sábado, 9 de junho de 2012

“QUEM BLASFEMAR CONTRA O ESPÍRITO SANTO NUNCA SERÁ PERDOADO”. (Mc 3,29).


X DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; Leituras: Gn 3,9-15; Sl 129 (130); 2Cor 4,15 – 5,1; Mc 3,20-35.

“QUEM BLASFEMAR CONTRA O ESPÍRITO SANTO NUNCA SERÁ PERDOADO”. (Mc 3,29).

Diácono Milton Restivo

Terminamos o tempo da Páscoa e retornamos ao Tempo Comum da liturgia da nossa Igreja. Voltamos a caminhar com Jesus na sua jornada de evangelização.
O Tempo Comum é um período do Ano Litúrgico de trinta e três ou trinta e quatro semanas nas quais são celebrados, na sua globalidade, os mistérios de Cristo. Comemora-se o próprio mistério de Cristo em sua plenitude, principalmente aos domingos. O Tempo Comum convida-nos a descobrir, nas pequenas coisas do dia-a-dia aparentemente comuns, a sua ligação com Jesus Cristo: a oração, o trabalho, as obras de misericórdia, a ação social. De segunda a sábado devemos estar atentos para percebermos os grandes dons de Deus em nossas vidas. Se agirmos assim, os domingos do Tempo Comum se tornarão momentos fortes em nossa vida de fé. O Tempo Comum, portanto, é um período de vigilância e de esperança; daí a escolha da cor litúrgica: verde.

Nesse retorno ao Tempo Comum, a liturgia remete-nos ao primeiro livro das Sagradas Escrituras, o Gênesis, e fala-nos sobre o primeiro deslize do homem e da mulher que, pela primeira vez, desobedeceram ao seu Criador, originando assim o distanciamento da criatura com o seu Criador. Quando o homem (e mulher) está em estado de amizade com Deus, em estado de graça, não se envergonha de permanecer na presença do Senhor, mas quando comete uma desobediência, um pecado, além de afastar-se de Deus, sente vergonha de estar na sua presença, porque se sente nu, nu das vestimentas da graça de Deus, nu das vestes da santidade: “Ouvi a tua voz no jardim e fiquei com medo, porque estava nu; e me escondi.” (Gn 3,10). Não foi isso que o primeiro homem disse ao seu Criador depois de te-lo desobedecido?
Quando nos escondemos de Deus, queremos ficar longe de sua visão, é porque temos consciência de que cometemos algum deslize, alguma desobediência, algum pecado, porque o pecado é exatamente dizer “não” ao plano de salvação de Deus, é dizer não ao próprio Senhor.
Mas, quando cometemos um pecado, uma desobediência, a culpa nunca é nossa; alguém foi o culpado, colocamos a culpa em alguém. Não foi o que aconteceu com o primeiro homem em relação à mulher? “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu o fruto da árvore, e eu comi.” (Gn 3,12). Também foi o que aconteceu com a mulher em relação à serpente, quando Deus lhe perguntou porque fizera aquilo, e a mulher respondeu: “A serpente enganou-me, e eu comi.” (Gn 3,13). Modificou alguma coisa desde a criação do mundo até os dias de hoje?  
Tudo aquilo que origina pecado ou incentiva desobediência ao Criador, merece castigo e é amaldiçoado pelo próprio Criador, e foi o que Deus fez com quem quis fazer o homem igual a Deus: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida!” (Gn 3,14). Não é isso que acontece com todos aqueles que se afastam de Deus por aderir ao pecado? Rasteja como cobra sobre o próprio ventre e come o pó da terra, isto é, coloca-se rente ao chão, no lugar mais distante do Criador, e isso Jesus explicita bem na parábola do Pai Misericordioso (filho pródigo), onde o filho que abandonara a casa do pai passa a viver na miséria e até a comer comida dos porcos que cuidava (cf Lc 15,11-31). A primeira mulher, Eva, desnudou-se e desnudou a humanidade da graça de Deus, e fez com que a humanidade sentisse vergonha de sua nudez diante do Criador. Maria, a mãe de Jesus revestiu a humanidade da roupa da graça e através do fruto do seu ventre, toda a humanidade revestiu-se novamente da graça de Deus. Assim fala a respeito disso São Luiz Maria Grignion de Montfort no seu livro “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”: “O que Lúcifer perdeu por orgulho, Maria ganhou por humildade. O que Eva condenou e perdeu pela desobediência, salvou-o Maria pela obediência. Eva, obedecendo a serpente, perdeu consigo todos os seus filhos e os entregou ao poder infernal; Maria, por sua perfeita fidelidade a Deus, salvou consigo todos os seus filhos e servos e os consagrou a Deus.” Assim como a árvore do Éden possuiu o fruto do pecado e da desobediência, Maria é a árvore que dá o fruto da vida, conforme diz o mesmo santo no mesmo livro: “Jesus é em toda parte e sempre o fruto e o Filho de Maria; e Maria é em toda parte a verdadeira árvore que dá o fruto da vida, e a verdadeira  mãe que o produz.” E o Criador complementa, dizendo à serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Ela te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3,15). Ainda diz São Luiz Grignion de Montfort no seu livro em relação a Maria: “Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável , que não só há de durar, mas aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos  da Santíssima Virgem  e os filhos sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio.”
Será lido ou cantado, nesta liturgia o Salmo 129 (130). Segundo o frei Carlos Mesters, “este Salmo  tem duas partes. A primeira (versículos 1 a 4) traz uma prece em forma de grito que sai do fundo da alma do ser humano. Uma prece que revela uma nova experiência de Deus. Ele é graça e perdão. A segunda parte (versículos 5 a 8) traz o resultado dessa prece, a saber, uma nova atitude de vida, que nasce da experiência de Deus. Essa nova atitude, aqui no salmo, se traduz em esperança e paz, tanto em nível pessoal como em nível de povo.” Este Salmo é um grito de socorro de quem está em desespero por estar acometido de um grande mal, ou do corpo ou da alma: “Das profundezas eu clamo para ti, Yahweh: Senhor, ouve o meu grito. Que os teus ouvidos estejam atentos ao meu pedido por graça! Yahweh, se levas em conta as culpas, quem poderá resistir? Mas de ti vem o perdão, e assim infundes respeito”. (Sl 129 (130),1-4).
A passagem do Evangelho dissertada nesta liturgia traz muitas informações. Diz que “Jesus voltou para casa” (Mc 3,20). Essa casa para a qual Jesus retorna ficava na cidade de Cafarnaum, para onde ele se mudara ao iniciar a sua vida pública: “Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galiléia...” (Mt 4,13; 9,1) onde Jesus ensinava na sinagoga (cf Mc 1,21ss). Pedro e seu irmão André também moravam em Cafarnaum (Mc 1,29; Mt 8,14-15; Lc 4,38-39). Moraria Jesus com Pedro e André? Os evangelhos não deixam isso claro. O assédio das pessoas que buscavam conforto, principalmente físico e material, era tanto que “reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer.” (Mc 3,20). Outra informação prestada neste Evangelho é que os parentes de Jesus, por suas atitudes e mudança, quase que repentina de vida, julgavam que ele estivesse fora de si e foram até Cafarnaum para, possivelmente, trazê-lo de volta a Nazaré (cf Mc 3,21.32). Claro que isso é um assunto importante e requer uma meditação profunda e acurada. Faremos isso numa próxima oportunidade. E Jesus, sem sombra de dúvida, em sua casa, começou a atender as necessidades dos que o procuravam: confortou desesperados, curou doenças, expulsou demônios. Por causa disso, principalmente por expulsar demônios, alguns mestres da Lei, também conhecidos e chamados de doutores da Lei ou escribas que eram todos aqueles que se diziam entendidos nas coisas da Lei de Moisés e que pretendiam ser os chefes espirituais do povo, saíram de Jerusalém para atestar e combater os ensinamentos de Jesus considerando que, por várias vezes Jesus os afrontou e os chamou “hipócritas”, conforme consta em Mateus 23,23-36, e onde Jesus diz, entre outras coisas: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. [...] Guias cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas... [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão. Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e podridão. [...] Serpentes, raças de cobras venenosas! Como é que vocês poderiam escapar da condenação do inferno?” (Mt 23,13.24-25.27.33). Quem são os fariseus e os doutores da Leis dos nossos dias? Claro que essa raça de gente queria surpreender Jesus em qualquer que fosse o deslize que ele pudesse praticar contra a Lei de Moisés. E eles saíram de Jerusalém e foram até Cafarnaum para esse mistér, não se importando em caminhar por aproximadamente 120 milhas, ou 193 quilômetros, que era a distância entre Jerusalém e Cafarnaum para buscar êxito em sua empreitada. Não somente isso: tiveram que se submeter a atravessar o território da Samaria, que ficava entre a Judéia e a Galiléia, considerando que os samaritanos eram inimigos dos judeus. Eles não podiam perder essa oportunidade. E então, os “mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, dizendo que ele estava possuído por Belzebu e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios.” (Mc 3,22). Não foi por acaso que Jesus os chamou à parte e falou-lhe em parábolas, considerando que Belzebu era, para os doutores da Lei, um vocábulo depreciativo e era tido como “o senhor do esterco”, ou seja, do sacrifício oferecido aos ídolos. E Jesus lhes diz: “Como é que satanás pode expulsar satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído.” (Mc 3,23-26).
Os mestres da Lei não podiam permitir que a popularidade de Jesus tomasse vulto e, como não tinham argumentos para contrapor a isso, desesperadamente buscavam meios para denegrir seus maravilhosos poderes. Finalmente, decidiram alegar que ele expulsava demônios pelo poder do próprio satanás (Mt 12,22-32; Mc 3,22-30; Lc 11,14-23). Jesus, porém, respondeu com três argumentos e uma advertência. Primeiro argumento: satanás não atacaria a si mesmo, pois ninguém luta contra si mesmo. Segundo argumento: satanás não poderia lutar contra o seu próprio reino, pois dividiria o seu reino e ele enfraqueceria e, terceiro argumento: para roubar a casa de um homem forte, tem-se primeiro que amarrá-lo. Expulsando demônios, Jesus estava amarrando satanás, de modo que poderia cumprir sua missão de resgatar àqueles que satanás mantinha cativos. Por fim, Jesus faz uma séria advertência: “Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca será perdoado; será culpado de um pecado eterno.” (Mc 3,28-29).
O que é blasfemar?  Blasfemar é insultar, afrontar, injuriar, difamar. Noutras palavras, é uma ofensa extremamente grave. A blasfêmia contra o Espírito Santo foi o mais terrível pecado do qual o incrédulo povo de Israel se fez culpado. Esse povo atribuiu a satanás o poder do Espírito Santo do qual Jesus estava revestido. Isto era extremamente grave e nem mesmo tinha sentido lógico.
Os adversários de Jesus, mestres da Lei, blasfemavam contra o próprio Jesus e contra o Espírito Santo, declarando consciente, proposital e seguidamente que Jesus operava milagres pelo poder de satanás, Belzebu, o chefe dos demônios (Mt 9,32-34; 12,22-24; Mc 3,22; Lc 11,14,15).
Com essa blasfêmia, eles estavam rejeitando, de modo deliberado, o Espírito Santo que operava em Jesus, o Messias (Mt 12,28; Lc 4,14-19; Jo 3,34; At 10,38).
Entenda-se a blasfêmia contra o Espírito Santo como a rejeição continuada e deliberada do testemunho que o Espírito Santo dá de Jesus Cristo, da sua Palavra e da sua obra de convencer o homem do pecado (cf. Jo 16,7-11). Aquele que rejeita a voz do Espírito se opõe a ela, afasta de si mesmo o único recurso que pode levá-lo ao perdão – o Espírito Santo. O pecado contra o Espírito Santo consiste na rejeição da graça de Deus; é a recusa da salvação. Implica numa rejeição completa à ação, ao convite e à advertência do Espírito Santo.
O Papa Pio X, 1903 a 1914, em seu Catecismo Maior, ensinou que são seis os pecados contra o Espírito Santo. Primeiro: desesperar da salvação, ou seja, não acreditar que possa ser salvo, achando que tudo está perdido. Segundo: Presunção da salvação, ou seja, a pessoa julgar que não importa que tipo de vida leve, boa ou má, já se considera salva. Devemos acreditar na misericórdia divina. Terceiro: negar a verdade conhecida e transmitida por Jesus Cristo no seu Evangelho tendo a Igreja como depositária fiel. Quarto: ter inveja da graça que Deus dá aos outros. A inveja é um sentimento que consiste em irritar-se porque o outro conseguiu algo de bom. É o ato de não querer o bem do semelhante. Quinto: a obstinação no pecado é a vontade firme de permanecer no erro mesmo após a ação de convencimento do Espírito Santo. É não aceitar a ética cristã. E, sexto: a impenitência final é o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus: o indivíduo persiste no erro até o final, recusando arrepender-se e penitenciar-se, recusando a salvação até o fim. Consagra-se ao adversário de Cristo. Nem mesmo na hora da morte tenta aproximar-se do Pai, manifestando humildade e compaixão. Não se abre ao convite do Espírito Santo definitivamente. Esse é a blasfêmia conta o Espírito Santo. O pecado contra o Espírito Santo consiste na rejeição da graça de Deus; é a recusa da salvação. Implica numa rejeição completa à ação, ao convite e à advertência do Espírito Santo. “Todo o que tiver falado contra o Filho do Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século nem no século vindouro”. (Mt. 12,32). Vocês então podem imaginar o castigo bem mais severo, que merecerá aquele que pisou o Filho de Deus, que profanou o sangue da aliança, pelo qual foi santificado, e que insultou o Espírito da graça.” (Hb 10,29).

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