sábado, 20 de setembro de 2014

“OS ÚLTIMOS SERÃO OS PRIMEIROS E OS PRIMEIROS OS ÚLTIMOS”. (Mt 20,16).

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – Verde; Leituras: Is 55,6-9; Sl 144 (145); Fl 1,20-24.27; Mt 20,1-16.

“OS ÚLTIMOS SERÃO OS PRIMEIROS E OS PRIMEIROS OS ÚLTIMOS”. (Mt 20,16).


Diácono Milton Restivo

Já dissemos em outras oportunidades que o profeta Isaias é o mais messiânico de todos os profetas. O capítulo 55 do seu livro transpira a misericórdia e o desejo de Yahweh em fazer uma aliança definitiva com o seu povo (cf Is 55,3b), convocando a todos a se agasalharem sob suas asas amorosas e acolhedoras (cf Is 55,1-2), dizendo que, os que a ele se achegarem e o escutar, viverão (cf Is 55,3a).
Isaias é o proclamador da palavra de Yahweh, que diz: “Atenção, todos os que estão com sede, venham buscar água. Venham também os que não tem dinheiro: comprem e comam sem dinheiro e bebam vinho e leite sem pagar.” (Is 55,1).
Mais tarde Jesus diria com sua própria boca: “Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso de seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso em suas vidas. Porque a minha carga é suave, e o meu fardo é leve.” (Mt 11,28-30).
No Antigo Testamento Yahweh se preocupara com as necessidades do seu povo e, para aqueles que lhe eram fieis, oferecia vida digna e alimento saudável.
       A sede é o sentido da necessidade física da água, mas o que ele deixa claro e que está usando, é uma figura de nossa necessidade espiritual: a sede é necessidade da salvação. Isaias está falando da sede de salvação que Yahweh dá gratuitamente a todos aqueles que o procuram enquanto ele se deixa encontrar (cf Is 55,6a). Yahweh faz esse convite apenas para aqueles que têm sede, sede de salvação. Este convite não é feito para aqueles que têm sede, mas sede das coisas do mundo, do dinheiro, da diversão fácil, da fama, do prazer, da ostentação, mas não sede da salvação.
No Novo Testamento Jesus se propõe a aliviar a carga de todos aqueles que nele confia. E, em tudo isso está prefigurado o anseio da salvação que Deus, gratuitamente, oferece a todos os que o procuram: “Que o ímpio deixe o seu caminho e o homem maldoso mude os seus projetos. Cada um volte para Yahweh e ele terá compaixão; volte para o nosso Deus, pois ele perdoa com generosidade.” (Is 55,7).
A salvação é um dom gratuito de Deus, e é por isso que Yahweh diz através de Isaias: “Venham também os que não têm dinheiro; comprem e comam sem dinheiro e bebam vinho e leite sem pagar. Porque gastar dinheiro com coisa que não alimenta, e o salário com aquilo que não traz fartura?” (Is 55,2a).
Para a salvação não há necessidade de dinheiro, porque a salvação não tem preço, não tem dinheiro que pague: a salvação é dom gratuito de Deus. E, para tanto, Isaias é insistente e categórico: “Procurem Yahweh enquanto ele se deixa encontrar; chamem por ele enquanto está perto.” (Is 55,6).
Pena que a primeira leitura da nossa liturgia de hoje começa nesse versículo, no versículo 6, mas, para entendê-la melhor, seria interessante começarmos a meditar desde o primeiro versículo do capítulo 55 de Isaias. A grande mensagem do profeta Isaias é exatamente esta: “Procurem Yahweh enquanto ele se deixa encontrar; chamem por ele enquanto está perto.” (Is 55,6).
Procurem Yahweh, busquem ao Senhor, porque é o próprio Isaias quem diz a quem Yahweh socorre e para quem o Messias veio: “O Espírito do Senhor Yahweh está sobre mim, porque Yahweh me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a liberdade dos escravos e por em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça de Yahweh, o dia da vingança do nosso Deus, e para consolar todos os aflitos, os aflitos de Sião, para transformar sua cinza em coroa, seu luto em perfume de festa, seu abatimento em roupa de gala.” (Is 61,1-3ª), o mesmo que Jesus repetiria mais tarde (cf Lc 4,18-19).
Quem são os pobres de corações feridos e prisioneiros da ganância do século senão nós, sedentos de salvação? Temos que buscar a Yahweh enquanto ele se deixa encontrar. Yahweh é rico de misericórdia, amor, perdão e salvação, e nós, os pobres e cansados de carregar o nosso fardo é quem devemos dividir o nosso fardo com o Enviado do Pai, Jesus.
João Apóstolo entendeu tão profundamente a misericórdia, o amor e o perdão do Pai, que escreveu: “Se dissemos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a Verdade não está em nós. Se reconhecemos os nossos pecados, Deus que é fiel e justo, perdoará os nossos pecados e nos purificará de toda injustiça. Se dizemos que nunca pecamos, estaremos afirmando que Deus é mentiroso, e a sua palavra não estará em nós.” (1Jo 1,8-10).
Deus perdoa abundantemente; Deus é rico em perdão, amor e misericórdia e o seu coração é bondoso e compassivo; “Yahweh é compaixão e piedade, lento para a cólera e cheio de amor” (Sl 102 (103),8). Deus é rico em perdoar e ninguém pode impedi-lo de perdoar, porque ele é rico em perdão, porque “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).
Talvez, todo o escrito de Isaias tenha sido na tentativa de fazer com que o seu povo buscasse a Yahweh, e essa necessidade ecoa nos labirintos sombrios da descrença e da indiferença dos dias atuais, onde deveria ressoar o apelo do salmista: “Ó Deus, tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água.” (Sl 63,1). Yahweh transmite essa necessidade do ser humano de buscá-lo através do profeta Jeremias: “Vocês me procurarão e me encontrarão se me buscarem de todo o coração; eu me deixarei encontrar e mudarei a sorte de vocês.” (Jr 29,13-14a), e mais tarde Jesus diria: “Busquem, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas as coisas.” (Mt 6,33).
Devemos buscar o Senhor hoje (cf Os 10,12), porque hoje é o dia da salvação: “Procurem Yahweh enquanto ele se deixa encontrar; chamem por ele enquanto está perto.” (Is 55,6), e, também, como disse o Apóstolo Paulo: “Pois Deus diz na Escritura: ‘Eu escutei você no tempo favorável, e no dia da salvação vim em seu auxílio’. É agora o momento favorável. É agora o dia da salvação.” (2Cor 6,2).
Haverá um tempo em que a misericórdia de Yahweh poderá se esgotar porque os homens se negaram em ouvir a palavra de Yahweh: “Dias virão em que vou mandar a fome sobre o país: não será fome de pão, nem sede de água, e sim fome de ouvir a palavra de Yahweh. Irão cambaleando de um mar a outro, irão rumo do Norte para o Oriente, à procura da palavra de Yahweh, e não a encontrarão.” (Am 8,11-12).
E para que possamos entender os projetos de Yahweh, ele deixa claro que os pensamentos dele não são os nossos, nem os seus projetos, nem os seus caminhos: “Os meus projetos não são os projetos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos caminhos de vocês, e os meus projetos estão acima dos seus projetos.” (Is 55,8-9). Isso traz em evidência o que o rei Davi disse ao seu filho Salomão, incentivando-o a construir o Templo para Yahweh: “Quanto a você, Salomão, meu filho, reconheça o Deus do seu pai e o sirva de todo o coração e com generosidade de espírito, pois Yahweh sonda todos os corações e penetra todas as intenções do espírito, Se você o procurar, ele se deixará encontrar. Mas se você o abandonar, ele se afastará para sempre.” (1Cro 28,9).
No Evangelho Jesus conta uma parábola para mostrar a todos que o Reino de Deus é gratuito; por mais que façamos nesta vida, jamais poderíamos dizer que tenhamos merecido o Reino.
O Reino é de Deus, e ele o dá de graça. Sempre lamento que a passagem do Evangelho que é lida em cada celebração perde a conexão do que veio antes ou do que virá depois. Isso faz com que a meditação ou a homilia que se fará a respeito, perca o significado se não tiver a preocupação de buscar o antes e levar em consideração o depois. No Evangelho nada é isolado, nada é independente. Em todos os seus ensinamentos, costumeiramente, Jesus dá continuidade ao acontecimento anterior.
Para entendermos a passagem do Evangelho lido nesta celebração, precisamos voltar um pouco: no encontro do jovem rico que se aproximou de Jesus para perguntar-lhe: “Mestre, o que devo fazer para possuir a vida eterna?” (Mt 19,16). Em primeiro lugar Jesus fala ao jovem a respeito da Lei e não do legalismo, e cita os mandamentos: “Não mate, não cometa adultério, não roube, não levante falso testemunho, honre seu pai e sua mãe; e ame seu próximo como a si mesmo.” (Mt 19,18-19).
O jovem ficou entusiasmando julgando que já havia comprado a passagem para a vida eterna simplesmente por haver cumprido os mandamentos da Lei de Moisés, e respondeu: “Tenho observado todas essas coisas. O que é que ainda me falta fazer?” (Mt 19,20). Isso demonstra que ele parou no legalismo: cumpriu os mandamentos porque a Lei determinava, como um desencargo de consciência.
Cumprir a Lei, ficando apenas no legalismo, é fácil: qualquer um faz isso, como, por exemplo, não faltar à missa do domingo por cumprimento de mero preceito, dar esmolas para se ver livre do pedinte, ter hora para iniciar e terminar suas orações, visitar doentes por desencargo de consciência. Tudo isso é um compromisso descompromissado. Fiz, está feito, e nada mais devo a ninguém. Jesus vai além e diz ao jovem que ainda falta alguma coisa para que o cumprimento da Lei não fique apenas no legalismo: “Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois venha, e siga-me.” (Mt 19,21). E ai vem o desfecho que ainda é realidade nos nossos dias: “Quando ouviu isso, o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.” (Mt 19,22).
O jovem rejeita a proposta de Jesus. E Jesus narra qual é o destino dos que são apegados em demasia às coisas materiais: “Eu garanto a vocês: um rico dificilmente entrará no Reino do Céu. E digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus.” (Mt 19,23-24).
E, depois de antever a glória do Filho do Homem sentado no trono de sua glória tendo consigo todos aqueles que tiverem “deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos, campos por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais, e terá como herança a vida eterna.” (Mt 19,29).
Jesus arremata, dizendo: “Muitos que agora são os primeiros, serão os últimos; e muitos que agora são os últimos, serão os primeiros.” (Mt 19,30).
É a partir daí que entra a leitura desta liturgia. Dando continuidade a esse acontecimento, Jesus deixa claro que, no Reino, não existem marginalizados: todos têm direito de participar da bondade e misericórdia de Deus que vai além daquilo que os homens julgam que é justiça.
Jesus deixa claro para aqueles que julgam porque possuem mais méritos ou trabalham mais que os outros já têm o Reino garantido em detrimento aos demais, esquecendo-se que o Reino é dom gratuito do Pai. O dono do Reino é Deus, e ele dá para quem ele quiser, não importando se é trabalhador das primeiras horas do dia ou que chegou ao findar do dia.
Para tanto, Jesus conta a parábola do dono da vinha que “saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha.” De manhãzinha encontra um grupo de trabalhadores e o manda ir trabalhar na vinha com o preço combinado de uma moeda de prata pelo dia trabalhado. Às nove horas novamente o dono da vinha sai e contrata mais um grupo de trabalhadores e o manda ir trabalhar na vinha, e promete a esse grupo que pagará o que for justo. Ao meio dia acontece a mesma coisa: o dono da vinha contrata mais um grupo de trabalhadores e, novamente às três horas da tarde contrata mais um grupo de trabalhadores para trabalhar na sua vinha. Pelas cinco horas da tarde sai novamente e encontra outro grupo de trabalhadores e lhe pergunta: “Porque vocês estão ai o dia inteiro desocupados’? Eles responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’. O patrão lhes disse: ‘Vão vocês também para a minha vinha’.” (Mt 20,6-7). E Jesus continua a parábola, dizendo: “Quando chegou a tarde, o patrão disse ao administrador: ‘Chame os trabalhadores e pague uma diária a todos. Comece pelos últimos e termine pelos primeiros.” (Mt 20,8). Em primeira instância Jesus demonstra que pagar o trabalhador pelo seu trabalho é uma forma de praticar a justiça.
Se considerarmos a maneira de pensar dos homens sobre a justiça, os que chegaram para trabalhar na vinha às cinco horas da tarde, não deveriam receber mais do que uns centavos, considerando que o dono da vinha havia acertado com os trabalhadores das sete horas da manhã pagar-lhes uma moeda de prata pelo dia trabalhado.
Mas os pensamentos de Deus não são os pensamentos dos homens, e é por isso que na primeira leitura já ouvimos: “Os meus projetos não são os projetos de vocês, e os caminhos de vocês não são os meus caminhos. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos caminhos de vocês, e os meus projetos estão acima dos seus projetos.” (Is 55,8-9). Então, “chegaram aqueles que tinham sido contratados pela cinco horas da tarde, e cada um recebeu uma moeda de prata.” (Mt 20,9). Ao verem que o patrão pagara um dia inteiro de trabalho a quem havia trabalhado apenas uma hora, os demais trabalhadores se encheram de ansiedade e julgaram que, por justiça, eles deveriam receber mais, principalmente os que chegaram às sete horas da manhã. Mas ai vem a surpresa: o patrão manda pagar, indistintamente, a todos os trabalhadores, uma moeda de prata, não importando o período de trabalho que eles dedicaram à vinha.
Obviamente surge o descontentamento e o ciúme, porque, na justiça dos homens, quem trabalhou mais merece um pagamento maior de quem chegou por último, e os trabalhadores reclamam: “Estes últimos trabalharam uma hora só, e tu os igualaste a nós, que suportamos o cansaço e o calor do dia inteiro!” (Mt 20,12). Ai entram os pensamentos de Deus, que não são os nossos pensamentos, a justiça de Deus que não é a nossa justiça.
Jesus continua, dizendo: “Amigo, eu não fui injusto com você. Não combinamos uma moeda de prata? Tome o que é seu e volte para casa. Eu quero dar também a esse, que foi contratado por último, o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que eu quero com aquilo que me pertence? Ou você está com ciúme porque eu sou generoso?” (Mt 20,13-15).
Agora pergunto: será que nós, que dedicamos a nossa infância, juventude e até velhice ao serviço de Deus temos mais direito ao Reino do que este irmão ou irmã que está despertando para a fé agora e, por isso, eles devem ser colocados no fim da fila? Os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos porque, no Reino de Deus: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.” (Mt 20,16).

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