XXV DOMINGO DO
TEMPO COMUM
Ano – A; Cor –
Verde; Leituras: Is 55,6-9; Sl 144 (145); Fl 1,20-24.27; Mt 20,1-16.
“OS ÚLTIMOS SERÃO
OS PRIMEIROS E OS PRIMEIROS OS ÚLTIMOS”. (Mt 20,16).
Diácono
Milton Restivo
Já dissemos em
outras oportunidades que o profeta Isaias é o mais messiânico de todos os
profetas. O capítulo 55 do seu livro transpira a misericórdia e o desejo de
Yahweh em fazer uma aliança definitiva com o seu povo (cf Is 55,3b), convocando
a todos a se agasalharem sob suas asas amorosas e acolhedoras (cf Is 55,1-2),
dizendo que, os que a ele se achegarem e o escutar, viverão (cf Is 55,3a).
Isaias é o
proclamador da palavra de Yahweh, que diz: “Atenção, todos os que estão com
sede, venham buscar água. Venham também os que não tem dinheiro: comprem e
comam sem dinheiro e bebam vinho e leite sem pagar.” (Is 55,1).
Mais tarde
Jesus diria com sua própria boca: “Venham para mim todos vocês que estão
cansados de carregar o peso de seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a
minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês
encontrarão descanso em suas vidas. Porque a minha carga é suave, e o meu fardo
é leve.” (Mt 11,28-30).
No Antigo
Testamento Yahweh se preocupara com as necessidades do seu povo e, para aqueles
que lhe eram fieis, oferecia vida digna e alimento saudável.
A sede é o
sentido da necessidade física da água, mas o que ele deixa claro e que está
usando, é uma figura de nossa necessidade espiritual: a sede é necessidade da
salvação. Isaias está falando da sede de salvação que Yahweh dá gratuitamente a
todos aqueles que o procuram enquanto ele se deixa encontrar (cf Is 55,6a). Yahweh
faz esse convite apenas para aqueles que têm sede, sede de salvação. Este
convite não é feito para aqueles que têm sede, mas sede das coisas do mundo, do
dinheiro, da diversão fácil, da fama, do prazer, da ostentação, mas não sede da
salvação.
No Novo
Testamento Jesus se propõe a aliviar a carga de todos aqueles que nele confia.
E, em tudo isso está prefigurado o anseio da salvação que Deus, gratuitamente,
oferece a todos os que o procuram: “Que o ímpio deixe o seu caminho e o
homem maldoso mude os seus projetos. Cada um volte para Yahweh e ele terá
compaixão; volte para o nosso Deus, pois ele perdoa com generosidade.” (Is
55,7).
A salvação é um
dom gratuito de Deus, e é por isso que Yahweh diz através de Isaias: “Venham
também os que não têm dinheiro; comprem e comam sem dinheiro e bebam vinho e
leite sem pagar. Porque gastar dinheiro com coisa que não alimenta, e o salário
com aquilo que não traz fartura?” (Is 55,2a).
Para a salvação
não há necessidade de dinheiro, porque a salvação não tem preço, não tem
dinheiro que pague: a salvação é dom gratuito de Deus. E, para tanto, Isaias é
insistente e categórico: “Procurem Yahweh enquanto ele se deixa encontrar;
chamem por ele enquanto está perto.” (Is 55,6).
Pena que a
primeira leitura da nossa liturgia de hoje começa nesse versículo, no versículo
6, mas, para entendê-la melhor, seria interessante começarmos a meditar desde o
primeiro versículo do capítulo 55 de Isaias. A grande mensagem do profeta
Isaias é exatamente esta: “Procurem Yahweh enquanto ele se deixa encontrar;
chamem por ele enquanto está perto.” (Is 55,6).
Procurem
Yahweh, busquem ao Senhor, porque é o próprio Isaias quem diz a quem Yahweh
socorre e para quem o Messias veio: “O Espírito do Senhor Yahweh está sobre
mim, porque Yahweh me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres,
para curar os corações feridos, para proclamar a liberdade dos escravos e por
em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça de Yahweh, o dia da
vingança do nosso Deus, e para consolar todos os aflitos, os aflitos de Sião,
para transformar sua cinza em coroa, seu luto em perfume de festa, seu
abatimento em roupa de gala.” (Is 61,1-3ª), o mesmo que Jesus repetiria
mais tarde (cf Lc 4,18-19).
Quem são os
pobres de corações feridos e prisioneiros da ganância do século senão nós,
sedentos de salvação? Temos que buscar a Yahweh enquanto ele se deixa encontrar.
Yahweh é rico de misericórdia, amor, perdão e salvação, e nós, os pobres e
cansados de carregar o nosso fardo é quem devemos dividir o nosso fardo com o
Enviado do Pai, Jesus.
João Apóstolo
entendeu tão profundamente a misericórdia, o amor e o perdão do Pai, que
escreveu: “Se dissemos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a
Verdade não está em nós. Se
reconhecemos os nossos pecados, Deus que é fiel e justo, perdoará os nossos
pecados e nos purificará de toda injustiça. Se dizemos que nunca pecamos,
estaremos afirmando que Deus é mentiroso, e a sua palavra não estará em nós.” (1Jo
1,8-10).
Deus perdoa
abundantemente; Deus é rico em perdão, amor e misericórdia e o seu coração é
bondoso e compassivo; “Yahweh é compaixão e piedade, lento para a cólera e
cheio de amor” (Sl 102 (103),8). Deus é rico em perdoar e ninguém pode
impedi-lo de perdoar, porque ele é rico em perdão, porque “Deus é amor” (1Jo
4,8.16).
Talvez, todo o escrito
de Isaias tenha sido na tentativa de fazer com que o seu povo buscasse a Yahweh,
e essa necessidade ecoa nos labirintos sombrios da descrença e da indiferença
dos dias atuais, onde deveria ressoar o apelo do salmista: “Ó Deus, tu és o
meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu
corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água.” (Sl 63,1). Yahweh
transmite essa necessidade do ser humano de buscá-lo através do profeta
Jeremias: “Vocês me procurarão e me encontrarão se me buscarem de todo o
coração; eu me deixarei encontrar e mudarei a sorte de vocês.” (Jr
29,13-14a), e mais tarde Jesus diria: “Busquem, em primeiro lugar o Reino de
Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas as coisas.” (Mt
6,33).
Devemos buscar
o Senhor hoje (cf Os 10,12), porque hoje é o dia da salvação: “Procurem
Yahweh enquanto ele se deixa encontrar; chamem por ele enquanto está perto.” (Is
55,6), e, também, como disse o Apóstolo Paulo: “Pois Deus diz na Escritura:
‘Eu escutei você no tempo favorável, e no dia da salvação vim em seu auxílio’.
É agora o momento favorável. É agora o dia da salvação.” (2Cor 6,2).
Haverá um tempo
em que a misericórdia de Yahweh poderá se esgotar porque os homens se negaram
em ouvir a palavra de Yahweh: “Dias virão em que vou mandar a fome sobre o
país: não será fome de pão, nem sede de água, e sim fome de ouvir a palavra de
Yahweh. Irão cambaleando de um mar a outro, irão rumo do Norte para o Oriente,
à procura da palavra de Yahweh, e não a encontrarão.” (Am 8,11-12).
E para que
possamos entender os projetos de Yahweh, ele deixa claro que os pensamentos
dele não são os nossos, nem os seus projetos, nem os seus caminhos: “Os meus
projetos não são os projetos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus
caminhos. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os meus caminhos estão
acima dos caminhos de vocês, e os meus projetos estão acima dos seus projetos.”
(Is 55,8-9). Isso traz em evidência o que o rei Davi disse ao seu filho
Salomão, incentivando-o a construir o Templo para Yahweh: “Quanto a você,
Salomão, meu filho, reconheça o Deus do seu pai e o sirva de todo o coração e
com generosidade de espírito, pois Yahweh sonda todos os corações e penetra
todas as intenções do espírito, Se você o procurar, ele se deixará encontrar.
Mas se você o abandonar, ele se afastará para sempre.” (1Cro 28,9).
No Evangelho
Jesus conta uma parábola para mostrar a todos que o Reino de Deus é gratuito;
por mais que façamos nesta vida, jamais poderíamos dizer que tenhamos merecido
o Reino.
O Reino é de
Deus, e ele o dá de graça. Sempre lamento que a passagem do Evangelho que é
lida em cada celebração perde a conexão do que veio antes ou do que virá
depois. Isso faz com que a meditação ou a homilia que se fará a respeito, perca
o significado se não tiver a preocupação de buscar o antes e levar em
consideração o depois. No Evangelho nada é isolado, nada é independente. Em
todos os seus ensinamentos, costumeiramente, Jesus dá continuidade ao
acontecimento anterior.
Para
entendermos a passagem do Evangelho lido nesta celebração, precisamos voltar um
pouco: no encontro do jovem rico que se aproximou de Jesus para perguntar-lhe: “Mestre,
o que devo fazer para possuir a vida eterna?” (Mt 19,16). Em primeiro lugar
Jesus fala ao jovem a respeito da Lei e não do legalismo, e cita os
mandamentos: “Não mate, não cometa adultério, não roube, não levante falso
testemunho, honre seu pai e sua mãe; e ame seu próximo como a si mesmo.” (Mt
19,18-19).
O jovem ficou
entusiasmando julgando que já havia comprado a passagem para a vida eterna
simplesmente por haver cumprido os mandamentos da Lei de Moisés, e respondeu: “Tenho
observado todas essas coisas. O que é que ainda me falta fazer?” (Mt
19,20). Isso demonstra que ele parou no legalismo: cumpriu os mandamentos
porque a Lei determinava, como um desencargo de consciência.
Cumprir a Lei,
ficando apenas no legalismo, é fácil: qualquer um faz isso, como, por exemplo,
não faltar à missa do domingo por cumprimento de mero preceito, dar esmolas
para se ver livre do pedinte, ter hora para iniciar e terminar suas orações,
visitar doentes por desencargo de consciência. Tudo isso é um compromisso
descompromissado. Fiz, está feito, e nada mais devo a ninguém. Jesus vai além e
diz ao jovem que ainda falta alguma coisa para que o cumprimento da Lei não
fique apenas no legalismo: “Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que
tem, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois venha, e
siga-me.” (Mt 19,21). E ai vem o desfecho que ainda é realidade nos nossos
dias: “Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era
muito rico.” (Mt 19,22).
O jovem rejeita
a proposta de Jesus. E Jesus narra qual é o destino dos que são apegados em
demasia às coisas materiais: “Eu garanto a vocês: um rico dificilmente
entrará no Reino do Céu. E digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo
buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus.” (Mt
19,23-24).
E, depois de
antever a glória do Filho do Homem sentado no trono de sua glória tendo consigo
todos aqueles que tiverem “deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos, campos
por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais, e terá como herança a vida
eterna.” (Mt 19,29).
Jesus arremata,
dizendo: “Muitos que agora são os primeiros, serão os últimos; e muitos que
agora são os últimos, serão os primeiros.” (Mt 19,30).
É a partir daí
que entra a leitura desta liturgia. Dando continuidade a esse acontecimento,
Jesus deixa claro que, no Reino, não existem marginalizados: todos têm direito
de participar da bondade e misericórdia de Deus que vai além daquilo que os
homens julgam que é justiça.
Jesus deixa
claro para aqueles que julgam porque possuem mais méritos ou trabalham mais que
os outros já têm o Reino garantido em detrimento aos demais, esquecendo-se que
o Reino é dom gratuito do Pai. O dono do Reino é Deus, e ele dá para quem ele
quiser, não importando se é trabalhador das primeiras horas do dia ou que
chegou ao findar do dia.
Para tanto,
Jesus conta a parábola do dono da vinha que “saiu de madrugada para
contratar trabalhadores para a sua vinha.” De manhãzinha encontra um grupo
de trabalhadores e o manda ir trabalhar na vinha com o preço combinado de uma
moeda de prata pelo dia trabalhado. Às nove horas novamente o dono da vinha sai
e contrata mais um grupo de trabalhadores e o manda ir trabalhar na vinha, e
promete a esse grupo que pagará o que for justo. Ao meio dia acontece a mesma
coisa: o dono da vinha contrata mais um grupo de trabalhadores e, novamente às
três horas da tarde contrata mais um grupo de trabalhadores para trabalhar na
sua vinha. Pelas cinco horas da tarde sai novamente e encontra outro grupo de
trabalhadores e lhe pergunta: “Porque vocês estão ai o dia inteiro
desocupados’? Eles responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. O patrão lhes
disse: ‘Vão vocês também para a minha vinha’.” (Mt 20,6-7). E Jesus
continua a parábola, dizendo: “Quando chegou a tarde, o patrão disse ao
administrador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos. Comece pelos
últimos e termine pelos primeiros.” (Mt 20,8). Em primeira instância Jesus
demonstra que pagar o trabalhador pelo seu trabalho é uma forma de praticar a
justiça.
Se
considerarmos a maneira de pensar dos homens sobre a justiça, os que chegaram
para trabalhar na vinha às cinco horas da tarde, não deveriam receber mais do
que uns centavos, considerando que o dono da vinha havia acertado com os
trabalhadores das sete horas da manhã pagar-lhes uma moeda de prata pelo dia
trabalhado.
Mas os
pensamentos de Deus não são os pensamentos dos homens, e é por isso que na
primeira leitura já ouvimos: “Os meus projetos não são os projetos de vocês,
e os caminhos de vocês não são os meus caminhos. Tanto quanto o céu está acima
da terra, assim os meus caminhos estão acima dos caminhos de vocês, e os meus
projetos estão acima dos seus projetos.” (Is 55,8-9). Então, “chegaram
aqueles que tinham sido contratados pela cinco horas da tarde, e cada um
recebeu uma moeda de prata.” (Mt 20,9). Ao verem que o patrão pagara um dia
inteiro de trabalho a quem havia trabalhado apenas uma hora, os demais
trabalhadores se encheram de ansiedade e julgaram que, por justiça, eles
deveriam receber mais, principalmente os que chegaram às sete horas da manhã.
Mas ai vem a surpresa: o patrão manda pagar, indistintamente, a todos os
trabalhadores, uma moeda de prata, não importando o período de trabalho que
eles dedicaram à vinha.
Obviamente
surge o descontentamento e o ciúme, porque, na justiça dos homens, quem
trabalhou mais merece um pagamento maior de quem chegou por último, e os
trabalhadores reclamam: “Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os
igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro!” (Mt
20,12). Ai entram os pensamentos de Deus, que não são os nossos pensamentos, a
justiça de Deus que não é a nossa justiça.
Jesus continua,
dizendo: “Amigo, eu não fui injusto com você. Não combinamos uma moeda de
prata? Tome o que é seu e volte para casa. Eu quero dar também a esse, que foi
contratado por último, o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de
fazer o que eu quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque
eu sou generoso?” (Mt 20,13-15).
Agora pergunto:
será que nós, que dedicamos a nossa infância, juventude e até velhice ao
serviço de Deus temos mais direito ao Reino do que este irmão ou irmã que está
despertando para a fé agora e, por isso, eles devem ser colocados no fim da
fila? Os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos porque, no Reino de
Deus: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.” (Mt
20,16).
Nenhum comentário:
Postar um comentário