segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

CONVERSÃO DE SÃO PAULO


CONVERSÃO DE SÃO PAULO


A conversão de Saulo se deu por volta dos anos 33 ou 34 d.C. e é narrada três vezes (At 9,1-19; 22,3-21; 26,12-20) e mencionada pelo próprio Paulo nas suas cartas (Gl 1,12-24; 1Cor 9,1; 15,8s; Fl 3,4-12; 1Tm 1,3). 
Segundo o livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo converteu-se sem a pregação do evangelho por parte de outro homem: “Irmãos, eu declaro a vocês: o Evangelho por mim anunciado não é invenção humana. E, além disso, não o recebi nem aprendi através de um homem, mas por revelação de Jesus Cristo.” (Gl 1,11-12).
Afinal, quem pregaria para Saulo? O próprio Ananias ficou temeroso quando Deus lhe enviou a orar por aquele que era conhecido como o grande perseguidor da igreja: “Ananias respondeu: ‘Senhor, já ouvi muita gente falar desse homem e do mal que ele fez aos teus fiéis em Jerusalém. E aqui em Damasco ele tem plenos poderes que recebeu dos chefes dos sacerdotes, para prender todos os que invocam o teu nome’.” (At 9,13-14).
Uma conversão sem pregação constitui-se exceção. O normal é que alguém pregue o evangelho para que outros se convertam, como Paulo mesmo disse: “Ora, como poderão invocar aquele no qual não acreditam? Como poderão acreditar, se não ouviram falar dele? E como poderão ouvir, se não houver quem o anuncie?”  (Rm 10,14).
A conversão de Paulo não se deu de uma hora para outra, conforme está narrado e é entendido nos Atos dos Apóstolos; foi um processo longo e demorado. Paulo vai mudando de mentalidade; Paulo, como fariseu, tinha uma visão de Deus, das pessoas e das coisas; como cristão ele passa a ter uma visão totalmente diferente com relação a Deus, às pessoas e às coisas, mas o Deus que ele adorava antes, como fariseu, é o mesmo Deus que ele continuou a adorar como cristão, mas, só que, agora, um Deus mais próximo dele que o amou e que se entregou por ele (cf Gl 2,20b), e que morreu por ele quando ele ainda era pecador (cf Rm 5,8). 
      Paulo, enquanto fariseu, para ele tudo era errado se não estivesse com seu jeito de pensar e agir. Paulo rompe essa estrutura ao descobrir que Jesus deu a vida por todos; a partir daí, Paulo começa a ter uma visão diferente das pessoas: os pagãos deixaram de ser impuros e endemoniados, como pensavam os judeus, especialmente os fariseus. A experiência de Jesus Cristo faz com que Paulo deixasse de ver as coisas e as outras pessoas como demônios impuros, errados, diferentes.
Os Atos dos Apóstolos 9,1-2 relatam: “Saulo só respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor. Ele apresentou-se ao sumo sacerdote, e lhe pediu cartas de recomendação para as sinagogas de Damasco, a fim de levar presos para Jerusalém todos os homens e mulheres que encontrasse seguindo o Caminho.”
O texto bíblico mostra Paulo como uma pessoa de coração endurecido. Na sua defesa ao judaísmo, Paulo estava se dispondo a ir à caça aos cristãos, mesmo que estes estivessem fora de Jerusalém.
No livro dos Atos dos Apóstolos, capítulo 22, há a defesa de Paulo perante o povo. Aqui, ele repete o que foi dito no mesmo livro, capítulo 9, confirmando como outrora era sua conduta. Na sua defesa perante o rei Agripa, Paulo confessa atitudes de crueldade contra os cristãos: “Eu também antes acreditava ser meu dever combater com todas as forças o nome de Jesus, o Nazareu. E foi isso que eu fiz em Jerusalém: prendi muitos cristãos com autorização dos chefes dos sacerdotes, e dei o meu voto para que fossem condenados à morte. Em todas as sinagogas eu procurava obrigá-los a blasfemar por meio de torturas e, no auge do furor, eu os caçava até em cidades estrangeiras.” (At 26,9-11).
Lucas, no livro dos Atos dos Apóstolos, narra que na estrada para Damasco tem-se início uma transformação em Paulo que se tornaria radical. A esse acontecimento segue-se a Palavra do Senhor a Ananias, em At 9,16, explicando como seria a transformação de perseguidor para perseguido: “Eu vou mostrar a Saulo o quanto ele deve sofrer por causa do meu nome. – e não demorou muito para que Paulo percebesse isso. Logo de início, os judeus de Damasco, ouvindo-o falar, planejaram matá-lo e ele teve que ser ajudado a fugir.” (At 9,22-25).
Conforme a Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1988), o termo apóstolo é palavra grega e significa enviado. No início da Igreja poderia significar tanto os doze discípulos escolhidos pessoalmente por Jesus Cristo (Mt 10,2-4; Mc 3,16-19; Lc 6,13-16 e At 1,13), como os primeiros que receberam, portaram e transmitiram a Boa Nova e que foram chamados para uma missão particular, como Paulo, Matias e Barnabé.
De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, 1,15,26, através do discurso de Pedro, fica claro que o termo  apóstolo era empregado somente aos discípulos escolhidos por Jesus Cristo por terem acompanhado o Mestre o tempo todo  de sua vida pública, desde o batismo de João até o dia em que foi levado ao céu, e Pedro manifesta isso quando reunidos para a escolha de um substituto para Judas Escariotes: “Há outros homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor vivia no meio de nós, desde o batismo de João até o dia em que foi levado ao céu. Agora é preciso que um deles se junte a nós para testemunhar a ressurreição”. (At 1,21-22). 
Daí deduz-se que o entendimento restrito dos Doze era de que apóstolo seria somente aquele que havia estado desde o princípio com Jesus e tinha sido testemunha de todos os seus atos e ensinamentos e, principalmente, da ressurreição, e isso faz o universo cristão primitivo reservar o título de apóstolo somente aos doze discípulos que Jesus mesmo escolheu e deu o nome de apóstolos depois de uma noite de oração: “Nesses dias, Jesus foi para a montanha a fim de rezar.          E passou toda a noite em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou seus discípulos, e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de apóstolos: Simão, a quem também deu o nome de Pedro, e seu irmão André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelota; Judas, filho de Tiago, e Judas Escariotes, aquele que se tornou traidor.” (Lc 6,12-16). Depois disso, Lucas não chama a mais ninguém de apóstolo, a não ser em At 14,14: “Ao saber disso, os apóstolos Barnabé e Paulo rasgaram as vestes e foram para o meio da multidão gritando...” Mas, é claro e notório que nem Barnabé e nem Paulo se encaixavam no modelo de apóstolo defendido por Pedro.
Nas suas cartas, além de se autodenominar apóstolo, Paulo qualifica outros discípulos seus da mesma forma: “Saúdem Andrônico e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão; eles são apóstolos importantes e se converteram a Cristo antes de mim.” (Rm 16,7).
Tiago, o irmão do Senhor, também foi chamado por Paulo de apóstolo, não porque estivera com o Senhor durante todo o seu ministério terreno; pelo contrário, Tiago foi reconhecido apóstolo por Paulo por sua autoridade na Igreja de Jerusalém: “Entretanto, não vi nenhum outro apóstolo, a não ser Tiago, o irmão do Senhor.” (Gl 1,19). Tiago tomou a frente nas decisões da Igreja em Jerusalém por ocasião do primeiro concílio da era Cristã, conforme At 15, 13-21.
            A palavra apóstolo é tradução do aramaico e significa enviado ou mensageiro.  É um termo que não se encontra no grego clássico e nem nos escritos do judaísmo helenista.  É originário dos LXX. Apesar de, nos Evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos figurarem sempre os mesmos doze escolhidos particularmente por Jesus Cristo, Paulo dá a esse termo um sentido mais amplo, sendo antes a indicação de uma função do que um título oficial: “Aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres...” (1Cor 12,28).
Com a chegada de Paulo no ministério apostólico começa a serem lançadas novas luzes na revelação inicial, e Paulo revela sua condição e faz defesa do seu ministério apostólico: “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo por vontade e chamado de Deus...” (1Cor 1,1); “Por acaso não sou livre? Não sou apóstolo? Não vi nosso Senhor?” (1Cor 9, 1). “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo por ordem de Deus nosso Salvador e de Jesus Cristo nossa esperança, a Timóteo, meu verdadeiro filho na fé; graça misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo nosso Senhor.” (1 e 2Tm 1,1-2).
O primeiro historiador da Igreja, Lucas, refere-se a Paulo e a Barnabé como apóstolos (At 14-14). Paulo tem consciência desse título e não o esconde, porém, deixa claro que não foi ele que se fez apóstolo.  Quando menciona o fato, faz questão de declarar que é apóstolo por vontade de Deus (1Cor 1,1; 2Cor 1,1; Ef 1,1; Cl 1,1;  1Tm 1,1 e 2Tm, 1,1) e assevera que foi chamado a ser apóstolo (Rm 1,1).  Paulo é tão cuidadoso a respeito desse assunto que insiste em explicar que é apóstolo não da parte dos homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai (Gl 1,1). 
O homem que experimentou profunda transformação à porta de Damasco (At 9), explica aos corintos: De fato, no meio de vocês se realizaram os sinais do verdadeiro apóstolo: paciência a toda prova, sinais, milagres e prodígios. (2Cor 12,12).
Paulo considera-se a si mesmo como apóstolo e testemunha, embora não tenha sido testemunha da ressurreição do Mestre: “Em último lugar apareceu a mim, que sou um aborto. De fato, eu sou o menor dos apóstolos e não mereço ser chamado apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. Mas aquilo que sou, eu o devo à graça de Deus; e sua graça dada a mim não foi estéril. Ao contrário, trabalhei mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo. Portanto, ai está o que nós pregamos, tanto eu como eles; ai está aquilo no qual vocês acreditaram.” (1Cor 15,8-11). “Deus, porém, me escolheu antes de eu nascer e me chamou por sua graça.” (Gl 1,15). “Então o Senhor me disse: Vá! É para longe, é para os pagãos que eu vou enviar você.” (At 22,21). “Pelo que vejo, Deus reservou o último lugar para nós que somos apóstolos, como se estivéssemos condenados à morte, porque nos tornamos espetáculo para o mundo, para os anjos e para os homens.” (1Cor 4,9).
Paulo, assumindo integralmente a missão de apóstolo a que fora chamado, se reveste de Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim.” (Gl 2,20). O coração de Paulo, já não é mais de Paulo, é de Cristo; os sentimentos de Paulo já não são mais de Paulo, são de Cristo; Paulo personalizou os valores de Cristo: quem entende Paulo é impossível que não entenda Cristo. Partindo dessa primícia e entrega total, Paulo exorta a todos os seus discípulos a fazer como ele: deixar que Cristo viva em cada um, como convém ao verdadeiro discípulo de Cristo: “Sejam imitadores de Deus como filhos queridos. Vivam no amor assim como Cristo nos amou e se entregou a Deus por nós, como oferta e vítima, como perfume agradável.” (Ef 5,1-2). “Irmãos, sejam meus imitadores e observem os que vivem de acordo com o modelo que vocês têm em nós.” (Fl 3,17). “Portanto, eu lhes dou um conselho: sejam meus imitadores.” (1Cor 4,16). “Sejam meus imitadores, como também eu o sou de Cristo.” (1Cor 11,1). “E vocês imitaram o nosso exemplo e o exemplo do Senhor, acolhendo a palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações.” (1Ts 1,6).

São Gregório de Nissa, Século IV, aborda esse tema com a sabedoria de quem vive em plenitude, experimentando e conhecendo profundamente o que Paulo, mais com vida do que com palavras, viveu e transmitiu aos seus discípulos: “Paulo sabe bem quem é Cristo, mais acuradamente do que todos. Com efeito, por suas atitudes mostrou como deve ser quem recebe o nome do Senhor, porque o imitou tão exatamente que revelou em si mesmo o próprio Senhor. Por tal imitação cheia de amor, transferiu seu espírito para o Exemplo, de modo que não mais parecia ser Paulo e sim Cristo, como ele mesmo bem o disse, reconhecendo a graça em si: ‘quereis uma prova daquele que em mim fala, o Cristo’. E mais: ‘Vivo eu, já não eu , mas é Cristo quem vive em mim’.” 

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