domingo, 11 de outubro de 2015

O JOVEM RICO


"VÁ, VENDA TUDO, DÊ O DINHEIRO AOS POBRES, E VOCÊ TERÁ UM TESOURO NO CÉU”. (Mc 10,21).


Diácono Milton Restivo

A primeira leitura é tirada do livro da Sabedoria que é o último livro escrito no Antigo Testamento, por volta do ano 50 aC.
Na passagem abordada, o autor sagrado diz que a sabedoria é o maior dom que o homem pode receber do seu Criador e que é mais valiosa que todos os bens da terra: “Eu a preferi aos cetros e tronos e, em comparação com ela, considerei a riqueza como um nada. Não a comparei com a pedra mais preciosa, porque todo o ouro, ao lado dela, é como um punhado de areia. E junto dela a prata vale o mesmo que um punhado de barro.” (Sb 7,8-9).
Na sequência do seu Evangelho, Marcos diz que Jesus “ao retornar seu caminho, alguém correu e ajoelhou-se diante de Jesus, perguntando: ‘Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna’?” (Mc 10,17).
A narrativa de Marcos deste domingo está contida, também, em Mateus 19,16-22 e Lucas 18,18-23, e a pessoa que se dirige a Jesus é qualificada como “o moço, ou o jovem rico”.
Em Marcos, o homem que se dirigiu a Jesus, numa atitude de respeito e adoração, pois “ajoelhou-se diante dele”, pela pergunta formulada, aparentemente tinha um respeito profundo por Jesus e demonstrava boas intenções, como nos demais Evangelhos. Era alguém que, possivelmente, seguia à risca a Lei de Moisés e já ouvira os ensinamentos de Jesus e acreditava que Jesus tinha o mapa que indicava o caminho para a casa do Pai. 
      À primeira vista parece ser uma pessoa instruída, de apurada educação ou, simplesmente bajuladora, pois que não se contenta em somente chamar Jesus de Mestre; tentando ser agradável, o chama de “bom Mestre”. Aparentemente Jesus refuta esse elogio ou bajulação atribuindo esse adjetivo a Deus: "Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus." (Mc 10, 18), demonstrando que, mesmo sem o saber, aquela pessoa ao chamar Jesus de "bom Mestre", admitia e afirmava a divindade de Jesus.
Os Evangelhos não declinam o nome desse "alguém", tendo ficado, no Evangelho de Mateus conhecido como “o jovem rico”, ou “o rico de notável posição”, ou ainda “o moço rico”, portanto, vamos nos referenciar a ele como o “jovem rico”.
Não sendo citado o seu nome fica mais fácil nós mesmos atribuirmos a ele o nosso próprio nome; colocarmos-nos no lugar desse jovem rico, nos dirigirmos a Jesus e fazer a mesma pergunta; correr até Jesus, cair de joelhos à seus pés em atitude de adoração, e perguntar-lhe: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Mc 10,17). E Jesus nos responderia: “... se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos.”
Num primeiro momento, Jesus coloca diante do jovem as exigências conhecidas por todo judeu piedoso e ensinadas pelas escolas rabínicas - o cumprimento dos mandamentos. Mas o homem – que, sem dúvida, era um praticante piedoso da Lei – sente que isso não é o suficiente, antes, é o mínimo. Então, quer saber mais.
O jovem rico perguntou, e perguntaríamos também: “Quais?”, e Jesus responde: “Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo.” E assim Jesus põe diante dele as mínimas exigências do Reino – o seguimento a Jesus, o despojamento dos bens e a partilha e solidariedade.
E, ainda, como o jovem rico, ficaríamos contentes por julgarmos que tudo isso que tenhamos feito e o fato de cumprirmos aqueles mandamentos nos daria a quase certeza de já termos as chaves do céu e condições de herdar a vida eterna e, com alegria, com a certeza de já termos conseguido a salvação eterna, responderíamos a Jesus, com a certeza do dever cumprido, assim como fez o jovem rico: “Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?” (Mt 19,17-20).
Talvez, diríamos mais ainda: “Todos esses mandamentos tenho guardado, Senhor: eu nunca transgredi os mandamentos da Lei do Senhor; eu nasci numa família cristã e temente a Deus, participei das escolas dominicais da minha comunidade, não perco uma missa aos domingos e dias santos, eu nunca matei e nem feri ninguém; jamais cometi adultério; nunca roubei; nunca falei mal de ninguém nem prejudiquei quem quer que seja; eu amo o meu pai e minha mãe, aliás, eu até cuido deles, eles moram comigo Que me falta ainda?”.
E Jesus, ao ouvir isso, como fez com o jovem rico, voltaria para nós o seu olhar e nos olharia no mais profundo dos olhos, continuaria a nos amar com a mesma intensidade que só Deus sabe amar, ainda que sabendo e conhecendo as nossas limitações e pretensões equivocadas de santidade, nos diria, cheio de doçura e amor: “Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.” (Mc 10,21). Isso o jovem é incapaz de aceitar. Isso nós somos incapazes de aceitar. O jovem estava amarrado aos seus bens, pois era muito rico, e nós, apesar de menos ricos, somos apegados demais às pouquíssimas coisas que nos prendem neste mundo.
O jovem fez a sua opção – optou por uma vida “regular” que não exigisse partilha nem despojamento e, como consequência, foi embora “muito abatido”, pois tinha colocado bens secundários acima do bem maior. 
Quantas vezes, a cada um de nós, Jesus tenha feito essa mesma proposta? Vender pode ser não desfazer dos bens, mas partilhar; o que temos recebemos do Senhor, portando somos apenas administradores dos bens que Deus coloca em nossas mãos e, sob a nossa administração, esses bens devem ser partilhados, e quem partilha com generosidade os seus bens, só tem um caminho: o seguimento a Jesus.  Quando Jesus dirige-se a alguém e profere o chamamento “segue-me”, ele está convidando e convocando esse alguém para o apostolado, assim como fez com todos os doze apóstolos que os convocou com esse chamamento.
A opção de seguir Jesus é de cada um, nos é dado o direito da escolha: podemos tomar a iniciativa de seguí-lo ou não, como diz a música do Padre Zezinho: “a decisão é sua”.
Os atrativos do mundo são obstáculos para tomarmos posse das coisas do céu. Cumprimos os mandamentos de Deus, e nos vangloriamos disso; participamos de todos os ritos e rituais da Igreja, e por isso nos julgamos superiores aos que não o fazem; cumprimos todas as determinações que nos são sugeridas ou impostas por uma religiosidade flácida, tênue e descompromissada e, além do mais, somos por demais apegados às coisas materiais. E, por isso, julgamos já ter comprado um lote no céu e já ter recebido a chave do apartamento, só faltando o passaporte para a grande viagem.
O desapego dos bens materiais não é fácil; muito pelo contrário, lutamos sempre para ter mais e mais e, quanto mais conseguimos mais queremos e mais nos afastamos do irmão, porque o irmão menos afortunado não tem condições de competir com a nossa ânsia de poder.
Ao ouvir de Jesus “Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Mc 10,21), o jovem rico “... porém, contristado com essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.” (Mc 10,22). O jovem rico possuía muitos bens, muitas propriedades, muitas joias, muito dinheiro, muitas coisas a se apegar.
Qual teria sido o pensamento que passou na cabeça desse jovem quando Jesus lhe propôs se desfazer-se dos seus bens? Em primeiro lugar, a mentalidade judaica era que os ricos eram os abençoados por Deus, pois, na interpretação deles, Deus acumulava de riquezas quem ele amava.
Segundo a teologia da prosperidade, no entendimento dos judeus, os ricos eram os queridos de Yahweh, enquanto os pobres e os doentes eram por ele amaldiçoados.
Possivelmente faria como nós mesmos faríamos e diríamos: “o pobre é que vai trabalhar como eu trabalhei para conseguir o que eu consegui. Trabalhei tanto, consegui tudo e agora vou dar tudo de mão beijada? Tudo, menos isso”.
Os bens materiais, erroneamente usados, têm força tamanha que nos prende ao mundo. O chamamento de seguir a Jesus e o seguimento a Jesus tem a força de nos libertar dessa atração terrena e nos atrair para os bens celestes.  Talvez não possuamos tanto, mas o pouco que temos já é um grande obstáculo para possuirmos a vida eterna.
Talvez, o “vender tudo” queira dizer: desfaça-se do seu egoísmo, do seu orgulho, da sua vaidade, da sua avareza, da sua falta de amor, da sua frieza para as coisas de Deus, da sua apatia no relacionamento com o próximo e tudo o mais que coloca obstáculo ao nosso relacionamento com as coisas do céu.
Jesus diz claramente, sem rodeios: “Só uma coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” (Mc 10,21), como já havia dito antes: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3), e “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam; pois onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.” (Mt 6,19-21).
Só uma coisa falta para herdar o reino dos céus: desapegar-se das coisas da terra, das coisas do mundo, das coisas que as traças e os carunchos corroem e os ladrões arrombam e roubam, mas que é tão difícil dispor delas, ainda mais para atender, com elas, as necessidades dos menos afortunados. É aquilo mesmo que Jesus diz: “... onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.” (Mt 6,21), e o nosso coração está por demais apegado às coisas da terra.
Ao ouvir a determinação do Mestre de dispormos dos nossos bens materiais e dos nossos vícios e defeitos para seguí-lo, fazemos como o jovem rico: ficamos entristecidos, viramos as costas e nos afastamos de Jesus, e, ai então, “... Jesus, olhando em torno, disse a seus discípulos: ‘Como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus’!” (Mc 10,23).
Como é difícil alguém, apegado às coisas materiais, apegado a seus defeitos e vícios, e sem nenhum interesse de se converter, de mudar de vida e mentalidade, entrar no Reino de Deus.
Não é suficiente cumprir mandamentos. É necessário, antes de qualquer coisa, vivê-los, porque, “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21), e, “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt 6,24).
Jesus é taxativo, não deixa dúvidas a respeito disso, quando diz: “... portanto, qualquer de vocês, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14,33).  
Ao ouvirem Jesus dizer: “Como é difícil a quem tem riquezas entrar no reino de Deus!’, os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Jesus, porém, continuou a dizer: ‘Filhos, como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus’!” (Mc 10,24-25).
O centro do relato está no debate entre Jesus e os seus discípulos. Jesus afirma que “é mais fácil passar um camelo pelo buraco duma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,25). Os discípulos ficam “muito espantados” quando ouviram isso e se perguntaram “então quem pode ser salvo?”.
Porque ficaram espantados? O que houve de espantoso na colocação de Jesus?  Aqui está o âmago da questão. Os discípulos, realmente, ficaram admirados, como também nós ficaríamos e ficamos admirados com essa afirmativa e, como eles, também diríamos: “Então, quem pode ser salvo?” (Mc 10,26). Realmente, ninguém poderá ser salvo se não receber Jesus como seu Salvador e aceitar a sua palavra de vida eterna, porque, nos diz Jesus: “... sem mim, nada podeis fazer.” (Jo 15,5). Jesus, vendo os discípulos admirados ao afirmar que é difícil um rico entrar no Reino dos Céus e perguntarem “Então, quem pode ser salvo?”, fitou-os, disse: ‘Aos homens é impossível, mas não a Deus, pois para Deus tudo é possível’.” (Mc 10,26-27).
Talvez, se o jovem rico tivesse atendido ao convite do Mestre, teria sido escolhido como mais um de seus apóstolos. O chamamento que Jesus fez a esse jovem foi o chamamento para o apostolado, foi o mesmo chamamento que ele fez a todos e a cada um dos apóstolos: “venha e sigam-me”. (Mc 10,21) e, quem poderia dizer que, ao invés de doze, não teríamos treze apóstolos?
Talvez, se tivesse se desapegado de seus bens materiais, teria sido ele um fervoroso seguidor do Mestre, como o foi Pedro, Tiago, João, André e todos os demais, e hoje o honraríamos, como honramos todos os que foram apóstolos de Jesus.
Por não ter aceitado o convite de Jesus, hoje, para nós, esse jovem é simplesmente um anônimo de quem desconhecemos até o próprio nome, um ilustre desconhecido, e nada temosde qualquer coisa que o pudesse identificar. Ele apenas conhecia e dizia ser cumpridor dos mandamentos do Senhor, mas se descuidou em vivenciá-los, principalmente os mais importantes: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo.” (Lc 10, 27).
A doutrina de Jesus Cristo está alicerçada no desapego dos bens do mundo, e Tiago, como os demais apóstolos, e todos os santos da Igreja do Cristo, abraçou essa doutrina e a viveu nos moldes apresentados pelo Divino Mestre, conforme ele mesmo escreveu em sua carta 4,13-17 e 5,1-6.
Desapego não sugere não possuir, mas partilhar o que tem.
Ter bens não é pecado; pecado é querê-los e retê-los todos só para si, porque o pão não é meu nem seu, o pão é nosso, como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso.
Seguir a Jesus implica, em primeiro plano, o desapego total às coisas que promovem a injustiça e o desamor, a insatisfação e, dentre essas coisas, está o apego demasiado às coisas terrenas, às riquezas que não podemos levar para a vida eterna, a vida que não se acaba mais.
A escolha é sempre nossa, somente nossa: “a decisão é sua”...       

O direito de opção é de cada um, porque, "Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai achá-la." (Mt 10,39). 

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