"VÁ, VENDA TUDO, DÊ O DINHEIRO AOS
POBRES, E VOCÊ TERÁ UM TESOURO NO CÉU”. (Mc 10,21).
Diácono Milton Restivo
A primeira leitura é tirada
do livro da Sabedoria que é o último livro escrito no Antigo Testamento, por
volta do ano 50 aC .
Na passagem abordada, o
autor sagrado diz que a sabedoria é o maior dom que o homem pode receber do seu
Criador e que é mais valiosa que todos os bens da terra: “Eu a preferi
aos cetros e tronos e, em comparação com ela, considerei a riqueza como um
nada. Não a comparei com a pedra mais preciosa, porque todo o ouro, ao lado
dela, é como um punhado de areia. E junto dela a prata vale o mesmo que um
punhado de barro.” (Sb 7,8-9).
Na sequência do seu
Evangelho, Marcos diz que Jesus “ao retornar seu caminho, alguém correu e ajoelhou-se
diante de Jesus, perguntando: ‘Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna’?”
(Mc 10,17).
A narrativa de Marcos deste domingo está contida,
também, em Mateus 19,16-22 e Lucas 18,18-23, e a pessoa que se dirige a Jesus é
qualificada como “o moço, ou o jovem rico”.
Em Marcos, o homem que se dirigiu a Jesus, numa
atitude de respeito e adoração, pois “ajoelhou-se
diante dele”, pela pergunta formulada, aparentemente tinha um respeito
profundo por Jesus e demonstrava boas intenções, como nos demais Evangelhos. Era
alguém que, possivelmente, seguia à risca a Lei de Moisés e já ouvira os
ensinamentos de Jesus e acreditava que Jesus tinha o mapa que indicava o
caminho para a casa do Pai.
À primeira vista parece ser uma pessoa instruída, de
apurada educação ou, simplesmente bajuladora, pois que não se contenta em
somente chamar Jesus de Mestre; tentando ser agradável, o chama de “bom Mestre”.
Aparentemente Jesus refuta esse elogio ou bajulação atribuindo esse adjetivo a
Deus: "Porque me chamas bom? Ninguém
é bom senão só Deus." (Mc 10, 18), demonstrando que, mesmo sem o
saber, aquela pessoa ao chamar Jesus de "bom Mestre", admitia e
afirmava a divindade de Jesus.
Os Evangelhos não declinam o nome desse
"alguém", tendo ficado, no Evangelho de Mateus conhecido como “o jovem rico”, ou “o rico de notável posição”, ou ainda “o moço rico”, portanto, vamos nos referenciar a ele como o “jovem rico”.
Não sendo citado o seu nome fica mais fácil nós mesmos
atribuirmos a ele o nosso próprio nome; colocarmos-nos no lugar desse jovem
rico, nos dirigirmos a Jesus e fazer a mesma pergunta; correr até Jesus, cair
de joelhos à seus pés em atitude de adoração, e perguntar-lhe: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida
eterna?” (Mc 10,17). E Jesus nos
responderia: “... se queres entrar para a
Vida, guarda os mandamentos.”
Num primeiro momento, Jesus coloca diante do jovem as
exigências conhecidas por todo judeu piedoso e ensinadas pelas escolas
rabínicas - o cumprimento dos mandamentos. Mas o homem – que, sem dúvida, era
um praticante piedoso da Lei – sente que isso não é o suficiente, antes, é o
mínimo. Então, quer saber mais.
O jovem rico perguntou, e perguntaríamos também: “Quais?”, e Jesus responde: “Estes: Não matarás, não adulterarás, não
roubarás, não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu
próximo como a ti mesmo.” E assim Jesus põe diante dele as mínimas exigências
do Reino – o seguimento a Jesus, o despojamento dos bens e a partilha e
solidariedade.
E, ainda, como o jovem rico, ficaríamos contentes por
julgarmos que tudo isso que tenhamos feito e o fato de cumprirmos aqueles
mandamentos nos daria a quase certeza de já termos as chaves do céu e condições
de herdar a vida eterna e, com alegria, com a certeza de já termos conseguido a
salvação eterna, responderíamos a Jesus, com a certeza do dever cumprido, assim
como fez o jovem rico: “Tudo isso tenho
guardado. Que me falta ainda?” (Mt 19,17-20).
Talvez, diríamos mais ainda: “Todos esses mandamentos tenho guardado, Senhor: eu nunca transgredi os
mandamentos da Lei do Senhor; eu nasci numa família cristã e temente a Deus,
participei das escolas dominicais da minha comunidade, não perco uma missa aos
domingos e dias santos, eu nunca matei e nem feri ninguém; jamais cometi
adultério; nunca roubei; nunca falei mal de ninguém nem prejudiquei quem quer
que seja; eu amo o meu pai e minha mãe, aliás, eu até cuido deles, eles moram
comigo Que me falta ainda?”.
E Jesus, ao ouvir isso, como fez com o jovem rico,
voltaria para nós o seu olhar e nos olharia no mais profundo dos olhos, continuaria
a nos amar com a mesma intensidade que só Deus sabe amar, ainda que sabendo e
conhecendo as nossas limitações e pretensões equivocadas de santidade, nos
diria, cheio de doçura e amor: “Uma só
coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no
céu. Depois, vem e segue-me.” (Mc 10,21). Isso o jovem é incapaz de
aceitar. Isso nós somos incapazes de aceitar. O jovem estava amarrado aos seus
bens, pois era muito rico, e nós, apesar de menos ricos, somos apegados demais
às pouquíssimas coisas que nos prendem neste mundo.
O jovem fez a sua opção – optou por uma vida “regular”
que não exigisse partilha nem despojamento e, como consequência, foi embora
“muito abatido”, pois tinha colocado bens secundários acima do bem maior.
Quantas vezes, a cada um de nós, Jesus tenha feito
essa mesma proposta? Vender pode ser não desfazer dos bens, mas partilhar; o
que temos recebemos do Senhor, portando somos apenas administradores dos bens
que Deus coloca em nossas mãos e, sob a nossa administração, esses bens devem
ser partilhados, e quem partilha com generosidade os seus bens, só tem um
caminho: o seguimento a Jesus. Quando
Jesus dirige-se a alguém e profere o chamamento “segue-me”, ele está convidando
e convocando esse alguém para o apostolado, assim como fez com todos os doze
apóstolos que os convocou com esse chamamento.
A opção de seguir Jesus é de cada um, nos é dado o
direito da escolha: podemos tomar a iniciativa de seguí-lo ou não, como diz a
música do Padre Zezinho: “a decisão é
sua”.
Os atrativos do mundo são obstáculos para tomarmos
posse das coisas do céu. Cumprimos os mandamentos de Deus, e nos vangloriamos
disso; participamos de todos os ritos e rituais da Igreja, e por isso nos
julgamos superiores aos que não o fazem; cumprimos todas as determinações que
nos são sugeridas ou impostas por uma religiosidade flácida, tênue e
descompromissada e, além do mais, somos por demais apegados às coisas
materiais. E, por isso, julgamos já ter comprado um lote no céu e já ter
recebido a chave do apartamento, só faltando o passaporte para a grande viagem.
O desapego dos bens materiais não é fácil; muito pelo
contrário, lutamos sempre para ter mais e mais e, quanto mais conseguimos mais
queremos e mais nos afastamos do irmão, porque o irmão menos afortunado não tem
condições de competir com a nossa ânsia de poder.
Ao ouvir de Jesus “Uma
só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no
céu. Depois, vem e segue-me” (Mc 10,21), o jovem rico “... porém, contristado com essa palavra, saiu pesaroso, pois era
possuidor de muitos bens.” (Mc 10,22). O jovem rico possuía muitos bens,
muitas propriedades, muitas joias, muito dinheiro, muitas coisas a se apegar.
Qual teria sido o pensamento que passou na cabeça
desse jovem quando Jesus lhe propôs se desfazer-se dos seus bens? Em primeiro
lugar, a mentalidade judaica era que os ricos eram os abençoados por Deus,
pois, na interpretação deles, Deus acumulava de riquezas quem ele amava.
Segundo a teologia da prosperidade, no entendimento
dos judeus, os ricos eram os queridos de Yahweh, enquanto os pobres e os
doentes eram por ele amaldiçoados.
Possivelmente faria como nós mesmos faríamos e
diríamos: “o pobre é que vai trabalhar
como eu trabalhei para conseguir o que eu consegui. Trabalhei tanto, consegui
tudo e agora vou dar tudo de mão beijada? Tudo, menos isso”.
Os bens materiais, erroneamente usados, têm força
tamanha que nos prende ao mundo. O chamamento de seguir a Jesus e o seguimento
a Jesus tem a força de nos libertar dessa atração terrena e nos atrair para os
bens celestes. Talvez não possuamos
tanto, mas o pouco que temos já é um grande obstáculo para possuirmos a vida
eterna.
Talvez, o “vender
tudo” queira dizer: desfaça-se do seu egoísmo, do seu orgulho, da sua
vaidade, da sua avareza, da sua falta de amor, da sua frieza para as coisas de
Deus, da sua apatia no relacionamento com o próximo e tudo o mais que coloca
obstáculo ao nosso relacionamento com as coisas do céu.
Jesus diz claramente, sem rodeios: “Só uma coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás
um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” (Mc 10,21), como já havia dito
antes: “Bem-aventurados os pobres em
espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3), e “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os
corroem e onde ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos
céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam
nem roubam; pois onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.” (Mt
6,19-21).
Só uma coisa falta para herdar o reino dos céus:
desapegar-se das coisas da terra, das coisas do mundo, das coisas que as traças
e os carunchos corroem e os ladrões arrombam e roubam, mas que é tão difícil
dispor delas, ainda mais para atender, com elas, as necessidades dos menos
afortunados. É aquilo mesmo que Jesus diz:
“... onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.” (Mt 6,21), e
o nosso coração está por demais apegado às coisas da terra.
Ao ouvir a determinação do Mestre de dispormos dos
nossos bens materiais e dos nossos vícios e defeitos para seguí-lo, fazemos
como o jovem rico: ficamos entristecidos, viramos as costas e nos afastamos de
Jesus, e, ai então, “... Jesus, olhando
em torno, disse a seus discípulos: ‘Como é difícil a quem tem riquezas entrar
no Reino de Deus’!” (Mc 10,23).
Como é difícil alguém, apegado às coisas materiais,
apegado a seus defeitos e vícios, e sem nenhum interesse de se converter, de
mudar de vida e mentalidade, entrar no Reino de Deus.
Não é suficiente cumprir mandamentos. É necessário,
antes de qualquer coisa, vivê-los, porque,
“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas
sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21),
e, “Ninguém pode servir a dois senhores.
Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e
desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt 6,24).
Jesus é taxativo, não deixa dúvidas a respeito disso,
quando diz: “... portanto, qualquer de vocês,
que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.” (Lc
14,33).
Ao ouvirem Jesus dizer: “Como é difícil a quem tem riquezas entrar no reino de Deus!’, os
discípulos ficaram admirados com essas palavras. Jesus, porém, continuou a
dizer: ‘Filhos, como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus! É
mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no
Reino de Deus’!” (Mc 10,24-25).
O centro do relato está no debate entre Jesus e os
seus discípulos. Jesus afirma que “é mais
fácil passar um camelo pelo buraco duma agulha, do que um rico entrar no Reino
de Deus!” (Mc 10,25). Os discípulos ficam “muito espantados” quando ouviram isso e se perguntaram “então quem
pode ser salvo?”.
Porque ficaram espantados? O que houve de espantoso na
colocação de Jesus? Aqui está o âmago da
questão. Os discípulos, realmente, ficaram admirados, como também nós
ficaríamos e ficamos admirados com essa afirmativa e, como eles, também
diríamos: “Então, quem pode ser salvo?”
(Mc 10,26). Realmente, ninguém poderá ser salvo se não receber Jesus como seu
Salvador e aceitar a sua palavra de vida eterna, porque, nos diz Jesus: “... sem mim, nada podeis fazer.” (Jo
15,5). Jesus, vendo os discípulos admirados ao afirmar que é difícil um rico
entrar no Reino dos Céus e perguntarem “Então,
quem pode ser salvo?”, fitou-os, disse: ‘Aos homens é impossível, mas não a
Deus, pois para Deus tudo é possível’.” (Mc 10,26-27).
Talvez, se o jovem rico tivesse atendido ao convite do
Mestre, teria sido escolhido como mais um de seus apóstolos. O chamamento que
Jesus fez a esse jovem foi o chamamento para o apostolado, foi o mesmo
chamamento que ele fez a todos e a cada um dos apóstolos: “venha e sigam-me”. (Mc 10,21) e, quem poderia dizer que, ao invés
de doze, não teríamos treze apóstolos?
Talvez, se tivesse se desapegado de seus bens
materiais, teria sido ele um fervoroso seguidor do Mestre, como o foi Pedro,
Tiago, João, André e todos os demais, e hoje o honraríamos, como honramos todos
os que foram apóstolos de Jesus.
Por não ter aceitado o convite de Jesus, hoje, para
nós, esse jovem é simplesmente um anônimo de quem desconhecemos até o próprio
nome, um ilustre desconhecido, e nada temosde qualquer coisa que o pudesse
identificar. Ele apenas conhecia e dizia ser cumpridor dos mandamentos do
Senhor, mas se descuidou em vivenciá-los, principalmente os mais importantes: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu
coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento;
e a teu próximo como a ti mesmo.” (Lc 10, 27).
A doutrina de Jesus Cristo está alicerçada no desapego
dos bens do mundo, e Tiago, como os demais apóstolos, e todos os santos da
Igreja do Cristo, abraçou essa doutrina e a viveu nos moldes apresentados pelo
Divino Mestre, conforme ele mesmo escreveu em sua carta 4,13-17 e 5,1-6.
Desapego não sugere não possuir, mas partilhar o que tem.
Ter bens não é pecado; pecado é querê-los e retê-los
todos só para si, porque o pão não é meu nem seu, o pão é nosso, como Jesus nos
ensinou na oração do Pai Nosso.
Seguir a Jesus implica, em primeiro plano, o desapego
total às coisas que promovem a injustiça e o desamor, a insatisfação e, dentre
essas coisas, está o apego demasiado às coisas terrenas, às riquezas que não
podemos levar para a vida eterna, a vida que não se acaba mais.
A escolha é sempre nossa, somente nossa: “a decisão
é sua”...
O direito de opção é de cada um, porque, "Aquele que acha a sua vida, vai
perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai achá-la." (Mt
10,39).
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