domingo, 18 de outubro de 2015

QUEM QUISER SER O MAIOR, SEJA AQUELE QUE SERVE A TODOS...


“QUEM DE VOCÊS QUISER SER GRANDE, DEVE TORNAR-SE O SERVIDOR DE VOCÊS, E QUEM DE VOCÊS QUISER SER O PRIMEIRO, DEVERÁ TORNAR-SE O SERVO DE TODOS.” (Mc 10, 43-44).


Diácono Milton Restivo

A primeira leitura, tirada do livro do profeta Isaías, está dentro do contexto da missão do servo sofredor de Yahweh. Os cantos do servo sofredor contido em Isaías estão assim distribuídos: primeiro canto, 42,2-4; segundo canto, 49,1-6; terceiro canto, 50,40-11 e, quarto canto, 53,1-12. 
Esta leitura, portanto, contém uma partícula do quarto canto do servo sofredor de Yahweh.
Mas, quem é o servo sofredor citado por Isaías
Não é fácil identificar quem seria o servo sofredor a que se refere Isaías. Não foi sem motivos que, em Atos 8,26-40, o eunuco etíope, ao ler a seguinte passagem do profeta Isaías, ficou embaraçado: “Ele foi levado como ovelha ao matadouro. E como um cordeiro diante do seu tosquiador, ele ficava mudo e não abria a boca. Quem poderá contar seus seguidores? Porque eles o arrancaram da terra dos vivos.” (Is 53,7-8; At 8,32-33).
Perguntado pelo diácono Filipe se ele havia entendido o que lia, o eunuco respondeu: “Por favor, me explique: de quem o profeta está dizendo isso? Ele fala de si mesmo, ou se refere a outra pessoa?” (At 8,34).
        Não era fácil identificar de quem Isaías se referia: se seria ele mesmo, se seria o povo de Israel, se seria uma pessoa anônima, ou se teria uma interpretação messiânica. 
Essa narração, porém, parece-se tanto com a descrição feita pelos autores dos evangelhos sobre os sofrimentos de Jesus no processo de acusação e no dia de sua morte que Isaías chegou a ser chamado de quinto evangelista.
Se quiséssemos resumir, numa palavra, o sentido desta primeira leitura, diríamos que aquilo que, aos nossos olhos, é considerado fracasso, para Deus é tido como vitória, como diria Paulo, mais tarde: “Os judeus pedem sinais e os gregos procuram a sabedoria; nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, ele é o Messias, poder de Deus e sabedoria de Deus.            A loucura de Deus é mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens. [...] Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo para confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é importante”. (1Cor 1,22-25.27-28).
Nos escritos do Novo Testamento os autores sagrados voltam seus olhares para a realização perfeita dessa profecia do servo sofredor na pessoa de Jesus, conforme vemos na explicação de Filipe ao eunuco etíope: “Então Filipe foi explicando. E tomando essa passagem da Escritura como ponto de partida, anunciou Jesus ao eunuco. [...] O eunuco respondeu: ‘Eu acredito que Jesus Cristo é o Filho de Deus.” (At 8,35.37).
A segunda leitura, a carta aos Hebreus deixa claro que, se hoje “temos um sumo sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus”, e que ele “é capaz de se compadecer de nossas fraquezas”, foi porque, antes se ser levado à glória junto ao Pai, Jesus se submeteu a tudo àquilo que o servo sofredor de Isaías se propôs “pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, exceto no pecado.” (Hb 4,14-15).
Jesus, antes de ser “o sumo sacerdote eminente que entrou no céu”, foi, antes de tudo, o servo sofredor cantado por Isaias, que é “capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós.”
Jesus não fez de conta que era um homem, mas foi homem de verdade, na sua totalidade, de fato, assumindo todas as consequências da natureza humana, tendo enfrentado todas as vicissitudes pelas quais nós passamos e, como homem, se tornado servo de todos, como ele mesmo diz no Evangelho: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida como resgate para muitos”. (Mc 10,45).
E agora, como sumo sacerdote, Jesus é o pontífice, isto é, aquele que construiu a ponte para ligar o homem ao Pai. Jesus é o mediador entre nós e o Pai e, por isso, “aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno”. (Hb 4,16).
Na sequência, o episódio narrado no Evangelho de hoje, vem em seguida ao terceiro anúncio da Paixão. Os evangelistas sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) registram três “anúncios da Paixão”, que são feitos na caminhada rumo a Jerusalém, indo Jesus ao encontro das multidões de peregrinos que para aí acorriam para cumprir a observância da celebração anual da Páscoa, no templo. E essa Páscoa, segundo os Evangelhos sinóticos, seria a última de Jesus; então ele estava a caminho do supremo sacrifício. Depois de cerca de três anos de convivência com Jesus, vendo e participando dos ensinamentos, milagres e sinais que Jesus dava, fazia e realizava, os discípulos ainda manifestavam incompreensão em relação à boa nova de Jesus.
É João, logo João, o chamado “discípulo amado”, um dos discípulos mais próximos de Jesus e seu irmão Tiago, que manifestam suas aspirações de estarem à direita e à esquerda de Jesus, como primeiro e segundo ministros do império que eles julgavam que Jesus viera para que se tornasse realidade ao final da jornada que eles faziam rumo a Jerusalém, e que ali, em Jerusalém, Jesus se revelaria o Messias esperado pelos judeus e assumiria o poder esperado por todos, expulsando os romanos, dominadores do povo. 
Então, pensou João, antes que isso aconteça e antes que alguém pleiteie essa posição, deixe que eu e meu irmão nos antecipemos. Tiago e João se aproximam de Jesus de modo ousado, determinante e imperativo e lhe falam: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir. [...] Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!” (Mc 10, 35.37).
Tal atitude se parece com a nossa, quando nos dirigimos ao Senhor. Porque não pedimos que se faça a vontade de Deus, mas a nossa. Por isso Jesus lhes responde: “Vocês não sabem o que estão pedindo” (Mc 10,38). A exemplo de João e Tiago, não sabemos o que pedimos.
O mais interessante é que o evangelista diz que “quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João.” (Mc 10, 41). Porque ficaram com raiva? Não porque achavam sem sentido o pedido dos dois, mas porque, no fundo, cada um deles queria ter o lugar de honra e poder nesse suposto reino terrestre que Jesus iria assumir.
O vírus de dominação é mais do que contagioso. Essa indignação não foi porque os dois irmãos fizeram um pedido fora de propósito ao Mestre, mas sim porque eles fizeram esse pedido antes que eles mesmos tivessem tempo de fazê-lo; os irmãos, simplesmente, se anteciparam ao desejo de poder dos demais discípulos; daí a causa da indignação.
Que paciência que Jesus teve de ter; a mesma paciência que uma mãe tem para um filhinho de dois anos. Afinal de contas, que faixa etária na fé estariam os discípulos na oportunidade no seguimento de Jesus? Apenas pouco mais de dois anos de caminhada com Jesus. Não haviam amadurecido na fé. Jesus, além de ser Mestre, é amigo, pai e mãe. Jesus, com a maior calma e maternalmente, chama a atenção dos discípulos e diz: “entre vocês não devem ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servo de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos”. (Mc 10,43-44), e, continuando, ele mesmo dá o exemplo: “porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos”. (Mc 10,45).
Ser discípulo de Jesus é ter o mesmo ideal, a mesma prática do que ele! O texto torna-se muito atual para os dias de hoje.
Hoje em dia vivemos num mundo de competição. Cada qual quer se destacar mais que o outro. Em qualquer lugar onde existe mais de uma pessoa, uma quer se destacar mais que a outra, quer ser melhor e mais importante e ocupar o melhor lugar, ainda que isso implique em pisar na outra pessoa. Isso acontece na família, na sociedade, no trabalho, no comércio, nas entidades desportivas ou de classe.
As pessoas querem sempre aparecer, querem estar sempre em evidência. Querem sempre se destacar das demais. Se praticarem um esporte, querem sobrepujar aos demais. Se vão a uma festa, querem se apresentar sempre melhores vestidos e ocuparem os melhores lugares e serem notados por todos. Se vão a uma reunião, querem ocupar lugares de destaque. No trabalho tudo fazem para que o patrão note seus esforços, não importando se, para serem promovidos, pisem e maltratem seus colegas de trabalho, tenham de falar mal ou desprestigiar o trabalho dos outros.
Todos querem ocupar o primeiro lugar. Todos querem ser notados. Isso é inerente à natureza humana. No tempo de Jesus não era diferente, como nunca foi diferente na história da humanidade.
A doutrina de Jesus contraria o modo de pensar do mundo como disse Paulo: “Mas, Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo para confundir o que é forte.” (1Cor 1,27).
O mundo incita que se ocupem os primeiros lugares onde quer que se esteja, e os Apóstolos de Jesus, inebriados com as coisas do mundo e julgando que no céu seria a mesma coisa, em outra ocasião, perguntam ao Mestre: “Quem é o maior no Reino dos Céus?” (Mt 18,1).
O mundo deixa claro que só são importantes aqueles que ocupam os primeiros lugares, e aí vem Jesus e diz: “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos.” (Mc 9, 35). O mundo prega a ganância, o orgulho, a vaidade; Jesus prega a humildade, a simplicidade, a caridade, o amor. Nada se faz nesse mundo que não se objetive lucros, retornos ou retribuições; tudo o que se faz é por interesse, e muitas vezes, interesses escusos, e, por isso, Jesus adverte: “Ao dar um almoço ou jantar, não convide seus amigos, nem seus irmãos, nem seus parentes, nem os vizinhos ricos; para que não lhe convidem por sua vez e lhe retribuam do mesmo modo. Pelo contrário, quando você der uma festa, chame pobres, estropiados, coxos, cegos; feliz você será, então, porque eles não tem como lhe retribuir. Você será, porém, recompensado na ressurreição dos justos.” (Lc 14,12-14). A força do cristão está na simplicidade, caridade, na humildade.
É no trabalho e no serviço aos irmãos que o cristão encontra sentido da vida que busca. 
Quem quiser ser o maior no reino dos Céus deve ser o primeiro a servir os irmãos, a valorizar os irmãos, a respeitar os irmãos, a se colocar ao serviço dos irmãos, porque, no dizer de Jesus, “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos.” (Mc 9, 35).
O mundo jamais saciará aqueles que atendem ao seu convite de serem importantes aos olhos dos homens porque o mundo sempre vai exigir que se queira mais e mais e mais.
Os ensinamentos de Jesus são exatamente ao contrário do que ensina o mundo. O mundo diz: “Se você quer ser o primeiro não se preocupe em espezinhar o outro, a mentir, a levantar falso testemunho, a ser infiel, não dê chances às pessoas que você não gosta e que você julga ser seu inimigo; não se preocupe com a opinião dos outros, o importante é você ser o primeiro em tudo a qualquer custo”.  Jesus vem e diz: “... se quiser ser o primeiro, seja o último e o servo de todos.” (Mc 9,35). “Dou-lhes um mandamento novo: que se amem uns aos outros. Nisso reconhecerão todos que vocês são meus discípulos, se tiverem amor uns pelos outros.” (Jo 13, 34-35).
Antes de advertir João, Tiago e todos os demais discípulos, Jesus fala o óbvio: “aqueles que se dizem governadores das nações tem poder sobre elas, e os seus dirigentes tem autoridade sobre elas” e isso os coloca em posição de destaque e tendo direto às mordomias inerentes ao cargo que ocupam e, carinhosamente, lhes orienta: “mas, entre vocês não deverá ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos” e acrescenta ainda, explicando melhor a lição que lhes quer dar, dando o exemplo: “porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos.” (Mc 10, 42-45).
Jesus uniu tais palavras ao gesto, ao exemplo quando, na última ceia, lavou os pés dos discípulos: “Jesus se levantou da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Colocou água na bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando com a tolha que tinha na cintura”.
Com certeza, o espanto foi geral. Ao pegar a bacia e toalha, Jesus assumiu a função de um servo, agia como um escravo. Mais complicado ainda: exercia uma atividade que um judeu, mesmo na condição de servo, não aceitava fazer. Pedro reagiu a seu modo: “tu não vais lavar os meus pés nunca”. Só aceitou a contra gosto, quando viu que não ia convencer Jesus do contrário.
Ao terminar e “depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto, sentou-se de novo, e perguntou: ‘Vocês compreenderam o que eu acabei de fazer? Vocês dizem que eu sou o Mestre e o Senhor. E vocês tem razão; eu sou mesmo. Pois bem, eu que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros”.
E ai vem o grande ensinamento: “Eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz. Eu garanto a vocês: o servo não é maior que o seu senhor, nem o mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Se vocês compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática.” (Jo 13,4-17).

Jesus propõe aos discípulos um novo jeito de pensar e agir. “Se alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a todos” (Mc 9, 35).  

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