OS DEZ LEPROSOS
No Evangelho de
hoje Jesus continua a sua caminhada rumo a Jerusalém para o seu sacrifício
supremo. Lucas nos diz que Jesus estava atravessando a Galiléia e a Samaria.
Portanto ele caminhava para sul. Nessa jornada vêm ao encontro de Jesus dez
leprosos.
Somente Lucas
descreve este acontecimento, e isso aconteceu nos últimos dias da vida do
Mestre. A lepra era uma doença terrível, degeneradora e asquerosa. Segundo uma
antiga descrição, as úlceras vinham
gradualmente nas diferentes partes do corpo: os cabelos caíam, as sobrancelhas
desapareciam, as unhas amoleciam e caiam e mais tarde os dedos das mãos e dos
pés apodreciam e caiam, as gengivas contraiam-se e os dentes desapareciam, os
olhos, o nariz, a língua, pouco a pouco desapareciam. Era terrível de
suportar e de se ver, e não tinha cura.
Os leprosos eram expulsos de suas famílias,
de suas casas e de suas aldeias e eram obrigados a vagar por lugares ermos e
pelos desertos, não podendo, sob hipótese alguma, ter contato com ninguém e
nenhuma pessoa sã poderia aproximar-se de um leproso porque, além de ser uma
doença altamente contagiosa, existiam as determinações doutrinárias de que,
quem se aproximasse de um leproso ou nele tocasse, ficaria impuro e também era
isolado até provar que não havia contagiado a doença. Com certeza, os
leprosos, além de perderem família, trabalho, amigos, moradia, perdiam também a
auto-estima, a dignidade humana e a alegria de viver.
O capítulo 13
do Levítico revela que a palavra “lepra” era usada em sentido mais geral do que
hoje. Alguns sugerem que esse capítulo incluía sete diferentes doenças sob o
termo geral “lepra”.
No Antigo Testamento a Lei de Moisés coloca
na boca de Deus a seguinte determinação: “Yahweh falou a Moisés: Ordene aos filhos de Israel que expulsem do
acampamento os leprosos, os que têm gonorréia, e os que se contaminaram com
cadáveres. Homens ou mulheres serão todos expulsos do acampamento, para que não
fique contaminado o acampamento no meio do qual eu moro”. (Nm 5,1-3). É
bastante cômodo colocar na boca de Deus determinações que nos livram das
pessoas que nos incomodam quando deveríamos nos preocupar com a sua saúde e a
sua segurança.
Para complicar
mais a situação, o leproso devia vestir roupas rasgadas, deixar o cabelo
emaranhado e gritar alto quando alguém se aproximasse dele: ‘Impuro! Impuro!’: “Quem for declarado leproso, deverá andar com as roupas rasgadas e
despenteado, com a barba coberta e gritando: ‘Impuro! Impuro! ’. Ficará impuro
enquanto durar a sua doença. Viverá separado e morará fora do acampamento”. (Lv
15,45-46).
A Lei de Moisés
dava instruções explícitas para que a lepra fosse diagnosticada pelo sacerdote:
“Quando alguém tiver na pele uma
inflamação, um furúnculo ou qualquer mancha que produza suspeita de lepra, será
levado diante do sacerdote Aarão ou de um de seus filhos sacerdotes. O
sacerdote examinará a parte afetada. [...] Depois de examiná-lo, o sacerdote o declarará impuro”. (Lv
13,2-3a.3b).
Os sacerdotes
tinham proeminência até no que dizia respeito à saúde do povo. Eram os
sacerdotes que determinavam se a pessoa estava ou não com lepra e se tivesse
tido lepra eram eles que diagnosticavam a cura de tão terrível mal, conforme
relata o capítulo 14 do Levítico.
Certamente
Jesus conhecia as determinações desse capítulo porque mandou que um leproso,
que ele havia purificado, fosse apresentar-se ao sacerdote: “Vá pedir ao sacerdote para examinar você, e
depois ofereça pela sua purificação o sacrifício que Moisés ordenou, para que
seja um testemunho para eles” (Mc 1,44) e, em Lucas, depois de Jesus haver
curado dez leprosos, determina que eles vão se apresentar aos sacerdotes: “Vão apresentar-se aos sacerdotes”. (Lc
17,14). Como vemos, as determinações contidas na Lei de Moisés estavam em vigor
no tempo de Jesus.
Voltemos ao
encontro de Jesus com os dez leprosos. Jesus estava indo a Jerusalém para
consumar a sua missão. No caminho, passando pela Galiléia e chegando a Samaria,
se aproximou de uma aldeia. Era um pequeno povoado, tão insignificante que nem
o seu nome o evangelista teve o trabalho de citar. Na entrada da aldeia, vêm ao
encontro de Jesus dez leprosos, que pararam ao longe; na entrada, sim, porque
aos leprosos era proibido entrar na aldeia.
Pelo exposto
acima, não é difícil imaginar o estado deplorável em que se encontravam aqueles
leprosos abandonados pela religião, pela família e pela sociedade: mal cheirosos,
desfigurados, maltrapilhos, esfomeados, enfim, uma cena aterradora. Com
certeza, todos os que estavam com Jesus deram um passo atrás e fizeram menção
de fugir da presença daqueles infelizes, apesar de o evangelista narrar que os
leprosos “pararam a distância e gritaram:
‘Jesus, mestre, tem compaixão de nós”. (Lc 17,13b).
Jesus
permaneceu inabalável, olhando firmemente para aqueles discriminados.
Jesus viera
para contradizer tudo o que a sociedade e aqueles que interpretavam e
interpretam mal a religião e a Lei de Deus e que a usam para tirar proveito
próprio tinham como certo: isolar, ignorar e discriminar aqueles que, mais do
que ninguém, necessitava de ajuda. Estaria sendo diferente nos dias de hoje?
Hoje, graças a Deus e méritos sejam dados à medicina, não temos mais leprosos
isolados em lugares ermos. Mas, o que dizer dos embriagados caídos nas sarjetas;
o que dizer das prostitutas que vendem os seus corpos na rodoviária, nas
rodovias e nas casas chamadas de “casas de tolerância” para sustentarem os seus
filhos ou seus pais idosos; o que dizer da juventude desamparada cheirando cola
e ou drogas em plenas praças públicas; o que dizer dos menores abandonados
limpando parabrisas dos carros ou pedindo uma moeda quando os faróis ficam
vermelhos nas esquinas de nossa cidade, que todos os evitamos porque não
queremos contaminarmo-nos com os vícios, com a pobreza e com a miséria que eles
portam e que nós mesmos, pelo nosso comodismo, exploração e pouco caso, os
sujeitamos.
Jesus não os
rejeitaria, como não rejeitou os leprosos de seu tempo.
Como podemos
dizer que temos fé se não imitamos os gestos de Jesus?
Ter fé é fazer
o que Jesus teria feito em nosso lugar. Não fazemos? Não temos fé! Nem do
tamanho de um grão de mostarda, como vimos no Evangelho do domingo que
antecedeu a este.
Quando os
leprosos viram Jesus se aproximando, pararam à distância, mesmo porque não
podiam se aproximar de ninguém. Estavam colocando em prática a Lei de Moisés.
Se analisarmos
bem, não foram os leprosos que encontraram Jesus; foi Jesus quem os encontrou e
deles não fez menção de se afastar, de fugir, como deveriam ter feito todos
aqueles que seguiam a Jesus. Os leprosos não poderiam buscar Jesus na cidade,
porque lá eles eram proibidos de entrar. Foi Jesus quem saiu da cidade para
estar com eles.
A vida dos
leprosos, a partir daquele encontro com Jesus, modificou radicalmente.
Pela narrativa
do evangelista, os leprosos já conheciam Jesus e sabiam do que ele era capaz.
Chamam Jesus de “Mestre” e sabiam que no coração daquele Mestre havia
misericórdia e compaixão maiores do que podia haver no coração dos mestres que
dirigiam o povo e discriminavam os lazarentos. Pelo jeito os leprosos tinham
informações sobre Jesus; eles acreditavam que Jesus poderia curá-los.
Se
acreditássemos em Jesus como esses leprosos acreditaram, de quantos males já
teríamos sido libertados. Os leprosos acreditavam que Jesus pudesse curá-los,
mas havia necessidade de manifestar expressamente esse desejo, e fizeram isso,
gritando e em forma de oração: “Jesus,
mestre, tem compaixão de nós”. (Lc 17,13).
Havia a
necessidade de manifestar, por palavras, o desejo que os leprosos tinham nos
seus corações: o de serem curados. Essa foi a oração dos leprosos. Poucas
palavras, mas objetivas. Palavras que atingem, como uma flecha pontiaguda, o
coração de um Deus que se fez homem para que os homens gozassem das delícias
celestiais.
Na Sexta-feira
Santa celebramos a Paixão de Cristo. Que pena, não entendemos o que é
isso.
Se soubéssemos,
saberíamos que “Paixão” é amor extremo de um Deus, e “Deus é amor” (1Jo 4,8b),
e não existe maior prova de amor do que dar a vida pela pessoa que se ama, pelo
amigo, porque o amigo é amigo, a esposa ou marido é amigo, o filho é amigo: “Não existe amor maior do que dar a vida
pelos amigos”. (Jo 15,13).
O amor é o
resumo da lei de Deus.
Os leprosos
fizeram uma oração irresistível para Deus: apelaram para a “paixão de Cristo”: “tem com-paixão” que é “amor total, amor
supremo, amor que dá a vida”, amor que só Deus pode ter: amor que alia a nossa fé,
a nossa confiança e a nossa dor à sua “paixão”, ou, com a sua paixão.
Mas Jesus não
era um cristão, era um judeu e, como judeu, não poderia ignorar a Lei de Moisés,
e lhes deu uma ordem: “Vão, e
apresentem-se aos sacerdotes”. (Lc 17,14).
Como vimos, o
sacerdote (mais do que o médico – que absurdo), era o responsável pelo
diagnóstico. Só eles, os sacerdotes, e não os médicos, poderiam confirmar a
cura.
Fica a
pergunta: o que os sacerdotes entendiam de medicina? Como diz a sabedoria dos
nossos antepassados: “Cada macaco no seu
galho”. Mas Jesus usa de ironia e encaminha os leprosos para os sacerdotes,
como se dependesse da prepotência dos sacerdotes israelitas e do conhecimento
de medicina que possivelmente eles não teriam, a cura de uma doença degeneradora.
Os leprosos
obedeceram a Jesus e se colocaram a caminho à busca dos sacerdotes e, no
caminho perceberam que estavam curados: “Enquanto
caminhavam, aconteceu que ficaram curados” (Lc 1714).
Assim também é
na nossa vida: só somos curados enquanto caminhamos, porque a vida do cristão é
caminhada, é movimento, é ir ao encontro do outro.
Se os leprosos
permanecessem parados, sem obedecer a ordem de Jesus, jamais eles seriam
curados. Se permanecermos parados, o mal permanece em nós, porque não adianta
acreditar e ficar parado; em muitas situações a ação deve acompanhar a fé. “Um deles, ao perceber que estava curado,
voltou atrás dando glória a Deus em alta voz. Jogou-se no chão, aos pés de
Jesus, e lhe agradeceu. E este era samaritano” (Lc 17,15-16).
Mais uma lição
que nos dá esse leproso, agora curado: ao receber a graça, ao sentir que o amor
de Deus fez maravilhas na sua vida, voltou até onde estava Jesus, “dando glória a Deus em alta voz. Jogou-se
no chão, aos pés de Jesus, e lhe agradeceu”.
Quantas vezes
deixamos de fazer isso. Deus mostra o seu amor, a sua compaixão e a sua
misericórdia para conosco e nós não demonstramos o nosso agradecimento para com
ele. Não voltamos atrás para agradecê-lo. E ele permanece na soleira da porta,
aguardando o nosso retorno (cf Lc 15,11-32).
Mais um detalhe
importante nessa narrativa: o que voltou não era judeu, era samaritano, inimigo
dos judeus, mas que na desgraça da lepra se juntara ao grupo dos nove judeus,
demonstrando que é na desgraça que se ignora as diferenças e os ódios, quando
isso deveria acontecer no amor. E Jesus, entre surpreso e indignado, pergunta: “Não foram dez os curados? E os outros nove,
onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser esse
estrangeiro?” (Lc 17,17b-18).
Quantas vezes
nós, cada um com as suas doenças e problemas, imitamos esses homens, cheios de
defeitos e erros; cheios de orgulho e vaidades; vivendo brigados dentro das
nossas próprias famílias, com raiva e até ódio às vezes, criando na nossa vida
“uma lepra” que destrói a alma e, quando nos encontramos com a verdade e
queremos retomar a vida normal, a vida que nos realiza como filhos e filhas de
Deus rogamos e imploramos que ele nos salve e... ele salva! Voltamos para
agradecer como fez aquele leproso? Ou fazemos como os nove que foram embora sem
agradecer?
Os outros nove
leprosos, como Jesus, eram judeus e, possivelmente Jesus tenha se lembrado de
uma frase que ele mesmo dissera quando visitara, pela primeira vez, a cidade de
sua infância, Nazaré, no início de sua vida pública: “Eu garanto a vocês: nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. (Lc
4,24). Cometeram o pecado da ingratidão. Onde estavam os nove? Foram se mostrar
ao sacerdote, receberam o atestado de cura e correram para retomarem a normalidade
de suas vidas; talvez tenham ido à procura da família, do patrimônio, dos
amigos. Foram procurar um emprego... Não tinham mais tempo para Jesus. Queriam
apenas a benção, o benefício físico, pessoal e imediato.
Na cruz Jesus
diria mais tarde, se referindo, além de seus algozes, também da ingratidão
desses leprosos e das nossas ingratidões: “Pai,
perdoa-lhes, eles não sabem o que estão fazendo”. (Lc 23,34). Somente o
estrangeiro do grupo e inimigo do povo de Jesus voltou para dar “glória a Deus em alta voz” e jogar-se
aos pés de Jesus para lhe agradecer.
O ex-leproso
que voltou demonstrou um nível maior de fé e reconhecimento.
Somos
diferentes daqueles leprosos judeus ingratos? Jesus se volta para o samaritano,
leproso agora curado, e diz: “Levante-se
e vá. Sua fé o salvou”. (Lc 17,19).
Agora, ele
podia ir e fazer tudo o que os outros fizeram. Podia recuperar a normalidade de
sua vida, mas de uma forma muito mais gloriosa do que os nove companheiros. Ele
podia testificar que foi, não apenas curado, mas também salvo.No Evangelho de
hoje Jesus continua a sua caminhada rumo a Jerusalém para o seu sacrifício
supremo. Lucas nos diz que Jesus estava atravessando a Galiléia e a Samaria.
Portanto ele caminhava para sul. Nessa jornada vêm ao encontro de Jesus dez
leprosos.
Somente Lucas
descreve este acontecimento, e isso aconteceu nos últimos dias da vida do
Mestre. A lepra era uma doença terrível, degeneradora e asquerosa. Segundo uma
antiga descrição, as úlceras vinham
gradualmente nas diferentes partes do corpo: os cabelos caíam, as sobrancelhas
desapareciam, as unhas amoleciam e caiam e mais tarde os dedos das mãos e dos
pés apodreciam e caiam, as gengivas contraiam-se e os dentes desapareciam, os
olhos, o nariz, a língua, pouco a pouco desapareciam. Era terrível de
suportar e de se ver, e não tinha cura.
Os leprosos eram expulsos de suas famílias,
de suas casas e de suas aldeias e eram obrigados a vagar por lugares ermos e
pelos desertos, não podendo, sob hipótese alguma, ter contato com ninguém e
nenhuma pessoa sã poderia aproximar-se de um leproso porque, além de ser uma
doença altamente contagiosa, existiam as determinações doutrinárias de que,
quem se aproximasse de um leproso ou nele tocasse, ficaria impuro e também era
isolado até provar que não havia contagiado a doença. Com certeza, os
leprosos, além de perderem família, trabalho, amigos, moradia, perdiam também a
auto-estima, a dignidade humana e a alegria de viver.
O capítulo 13
do Levítico revela que a palavra “lepra” era usada em sentido mais geral do que
hoje. Alguns sugerem que esse capítulo incluía sete diferentes doenças sob o
termo geral “lepra”.
No Antigo Testamento a Lei de Moisés coloca
na boca de Deus a seguinte determinação: “Yahweh falou a Moisés: Ordene aos filhos de Israel que expulsem do
acampamento os leprosos, os que têm gonorréia, e os que se contaminaram com
cadáveres. Homens ou mulheres serão todos expulsos do acampamento, para que não
fique contaminado o acampamento no meio do qual eu moro”. (Nm 5,1-3). É
bastante cômodo colocar na boca de Deus determinações que nos livram das
pessoas que nos incomodam quando deveríamos nos preocupar com a sua saúde e a
sua segurança.
Para complicar
mais a situação, o leproso devia vestir roupas rasgadas, deixar o cabelo
emaranhado e gritar alto quando alguém se aproximasse dele: ‘Impuro! Impuro!’: “Quem for declarado leproso, deverá andar com as roupas rasgadas e
despenteado, com a barba coberta e gritando: ‘Impuro! Impuro! ’. Ficará impuro
enquanto durar a sua doença. Viverá separado e morará fora do acampamento”. (Lv
15,45-46).
A Lei de Moisés
dava instruções explícitas para que a lepra fosse diagnosticada pelo sacerdote:
“Quando alguém tiver na pele uma
inflamação, um furúnculo ou qualquer mancha que produza suspeita de lepra, será
levado diante do sacerdote Aarão ou de um de seus filhos sacerdotes. O
sacerdote examinará a parte afetada. [...] Depois de examiná-lo, o sacerdote o declarará impuro”. (Lv
13,2-3a.3b).
Os sacerdotes
tinham proeminência até no que dizia respeito à saúde do povo. Eram os
sacerdotes que determinavam se a pessoa estava ou não com lepra e se tivesse
tido lepra eram eles que diagnosticavam a cura de tão terrível mal, conforme
relata o capítulo 14 do Levítico.
Certamente
Jesus conhecia as determinações desse capítulo porque mandou que um leproso,
que ele havia purificado, fosse apresentar-se ao sacerdote: “Vá pedir ao sacerdote para examinar você, e
depois ofereça pela sua purificação o sacrifício que Moisés ordenou, para que
seja um testemunho para eles” (Mc 1,44) e, em Lucas, depois de Jesus haver
curado dez leprosos, determina que eles vão se apresentar aos sacerdotes: “Vão apresentar-se aos sacerdotes”. (Lc
17,14). Como vemos, as determinações contidas na Lei de Moisés estavam em vigor
no tempo de Jesus.
Voltemos ao
encontro de Jesus com os dez leprosos. Jesus estava indo a Jerusalém para
consumar a sua missão. No caminho, passando pela Galiléia e chegando a Samaria,
se aproximou de uma aldeia. Era um pequeno povoado, tão insignificante que nem
o seu nome o evangelista teve o trabalho de citar. Na entrada da aldeia, vêm ao
encontro de Jesus dez leprosos, que pararam ao longe; na entrada, sim, porque
aos leprosos era proibido entrar na aldeia.
Pelo exposto
acima, não é difícil imaginar o estado deplorável em que se encontravam aqueles
leprosos abandonados pela religião, pela família e pela sociedade: mal cheirosos,
desfigurados, maltrapilhos, esfomeados, enfim, uma cena aterradora. Com
certeza, todos os que estavam com Jesus deram um passo atrás e fizeram menção
de fugir da presença daqueles infelizes, apesar de o evangelista narrar que os
leprosos “pararam a distância e gritaram:
‘Jesus, mestre, tem compaixão de nós”. (Lc 17,13b).
Jesus
permaneceu inabalável, olhando firmemente para aqueles discriminados.
Jesus viera
para contradizer tudo o que a sociedade e aqueles que interpretavam e
interpretam mal a religião e a Lei de Deus e que a usam para tirar proveito
próprio tinham como certo: isolar, ignorar e discriminar aqueles que, mais do
que ninguém, necessitava de ajuda. Estaria sendo diferente nos dias de hoje?
Hoje, graças a Deus e méritos sejam dados à medicina, não temos mais leprosos
isolados em lugares ermos. Mas, o que dizer dos embriagados caídos nas sarjetas;
o que dizer das prostitutas que vendem os seus corpos na rodoviária, nas
rodovias e nas casas chamadas de “casas de tolerância” para sustentarem os seus
filhos ou seus pais idosos; o que dizer da juventude desamparada cheirando cola
e ou drogas em plenas praças públicas; o que dizer dos menores abandonados
limpando parabrisas dos carros ou pedindo uma moeda quando os faróis ficam
vermelhos nas esquinas de nossa cidade, que todos os evitamos porque não
queremos contaminarmo-nos com os vícios, com a pobreza e com a miséria que eles
portam e que nós mesmos, pelo nosso comodismo, exploração e pouco caso, os
sujeitamos.
Jesus não os
rejeitaria, como não rejeitou os leprosos de seu tempo.
Como podemos
dizer que temos fé se não imitamos os gestos de Jesus?
Ter fé é fazer
o que Jesus teria feito em nosso lugar. Não fazemos? Não temos fé! Nem do
tamanho de um grão de mostarda, como vimos no Evangelho do domingo que
antecedeu a este.
Quando os
leprosos viram Jesus se aproximando, pararam à distância, mesmo porque não
podiam se aproximar de ninguém. Estavam colocando em prática a Lei de Moisés.
Se analisarmos
bem, não foram os leprosos que encontraram Jesus; foi Jesus quem os encontrou e
deles não fez menção de se afastar, de fugir, como deveriam ter feito todos
aqueles que seguiam a Jesus. Os leprosos não poderiam buscar Jesus na cidade,
porque lá eles eram proibidos de entrar. Foi Jesus quem saiu da cidade para
estar com eles.
A vida dos
leprosos, a partir daquele encontro com Jesus, modificou radicalmente.
Pela narrativa
do evangelista, os leprosos já conheciam Jesus e sabiam do que ele era capaz.
Chamam Jesus de “Mestre” e sabiam que no coração daquele Mestre havia
misericórdia e compaixão maiores do que podia haver no coração dos mestres que
dirigiam o povo e discriminavam os lazarentos. Pelo jeito os leprosos tinham
informações sobre Jesus; eles acreditavam que Jesus poderia curá-los.
Se
acreditássemos em Jesus como esses leprosos acreditaram, de quantos males já
teríamos sido libertados. Os leprosos acreditavam que Jesus pudesse curá-los,
mas havia necessidade de manifestar expressamente esse desejo, e fizeram isso,
gritando e em forma de oração: “Jesus,
mestre, tem compaixão de nós”. (Lc 17,13).
Havia a
necessidade de manifestar, por palavras, o desejo que os leprosos tinham nos
seus corações: o de serem curados. Essa foi a oração dos leprosos. Poucas
palavras, mas objetivas. Palavras que atingem, como uma flecha pontiaguda, o
coração de um Deus que se fez homem para que os homens gozassem das delícias
celestiais.
Na Sexta-feira
Santa celebramos a Paixão de Cristo. Que pena, não entendemos o que é
isso.
Se soubéssemos,
saberíamos que “Paixão” é amor extremo de um Deus, e “Deus é amor” (1Jo 4,8b),
e não existe maior prova de amor do que dar a vida pela pessoa que se ama, pelo
amigo, porque o amigo é amigo, a esposa ou marido é amigo, o filho é amigo: “Não existe amor maior do que dar a vida
pelos amigos”. (Jo 15,13).
O amor é o
resumo da lei de Deus.
Os leprosos
fizeram uma oração irresistível para Deus: apelaram para a “paixão de Cristo”: “tem com-paixão” que é “amor total, amor
supremo, amor que dá a vida”, amor que só Deus pode ter: amor que alia a nossa fé,
a nossa confiança e a nossa dor à sua “paixão”, ou, com a sua paixão.
Mas Jesus não
era um cristão, era um judeu e, como judeu, não poderia ignorar a Lei de Moisés,
e lhes deu uma ordem: “Vão, e
apresentem-se aos sacerdotes”. (Lc 17,14).
Como vimos, o
sacerdote (mais do que o médico – que absurdo), era o responsável pelo
diagnóstico. Só eles, os sacerdotes, e não os médicos, poderiam confirmar a
cura.
Fica a
pergunta: o que os sacerdotes entendiam de medicina? Como diz a sabedoria dos
nossos antepassados: “Cada macaco no seu
galho”. Mas Jesus usa de ironia e encaminha os leprosos para os sacerdotes,
como se dependesse da prepotência dos sacerdotes israelitas e do conhecimento
de medicina que possivelmente eles não teriam, a cura de uma doença degeneradora.
Os leprosos
obedeceram a Jesus e se colocaram a caminho à busca dos sacerdotes e, no
caminho perceberam que estavam curados: “Enquanto
caminhavam, aconteceu que ficaram curados” (Lc 1714).
Assim também é
na nossa vida: só somos curados enquanto caminhamos, porque a vida do cristão é
caminhada, é movimento, é ir ao encontro do outro.
Se os leprosos
permanecessem parados, sem obedecer a ordem de Jesus, jamais eles seriam
curados. Se permanecermos parados, o mal permanece em nós, porque não adianta
acreditar e ficar parado; em muitas situações a ação deve acompanhar a fé. “Um deles, ao perceber que estava curado,
voltou atrás dando glória a Deus em alta voz. Jogou-se no chão, aos pés de
Jesus, e lhe agradeceu. E este era samaritano” (Lc 17,15-16).
Mais uma lição
que nos dá esse leproso, agora curado: ao receber a graça, ao sentir que o amor
de Deus fez maravilhas na sua vida, voltou até onde estava Jesus, “dando glória a Deus em alta voz. Jogou-se
no chão, aos pés de Jesus, e lhe agradeceu”.
Quantas vezes
deixamos de fazer isso. Deus mostra o seu amor, a sua compaixão e a sua
misericórdia para conosco e nós não demonstramos o nosso agradecimento para com
ele. Não voltamos atrás para agradecê-lo. E ele permanece na soleira da porta,
aguardando o nosso retorno (cf Lc 15,11-32).
Mais um detalhe
importante nessa narrativa: o que voltou não era judeu, era samaritano, inimigo
dos judeus, mas que na desgraça da lepra se juntara ao grupo dos nove judeus,
demonstrando que é na desgraça que se ignora as diferenças e os ódios, quando
isso deveria acontecer no amor. E Jesus, entre surpreso e indignado, pergunta: “Não foram dez os curados? E os outros nove,
onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser esse
estrangeiro?” (Lc 17,17b-18).
Quantas vezes
nós, cada um com as suas doenças e problemas, imitamos esses homens, cheios de
defeitos e erros; cheios de orgulho e vaidades; vivendo brigados dentro das
nossas próprias famílias, com raiva e até ódio às vezes, criando na nossa vida
“uma lepra” que destrói a alma e, quando nos encontramos com a verdade e
queremos retomar a vida normal, a vida que nos realiza como filhos e filhas de
Deus rogamos e imploramos que ele nos salve e... ele salva! Voltamos para
agradecer como fez aquele leproso? Ou fazemos como os nove que foram embora sem
agradecer?
Os outros nove
leprosos, como Jesus, eram judeus e, possivelmente Jesus tenha se lembrado de
uma frase que ele mesmo dissera quando visitara, pela primeira vez, a cidade de
sua infância, Nazaré, no início de sua vida pública: “Eu garanto a vocês: nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. (Lc
4,24). Cometeram o pecado da ingratidão. Onde estavam os nove? Foram se mostrar
ao sacerdote, receberam o atestado de cura e correram para retomarem a normalidade
de suas vidas; talvez tenham ido à procura da família, do patrimônio, dos
amigos. Foram procurar um emprego... Não tinham mais tempo para Jesus. Queriam
apenas a benção, o benefício físico, pessoal e imediato.
Na cruz Jesus
diria mais tarde, se referindo, além de seus algozes, também da ingratidão
desses leprosos e das nossas ingratidões: “Pai,
perdoa-lhes, eles não sabem o que estão fazendo”. (Lc 23,34). Somente o
estrangeiro do grupo e inimigo do povo de Jesus voltou para dar “glória a Deus em alta voz” e jogar-se
aos pés de Jesus para lhe agradecer.
O ex-leproso
que voltou demonstrou um nível maior de fé e reconhecimento.
Somos
diferentes daqueles leprosos judeus ingratos? Jesus se volta para o samaritano,
leproso agora curado, e diz: “Levante-se
e vá. Sua fé o salvou”. (Lc 17,19).
Agora, ele
podia ir e fazer tudo o que os outros fizeram. Podia recuperar a normalidade de
sua vida, mas de uma forma muito mais gloriosa do que os nove companheiros. Ele
podia testificar que foi, não apenas curado, mas também salvo.
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