domingo, 24 de janeiro de 2016

“O ESPÍRITO DO SENHOR ESTÁ SOBRE MIM...” (Lc 4,18).


“O ESPÍRITO DO SENHOR ESTÁ SOBRE MIM...” (Lc 4,18).


Diácono Milton Restivo

A liturgia de hoje é muito rica de ensinamentos.
Em primeiro lugar Lucas nos transmite a veracidade dos seus escritos e inicia o seu Evangelho com humildade e com a preocupação de deixar clara a seriedade do testemunho dos Evangelhos.
Os Evangelhos são testemunhos de fé e não fábulas ou trabalhos literários que foram escritos para serem lidos, admirados e acondicionados nas estantes.
Os Evangelhos são testemunhos de fé de quem crê e que trabalha para que, através de sua vivência e testemunho, outros venham a crer com razão e fé profunda.
O início do Evangelho de Lucas tem uma dedicatória “ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo” (Lc 1,3). Não sabemos quem foi Teófilo: se foi uma pessoa física, se foi uma comunidade, ou se são todos os que aderiram ao Evangelho de Jesus Cristo. Realmente, não sabemos se se trata de uma pessoa ou se Lucas escreveu o seu Evangelho para todos aqueles que creram e aderiram à sua mensagem que retrata os ensinamentos de Jesus, pois que, “Teófilo” quer dizer exatamente “amigo de Deus”, e quem assimila e vive a mensagem torna-se “Teófilo”, “amigo de Deus”.
Lucas foi cuidadoso no que escreveu. Tinha conhecimento de que muitos já haviam escrito sobre Jesus, “muitas pessoas já tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós” (Lc 1,1), mas Lucas mostra que não ficaria satisfeito com o que conhecia e já havia lido. Aquilo não era o suficiente. 
       Então Lucas buscou informações com “testemunhas oculares e ministros da palavra” (Lc 1,2), ou seja, com os próprios apóstolos e discípulos de Jesus que conviveram e caminharam com Jesus nas estradas ensolaradas e poeirentas da Palestina e que foram testemunhas oculares e assumiram com responsabilidade a difusão da mensagem de Jesus.
Lucas testemunha a veracidade e solidez dos seus escritos para não deixar dúvidas sobre o seu testemunho a respeito de Jesus: “desse modo poderás verificar a solidez dos ensinamentos que recebestes” (Lc 1,4). E hoje, neste mundo que virou um mega coquetel de religiões, onde cada qual faz a sua religião e dela quer tirar proveito próprio de acordo com o seu gosto, comodismo e interesses próprios, Lucas, no seu Evangelho, quer deixar claro que, somente em Cristo, Deus se revelou plenamente e que existe somente uma verdade, que é Cristo, e somente um caminho que leva ao Pai, que é Cristo.
Indo mais além no texto do Evangelho de hoje, Lucas nos apresenta Jesus no início de sua vida pública e no seu primeiro contato com o povo da sua cidade de infância e adolescência: Nazaré.  Lucas narra, neste texto, a primeira experiência da vida pública de Jesus. Deu-se na sua terra onde fora criado, onde vivera a sua infância e adolescência, chegando à maturidade – Nazaré -, “onde tinha se criado”.  
No culto da sinagoga, aos sábados, aconteciam duas leituras: a primeira tirada da Lei e era obrigatória e, a segunda era tirada dos livros dos Profetas, que era comentada. Segundo muitos estudiosos, a primeira leitura era fixa e tinha que ser da Lei, mas a segunda ficava a critério do leitor; o leitor escolhia ao seu bel prazer a leitura que iria fazer.
Jesus pegou e abriu o rolo do Profeta Isaías, procurou e encontrou a passagem que diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano da graça do Senhor”. (Lc 4,18-19; Is 61, 1-2).  Jesus identificou a sua missão com aquilo que o profeta Isaias escrevera no seu livro, 61,1-2: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção”. (Lc 4,18).  
Em que oportunidade concretizou-se esta consagração? No batismo às margens do rio Jordão.
Há quinze dias comemorávamos o batismo de Jesus por João Batista e meditávamos sobre este mistério: o Pai ungiu Jesus com o Espírito Santo como Messias de Israel. Nessa oportunidade Jesus recebeu e assumiu em plenitude os dons, os carismas do Espírito Santo assim como, cada cristão recebe, no seu batismo, os carismas do Espírito Santo. Assim como o Espírito do Senhor veio sobre Jesus, o Espírito do Senhor está sobre cada cristão que assume com responsabilidade o seu batismo, e o Espírito também consagra o cristão para anunciar a Boa Nova.
Nesta frase “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou para anunciar a Boa Notícia” Jesus identifica, na sua pessoa, como homem, quem seja o cristão, e se faz protótipo do cristão: aquele que recebeu, na sua totalidade, o Espírito Santo no seu batismo e foi consagrado para anunciar o Evangelho a todas as criaturas, o que foi confirmado por Jesus quando de sua despedida de volta ao Pai: “Portanto, vão e façam que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês”. (Mt 28,19-20).
E qual a missão assumida por Jesus e por todos os que assumem o seu batismo? “Para anunciar a boa nova aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
Anunciar a Boa Notícia aos pobres. O evangelho é a Boa Nova. É uma experiência de Deus que traz alegria, felicidade para os pobres.
Portanto, o Evangelho toma posição: o que é boa notícia para uns, é má-notícia para outros. O que é boa notícia para o oprimido, é má notícia para o opressor. Não existe uma Boa Notícia neutra, igualmente boa para todos.  E, também, os que não conhecem ou não receberam a Boa Nova são pobres, e são a eles a quem a mensagem deve ser anunciada.
Ao anunciar a Boa Nova, os cativos da opressão do mundo e dos poderosos são libertos, os cegos que não vêem as maravilhas operadas por Deus têm as vistas recuperadas. Aos cegos a recuperação da vista.
Vale a pena notar que o texto enfatiza a “recuperação” da vista, e não a doação dela.
Quanta gente cega hoje! E não por doença dos olhos, mas cegada pela ideologia dominante que não deixa ver a realidade do mundo e dos pobres; pelas falsas utopias alienantes e pela manipulação de informação levada a efeito pelos meios de comunicação, jornais, rádios e televisões dominadas pela elite.
No livro do Êxodo Deus se identificou como sendo o Deus que liberta os oprimidos: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra os seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso desci para libertá-los do poder dos egípcios... [...] O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e eu estou vendo a opressão com que os egípcios os atormentam. Por isso vá. Eu envio você ao Faraó, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel”. (Ex 3,7-8.9-10).
Jesus coloca-se e coloca todos os seus seguidores neste mesmo compromisso: libertar os oprimidos. Os oprimidos que não se abriram para a misericórdia divina serão libertos e, ao se realizarem todas essas maravilhas, o ano da graça do Senhor é proclamado.
E Jesus termina com esta frase chocante: “Hoje se cumpriu essa passagem da escritura, que vocês acabam de ouvir”. (Lc 4,21). Já estamos proclamando o ano da graça do Senhor?
E é exatamente isso que o Apóstolo Paulo nos recorda na segunda leitura: ninguém pode ser cristão sozinho.
Na primeira carta aos Coríntios Paulo compara a Igreja com um corpo perfeito, e a Igreja é o Corpo Místico de Cristo: “Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo. [...] Com efeito, o corpo não é feito de um membro apenas, mas de muitos membros. [...] Há muitos membros e um só corpo. [...] Vocês, todos juntos, são o corpo de Cristo e, individualmente, são membros desse corpo.” (1Cor 12,12.14.20.27). Nós somos salvos no Corpo de Cristo, enquanto membros do povo da Aliança, que é a Igreja.
Na Igreja quem nos une é o Amor de Cristo e nela, cada um tem uma missão, uma função.  Rico ou pobre, forte ou fraco, jovem ou ancião, todos temos como honra e dignidade ser membros do Corpo do Senhor, sustentados e vivificados pelo Espírito do Senhor, destinatários da salvação e da consolação que ele nos trouxe, do carinho e da ternura do Pai que ele derramou sobre nós.
Paulo utiliza a comparação do corpo humano, para exprimir a pluralidade e a complementaridade na Igreja.
Nem todos servimos para tudo, mas sempre servimos para alguma coisa.
No corpo humano há muitos membros e cada qual cumpre a sua função. Se um falha, todos notam. Se um está ferido, todos se ressentem. O que acontece a um membro repercute-se em todo o corpo.
Deus criou-nos à sua imagem e semelhança, para sermos e vivermos como unidade na diversidade, e essa unidade é tão necessária e forte que Jesus, na oração sacerdotal, rezou ao Pai por ela: “Eu não te peço só por estes, mas também por aqueles que vão acreditar em mim por causa da palavra deles, para que todos sejam um, como tu, Pai, está em mim e eu em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu nos enviastes. Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça  que tu me enviaste e que os amaste, como amaste a mim. Pai, aqueles que tu me deste, eu quero que eles estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória que tu me deste, pois me amaste antes da criação do mundo”. (Jo 17,21-24).
Paulo chamava a atenção de suas comunidades a esse respeito: “Ou vocês não sabem que o seu corpo é Templo do Espírito Santo, que está em vocês e lhes foi dado por Deus? Vocês já não pertencem a si mesmos. Alguém pagou alto preço pelo resgate de vocês. Portanto, glorifiquem a Deus no corpo de vocês.” (1Cor 6,19-20), e complementa: “De fato, Deus colocou tudo debaixo dos pés de Cristo e o colocou acima de todas as coisas, como Cabeça da Igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que plenifica tudo em todas as coisas”. (Ef 1,22-23); “Ora, são vocês o corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo”. (1Cor 12,27).
A Igreja primitiva assimilou com tanto esmero, entendimento e perfeição essa realidade de a Igreja ser o Corpo de Cristo, que passaram a ter tudo em comum, como funcionamento de um corpo perfeito: “Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”. (At 2,44-47). E Paulo trabalha eficazmente para o aperfeiçoamento e plena realização desse corpo, para que ele chegue à “unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, para chegarmos a ser homem perfeito que, na maturidade do seu desenvolvimento, alcance medida da estatura da plenitude de Cristo”; “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, para chegarmos a ser homem perfeito que, na maturidade do seu desenvolvimento, alcance medida da estatura da plenitude de Cristo.”  (Ef 4,11-13).
Ainda não entendemos que Cristo não é salvador pessoal de ninguém; ele é o Salvador do Corpo que é a Igreja: “... assim como Cristo, salvador do Corpo é a cabeça da Igreja” (Ef 5,23).
Na Igreja de Jesus Cristo não existem pessoas mais ou menos importantes; não existe trabalho mais ou menos nobre, desde que esse trabalho seja feito com amor e dedicação. Todos somos um enorme corpo, o Corpo Místico de Cristo, do qual ele é a Cabeça. Se cada um parar de funcionar, todos sentirão os efeitos.
Paulo fala: “De fato, o corpo é um só, mas tem muitos membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também. Pois todos nós formamos um só corpo... se a orelha disser: porque  não sou olho não sou do corpo... se todo corpo  fosse olho, onde estaria o ouvido?... se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?... e o olho não pode dizer à mão: não tenho necessidade de ti... de maneira que se um membro padece, todos os membros padecem com ele e se um membro é honrado, todos os membros se regozijam  com ele.... ora  vós sois o  corpo de Cristo e seus membros em particular” (1Cor 12,12 a 31).

Ora, se somos um só corpo como Igreja de Cristo, sendo o próprio Cristo a Cabeça deste Corpo, não podemos caminhar separados, mas juntos. Jesus em sua oração sacerdotal, que nunca é demais repetir, disse: “Eu não te peço só por estes, mas também por aqueles que vão acreditar em mim por causa da palavra deles, para que todos sejam um, como tu, Pai, está em mim e eu em ti. E para que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu nos enviastes. Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para que eles sejam um, como nós somos um.  Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça  que tu me enviaste e que os amaste, como amaste a mim. Pai, aqueles que tu me deste, eu quero que eles estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória que tu me deste, pois me amaste antes da criação do mundo”. (Jo 17,21-24).

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