ela não tem freio e está cheia de veneno
mortal. Com ela bendizemos o Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens,
feitos à imagem de Deus. Da mesma boca sai benção e maldição. Meus irmãos, isso
não pode acontecer” (Tg 3,1-12).
Há necessidade
de melhores esclarecimentos ou comentários?
Os maldizentes e
fofoqueiros, denegridores da imagem do próximo e mexeriqueiros são “Satanás”
porque espalham o fogo da desarmonia atrapalhando o projeto de Deus para a
fraternidade na comunidade. São pedras de tropeço para a comunidade.
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