X DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ano – B; Cor –
Verde; Leituras: Gn 3,9-15; Sl 129 (130); 2Cor 4,15 – 5,1; Mc 3,20-35.
“QUEM BLASFEMAR
CONTRA O ESPÍRITO SANTO NUNCA SERÁ PERDOADO”. (Mc 3,29).
Diácono
Milton Restivo
Terminamos o
tempo da Páscoa e retornamos ao Tempo Comum da liturgia da nossa Igreja.
Voltamos a caminhar com Jesus na sua jornada de evangelização.
O Tempo Comum
é um período do Ano Litúrgico de trinta e três ou trinta e quatro semanas nas
quais são celebrados, na sua globalidade, os mistérios de Cristo. Comemora-se o
próprio mistério de Cristo em sua plenitude, principalmente aos domingos. O
Tempo Comum convida-nos a descobrir, nas pequenas coisas do dia-a-dia
aparentemente comuns, a sua ligação com Jesus Cristo: a oração, o trabalho, as
obras de misericórdia, a ação social. De segunda a sábado devemos estar atentos
para percebermos os grandes dons de Deus em nossas vidas. Se agirmos assim, os domingos
do Tempo Comum se tornarão momentos fortes em nossa vida de fé. O Tempo Comum, portanto, é um período de vigilância e de
esperança; daí a escolha da cor litúrgica: verde.
Nesse retorno ao Tempo Comum, a liturgia remete-nos ao
primeiro livro das Sagradas Escrituras, o Gênesis, e fala-nos sobre o primeiro
deslize do homem e da mulher que, pela primeira vez, desobedeceram ao seu
Criador, originando assim o distanciamento da criatura com o seu Criador. Quando
o homem (e mulher) está em estado de amizade com Deus, em estado de graça, não
se envergonha de permanecer na presença do Senhor, mas quando comete uma
desobediência, um pecado, além de afastar-se de Deus, sente vergonha de estar
na sua presença, porque se sente nu, nu das vestimentas da graça de Deus, nu
das vestes da santidade: “Ouvi a tua voz no jardim e fiquei com medo, porque
estava nu; e me escondi.” (Gn 3,10). Não foi isso que o primeiro homem
disse ao seu Criador depois de te-lo desobedecido?
Quando nos
escondemos de Deus, queremos ficar longe de sua visão, é porque temos
consciência de que cometemos algum deslize, alguma desobediência, algum pecado,
porque o pecado é exatamente dizer “não” ao plano de salvação de Deus, é dizer
não ao próprio Senhor.
Mas, quando
cometemos um pecado, uma desobediência, a culpa nunca é nossa; alguém foi o
culpado, colocamos a culpa em
alguém. Não foi o que aconteceu com o primeiro homem em
relação à mulher? “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me
deu o fruto da árvore, e eu comi.” (Gn 3,12). Também foi o que aconteceu
com a mulher em relação à serpente, quando Deus lhe perguntou porque fizera
aquilo, e a mulher respondeu: “A serpente enganou-me, e eu comi.” (Gn
3,13). Modificou alguma coisa desde a criação do mundo até os dias de hoje?
Tudo aquilo
que origina pecado ou incentiva desobediência ao Criador, merece castigo e é
amaldiçoado pelo próprio Criador, e foi o que Deus fez com quem quis fazer o
homem igual a Deus: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os
animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e
comerás pó todos os dias da tua vida!” (Gn 3,14). Não é isso que acontece
com todos aqueles que se afastam de Deus por aderir ao pecado? Rasteja como
cobra sobre o próprio ventre e come o pó da terra, isto é, coloca-se rente ao
chão, no lugar mais distante do Criador, e isso Jesus explicita bem na parábola
do Pai Misericordioso (filho pródigo), onde o filho que abandonara a casa do
pai passa a viver na miséria e até a comer comida dos porcos que cuidava (cf Lc
15,11-31). A primeira mulher, Eva, desnudou-se e desnudou a humanidade da graça
de Deus, e fez com que a humanidade sentisse vergonha de sua nudez diante do
Criador. Maria, a mãe de Jesus revestiu a humanidade da roupa da graça e
através do fruto do seu ventre, toda a humanidade revestiu-se novamente da
graça de Deus. Assim fala a respeito disso São Luiz Maria Grignion de Montfort
no seu livro “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”: “O que
Lúcifer perdeu por orgulho, Maria ganhou por humildade. O que Eva condenou e
perdeu pela desobediência, salvou-o Maria pela obediência. Eva, obedecendo a
serpente, perdeu consigo todos os seus filhos e os entregou ao poder infernal;
Maria, por sua perfeita fidelidade a Deus, salvou consigo todos os seus filhos
e servos e os consagrou a Deus.” Assim como a árvore do Éden possuiu o
fruto do pecado e da desobediência, Maria é a árvore que dá o fruto da vida,
conforme diz o mesmo santo no mesmo livro: “Jesus é em toda parte e sempre o
fruto e o Filho de Maria; e Maria é em toda parte a verdadeira árvore que dá o
fruto da vida, e a verdadeira mãe que o
produz.” E o Criador complementa, dizendo à serpente: “Porei inimizade
entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela. Ela te
ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3,15). Ainda diz São
Luiz Grignion de Montfort no seu livro em relação a Maria: “Uma única
inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável , que não só
há de durar, mas aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e
o demônio; entre os filhos e servos da
Santíssima Virgem e os filhos sequazes
de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o
demônio.”
Será lido ou cantado, nesta liturgia o Salmo 129
(130). Segundo o frei Carlos Mesters, “este Salmo
tem duas partes. A primeira (versículos 1 a 4) traz uma prece em forma
de grito que sai do fundo da alma do ser humano. Uma prece que revela uma nova
experiência de Deus. Ele é graça e perdão. A segunda parte (versículos 5 a 8) traz o resultado dessa
prece, a saber, uma nova atitude de vida, que nasce da experiência de Deus.
Essa nova atitude, aqui no salmo, se traduz em esperança e paz, tanto em nível
pessoal como em nível de povo.” Este Salmo é um grito de socorro de quem
está em desespero por estar acometido de um grande mal, ou do corpo ou da alma:
“Das profundezas eu clamo para ti, Yahweh: Senhor, ouve o meu grito. Que os
teus ouvidos estejam atentos ao meu pedido por graça! Yahweh, se levas em conta
as culpas, quem poderá resistir? Mas de ti vem o perdão, e assim infundes
respeito”. (Sl 129 (130),1-4).
A passagem do
Evangelho dissertada nesta liturgia traz muitas informações. Diz que “Jesus
voltou para casa” (Mc 3,20). Essa casa para a qual Jesus retorna ficava na
cidade de Cafarnaum, para onde ele se mudara ao iniciar a sua vida pública: “Deixou
Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galiléia...” (Mt
4,13; 9,1) onde Jesus ensinava na sinagoga (cf Mc 1,21ss). Pedro e seu irmão
André também moravam em Cafarnaum (Mc 1,29; Mt 8,14-15; Lc 4,38-39). Moraria
Jesus com Pedro e André? Os evangelhos não deixam isso claro. O assédio das
pessoas que buscavam conforto, principalmente físico e material, era tanto que “reuniu
tanta gente que eles nem sequer podiam comer.” (Mc 3,20). Outra informação
prestada neste Evangelho é que os parentes de Jesus, por suas atitudes e
mudança, quase que repentina de vida, julgavam que ele estivesse fora de si e
foram até Cafarnaum para, possivelmente, trazê-lo de volta a Nazaré (cf Mc 3,21.32).
Claro que isso é um assunto importante e requer uma meditação profunda e acurada.
Faremos isso numa próxima oportunidade. E Jesus, sem sombra de dúvida, em sua
casa, começou a atender as necessidades dos que o procuravam: confortou
desesperados, curou doenças, expulsou demônios. Por causa disso, principalmente
por expulsar demônios, alguns mestres da Lei, também conhecidos e chamados de
doutores da Lei ou escribas que eram todos aqueles que se diziam entendidos nas
coisas da Lei de Moisés e que pretendiam ser os chefes espirituais do povo,
saíram de Jerusalém para atestar e combater os ensinamentos de Jesus
considerando que, por várias vezes Jesus os afrontou e os chamou “hipócritas”,
conforme consta em Mateus 23,23-36, e onde Jesus diz, entre outras coisas: “Ai
de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu
para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. [...] Guias
cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo. Ai de vocês, doutores da
Lei e fariseus hipócritas... [...] Ai de vocês, doutores da Lei e
fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem
bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão. Assim
também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão
cheios de hipocrisia e podridão. [...] Serpentes, raças de cobras
venenosas! Como é que vocês poderiam escapar da condenação do inferno?” (Mt
23,13.24-25.27.33). Quem são os fariseus e os doutores da Leis dos nossos dias?
Claro que essa raça de gente queria surpreender Jesus em qualquer que fosse o
deslize que ele pudesse praticar contra a Lei de Moisés. E eles saíram de
Jerusalém e foram até Cafarnaum para esse mistér, não se importando em caminhar
por aproximadamente 120
milhas , ou 193 quilômetros ,
que era a distância entre Jerusalém e Cafarnaum para buscar êxito em sua
empreitada. Não somente isso: tiveram que se submeter a atravessar o território
da Samaria, que ficava entre a Judéia e a Galiléia, considerando que os
samaritanos eram inimigos dos judeus. Eles não podiam perder essa oportunidade.
E então, os “mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, dizendo que ele
estava possuído por Belzebu e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os
demônios.” (Mc 3,22). Não foi por acaso que Jesus os chamou à parte e
falou-lhe em parábolas, considerando que Belzebu era, para os doutores da Lei,
um vocábulo depreciativo e era tido como “o senhor do esterco”, ou seja, do
sacrifício oferecido aos ídolos. E Jesus lhes diz: “Como é que satanás pode
expulsar satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá
manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se.
Assim, se satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá
sobreviver, mas será destruído.” (Mc 3,23-26).
Os mestres da
Lei não podiam permitir que a popularidade de Jesus tomasse vulto e, como não
tinham argumentos para contrapor a isso, desesperadamente buscavam meios para
denegrir seus maravilhosos poderes. Finalmente, decidiram alegar que ele
expulsava demônios pelo poder do próprio satanás (Mt 12,22-32; Mc 3,22-30; Lc
11,14-23). Jesus, porém, respondeu com três argumentos e uma advertência. Primeiro
argumento: satanás não atacaria a si mesmo, pois ninguém luta contra si mesmo. Segundo
argumento: satanás não poderia lutar contra o seu próprio reino, pois dividiria
o seu reino e ele enfraqueceria e, terceiro argumento: para roubar a casa de um
homem forte, tem-se primeiro que amarrá-lo. Expulsando demônios, Jesus estava
amarrando satanás, de modo que poderia cumprir sua missão de resgatar àqueles
que satanás mantinha cativos. Por fim, Jesus faz uma séria advertência: “Em
verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados como qualquer
blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca
será perdoado; será culpado de um pecado eterno.” (Mc 3,28-29).
O que é
blasfemar? Blasfemar é insultar,
afrontar, injuriar, difamar. Noutras palavras, é uma ofensa extremamente grave.
A blasfêmia contra o Espírito Santo foi o mais terrível pecado do qual o
incrédulo povo de Israel se fez culpado. Esse povo atribuiu a satanás o poder
do Espírito Santo do qual Jesus estava revestido. Isto era extremamente grave e
nem mesmo tinha sentido lógico.
Os adversários
de Jesus, mestres da Lei, blasfemavam contra o próprio Jesus e contra o
Espírito Santo, declarando consciente, proposital e seguidamente que Jesus
operava milagres pelo poder de satanás, Belzebu, o chefe dos demônios (Mt 9,32-34;
12,22-24; Mc 3,22; Lc 11,14,15).
Com essa
blasfêmia, eles estavam rejeitando, de modo deliberado, o Espírito Santo que
operava em Jesus, o Messias (Mt 12,28; Lc 4,14-19; Jo 3,34; At 10,38).
Entenda-se a
blasfêmia contra o Espírito Santo como a rejeição continuada e deliberada do
testemunho que o Espírito Santo dá de Jesus Cristo, da sua Palavra e da sua
obra de convencer o homem do pecado (cf. Jo 16,7-11). Aquele que rejeita a voz
do Espírito se opõe a ela, afasta de si mesmo o único recurso que pode levá-lo
ao perdão – o Espírito Santo. O pecado contra o Espírito Santo consiste na
rejeição da graça de Deus; é a recusa da salvação. Implica numa rejeição
completa à ação, ao convite e à advertência do Espírito Santo.
O Papa Pio X, 1903 a 1914, em seu Catecismo Maior ,
ensinou que são seis os pecados contra o Espírito Santo. Primeiro: desesperar
da salvação, ou seja, não acreditar que possa ser salvo, achando que tudo está
perdido. Segundo: Presunção da salvação, ou seja, a pessoa julgar que não
importa que tipo de vida leve, boa ou má, já se considera salva. Devemos
acreditar na misericórdia divina. Terceiro: negar a verdade conhecida e
transmitida por Jesus Cristo no seu Evangelho tendo a Igreja como depositária
fiel. Quarto: ter inveja da graça que Deus dá aos outros. A inveja é um
sentimento que consiste em irritar-se porque o outro conseguiu algo de bom. É o
ato de não querer o bem do semelhante. Quinto: a obstinação no pecado é a
vontade firme de permanecer no erro mesmo após a ação de convencimento do
Espírito Santo. É não aceitar a ética cristã. E, sexto: a impenitência final é
o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus: o indivíduo persiste no erro
até o final, recusando arrepender-se e penitenciar-se, recusando a salvação até
o fim. Consagra-se ao adversário de Cristo. Nem mesmo na hora da morte tenta
aproximar-se do Pai, manifestando humildade e compaixão. Não se abre ao convite
do Espírito Santo definitivamente. Esse é a blasfêmia conta o Espírito Santo. O
pecado contra o Espírito Santo consiste na rejeição da graça de Deus; é a
recusa da salvação. Implica numa rejeição completa à ação, ao convite e à
advertência do Espírito Santo. “Todo o que tiver falado contra o Filho do
Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século
nem no século vindouro”. (Mt.
12,32). “Vocês então podem imaginar o castigo bem
mais severo, que merecerá aquele que pisou o Filho de Deus, que profanou o
sangue da aliança, pelo qual foi santificado, e que insultou o Espírito da
graça.” (Hb 10,29).
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