“SENHOR, EU QUERO VER DE NOVO”. (Mc 10,51).
Diácono Milton Restivo
O Evangelho deste trigésimo domingo do Tempo Comum
coloca-nos no fim da caminhada de Jesus, desde a Cesaréia de Felipe até a sua
morte e ressurreição em
Jerusalém. Marcos encerra o bloco da caminhada com o último
milagre que ele relata de Jesus: a cura do cego Bartimeu. Jesus tinha passado
para o outro lado do Jordão: “Jesus
partiu dai e foi para o território da Judéia, do outro lado do rio Jordão”. (Mc
10,1). Agora chegou a Jericó. Parece que Jesus está com pressa: ele e os seus
discípulos chegaram a Jericó e logo saíram.
Jericó é uma das mais antigas cidades do mundo. Quando
os israelitas, depois da saída do Egito e a caminho da Terra Prometida,
invadiram Canaã, Jericó, que se situava na principal estrada que ligava o este
ao oeste, foi o último obstáculo para a invasão da Palestina Ocidental. Uma vez
que foi a primeira cidade a ser conquistada na Terra Prometida, Josué declarou
que os seus tesouros seriam dedicados a Deus como oferta (Js 6,17-19).
Jericó foi a cidade natal de Zaqueu, de cuja
hospitalidade Jesus desfrutou e teve uma longa conversa, conforme registrado em
Lucas 19,1-10. Agora Jericó muda o seu sentido: para os israelitas foi o último
obstáculo a ser vencido para entrar na Terra Prometida; para Jesus é a entrada
na terra de opressão onde ele vai sofrer a morte. Foi na saída de Jericó que
Jesus curou um cego, conforme Mateus 20,29-34, Marcos 10,46-52 e Lucas 18,35-43.
Mateus fala de dois cegos, enquanto Lucas e Marcos citam apenas um, e apenas
Marcos o identifica como Bartimeu.
Como vimos, no Antigo Testamento, Jericó era a última
cidade antes de o povo israelita tomar posse da Terra Prometida. No Novo
Testamento Jericó é a última cidade antes de Jesus chegar a Jerusalém para ali
consumar o plano de salvação do Pai e se transformar no Cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo, conforme dissera João Batista ao apontar Jesus para os
seus discípulos (cf Jo 1,29).
Parece que Jesus tem pressa para caminhar até
Jerusalém. Ao sair da cidade de Jericó, está o cego Bartimeu sentado à beira do
caminho. Está sentado imóvel, junto ao caminho, o lugar onde cai a mensagem (a
semente, cf Mt 13,4) e não dá fruto, porque Satanás a arrebata: “Os que estão à beira do caminho são aqueles
nos quais a Palavra foi semeada; logo que a ouvem chega Satanás e tira a
Palavra que foi semeada neles.” (Mc 4,15).
Jesus está a caminho com os seus discípulos; o cego
está sentado à beira do caminho. O cego é chamado de Bartimeu. Um homem que nem nome
próprio tem. Não sabemos o nome do cego. Marcos não o diz. Sabemos apenas o
nome de seu pai: “Timeu”. “Bar” ou “ben” na língua do povo no tempo de Jesus
era “filho” e Bartimeu quer dizer: “filho de Timeu”, como vemos um caso
idêntico em Mateus 16,17 e João 1,42: “Bem-aventurado
és tu, Simão, filho de Jonas (bar Jonas)”. Nesta passagem Jesus declina o
nome de Simão e cita o nome de seu pai.
Marcos, no entanto, não
cita o nome do cego, apenas diz que ele é filho de Timeu. Então era um ninguém,
um marginalizado cujo nome próprio era desconhecido. Um ninguém jamais visto e
considerado como portador de idéias e sentimentos próprios, de sua própria
visão, de convicções e sonhos, um marginalizado social, política e
religiosamente. Um nada, enfim. Alguém
que dependia em tudo dos outros e rejeitado pela sua família, pela sua
sociedade, pela sua religião. É o que podemos supor das poucas informações que temos
da história desse homem.
Bar-Timeu, um sem-nome, um nada,
pés sem rumo, mãos vazias, olhos que não vêem, um mendigo da misericórdia
alheia. Aparentemente um eterno condenado a passar pela vida apenas como um
objeto da compaixão dos homens. Logo que
Bartimeu ouve que é Jesus que passa, grita fortemente: "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!" (Mc 10,47).
Era cego e diante da impossibilidade de enxergar e ir
por sua livre iniciativa até o Nazareno, começou a gritar, demonstrando
humildade e fé na certeza de que Jesus poderia fazer alguma coisa por ele: “tem piedade de mim!" Gritou tanto a
ponto de incomodar a multidão que rodeava Jesus. Mandaram que se calasse. É o
grito do oprimido que a sociedade dominante sempre quer abafar.
O cego não levou em consideração a reprimenda dos que
o mandavam calar-se. É a força da oração. Apenas uma oração com fé pode ser
ouvida por Deus: "Tudo o que vocês pedirem na oração, acreditem que já
o receberam, e assim será”. (Mc 11,24). Aquecida pela humildade e pela fé,
a oração torna-se frutífera e fecunda. Jesus disse que se deve rezar sempre e
não desanimar, e para isso “Jesus contou
aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre e
nunca desistir”. (Lc 18,1ss).
O cego Bartimeu, mesmo sem conhecer, seguiu à risca
esse ensinamento de Jesus, e alcançou o que buscava: “Peçam, e lhes será
dado! Procurem, e encontrarão! Batam, e abrirão a porta para vocês! Pois todo
aquele que pede, recebe; quem procura, acha; e a quem bate, a porta será
aberta”. (Mt 7,7-8). E Jesus ouviu
os clamores do cego Bartimeu.
E Deus ouve o clamor dos oprimidos, marginalizados,
injustiçados, desprezados pela sociedade, pela religião, pelas autoridades.
Jesus é a síntese da vocação profética do Antigo Testamento, e ele mostra que
veio “para evangelizar os pobres;
proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, restituir a
liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor”. (Is 61,1-2;
Lc 4,18-19). Bartimeu deixa aqui um grande exemplo: pedir com fé e humildade
que Jesus atende. É necessário acreditar e aproximar-se com simplicidade e
confiança.
Bartimeu ensina também a fórmula infalível de oração,
dizendo: “Senhor, tende piedade de mim!”
Uma oração simples, mas carregada de fé. Jesus se sensibiliza com os apelos do
cego, parou e determinou que lhe o trouxessem. E assim o fizeram aqueles que, a
principio, quiseram não permitir que ele chegasse até Jesus.
Mas, que ironia: os mesmos que o mandaram o cego calar
a boca, agora têm que convidá-lo para falar com Jesus. Antes de ir ao encontro
de Jesus Bartimeu largou o manto, a única coisa que possuía, para se chegar a
Jesus, como o fizeram os primeiros discípulos André e Pedro chamados por Jesus
que “imediatamente deixaram as redes e
seguiram a Jesus”, e João e Tiago que “deixaram
o seu pai Zebedeu na barca com os empregados e partiram, seguindo a Jesus.” (cf
Mc 1,16-20). Com o gesto de deixar o manto o evangelista indica que o cego,
agora discípulo, cumpre as condições de seguimento a Jesus: renuncia à ambição
de poder: “se alguém quer me seguir,
renuncie a si mesmo” (cf Mt 16,24;
Mc 8,34; Lc 9,23) e aceita a recriminação da sociedade: “tome a sua cruz e me siga”, disposto,
no caso extremo, a dar a vida: “pois quem
quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a vida por causa de mim e
da Boa Notícia, vai salvá-la.” (Mc 8,34-35). Bartimeu aprende que não é
possível seguir a Jesus sem deixar algo, sem arriscar a segurança humana para
experimentar a mão de Deus: “O cego
largou o manto, deu um pulo e foi até Jesus.” (Mc 10,50). Jesus deve te-lo
contemplado com amor e carinho, mas antes de qualquer atitude, quer provar a fé
do cego; quer saber se realmente o cego acredita que Jesus pode curá-lo e mais,
que ele mesmo queira ser curado: “Então
Jesus lhe perguntou: ‘O que você quer que eu faça por você? ’ O cego respondeu:
‘Mestre, eu quero ver de novo’. (Mc 10,51). O cego já não chama mais Jesus
de “Filho de Davi”, mas de “Senhor”, título que se dava ao próprio Deus,
reconhecendo assim em Jesus o Homem Deus, o Messias, o Filho de Deus (cf Mc
1,1).
Esta narrativa mostra-nos que o homem não era um cego
de nascimento, pois ele queria ver de novo: até certa época de sua vida ele
tinha tido visão. Quantos foram educados na religião, professaram a religião
por um tempo, contemplaram as maravilhas de Deus em suas vidas e, a partir de
um determinado tempo perderam o contato com Deus, perderam a visão que os
identificavam com a imagem e semelhança de Deus e, de repente, se viram cegos
na fé e da fé; passaram a não enxergar mais nada e Deus passou a ser uma voz
que se ouve e passa ao longe, mas que não podem ver o seu vulto, a sua face, a
sua misericórdia. E quando se voltam para Deus, ouvem a mesma pergunta que
Jesus fez ao cego e, para serem curados, há a necessidade de responderem como o
cego fez: “Mestre, eu quero ver de novo”.
(Mc 10,51).
Jesus respeita a liberdade do cego e pergunta "o que quer que faça por você?”. Jesus
não obriga ninguém a se libertar porque há os que prefiram ficar sentados à
beira do caminho, na sua comodidade e não opte pela libertação. Mas Bartimeu
quer ver de novo. “Jesus disse: ‘Pode ir, a sua fé curou você’.”
Curado, Bartimeu recebe licença para ir, para seguir a
sua vida. Mas ele faz outra opção: “No
mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho.” (Mc
10,52).
Bartimeu já não ficou imóvel “junto ao caminho”, mas se pos em movimento “pelo caminho” nas pegadas de Jesus. Ir ao encontro de Jesus, como
fez Bartimeu, implica despojar de tudo quanto prende, dando passos concretos e
saber realmente o que se quer dele: ‘Mestre,
eu quero ver de novo’. (Mc 10,51).
A fé, a humildade, a sinceridade e a transparência dão
significado aos pedidos. Reconhecer a cegueira é reconhecer o pecado. Por isso,
deve-se também dizer a verdade: “Mestre,
que eu veja!” E é isso que precisa acontecer: ver, enxergar a miséria e
reconhecer que Jesus pode curar. Só a sua misericórdia pode tirar todos da
mesmice da vida.
Mas, se se está no meio daqueles que estão seguindo a
Jesus e se se conservar perto dele, que se possa também dizer a todos que estão
presos e sentados à beira do caminho para poderem enxergar as maravilhas do
Senhor: “Coragem, levante-se, porque
Jesus está chamando você.” (Mc 10,49).
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