domingo, 10 de novembro de 2019

“OS SADUCEUS AFIRMAM QUE NÃO EXISTE RESSURREIÇÃO” (Lc 20,27).

XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO “C”
Cor – verde; Leituras: 2Mc 7,1-2.9-14; Sl 16; 2Ts 2,16.3,1-5; Lc 20,27-38.

“OS SADUCEUS AFIRMAM QUE NÃO EXISTE RESSURREIÇÃO” (Lc 20,27).

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Diácono Milton Restivo

A primeira leitura desta liturgia é tirada do Segundo livro dos Macabeus. Os dois livros dos Macabeus são considerados livros deuterocanônicos e não se encontram nas Bíblias protestantes.
No Século XVI os reformadores protestantes removeram parte do Antigo Testamento que eles julgaram que não seriam compatíveis com a sua teologia.
Os livros deuterocanônicos são os sete livros que constam na Bíblia Católica e que não existem nas Bíblias judaica e protestante.
Além disso, partes de outros dois livros também são considerados deuterocanônicos. Essa é a maior e a principal diferença entre a Bíblia Católica e a Bíblia Protestante.
Todos esses livros estão incluídos no Antigo Testamento.

São chamados de deuterocanônicos os livros: Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc. Além desses livros, existem trechos de outros dois livros que são considerados deuterocanônicos: Ester 10,4-16 e Daniel 3,24-90 e ainda os capítulos 13 e 14.
Também, no início do protestantismo, os protestantes relutaram em aceitar alguns livros do Novo Testamento, que foram qualificados como não inspirados, mas que foram aceitos depois por eles. Estes livros do Novo Testamento são: a carta aos Hebreus, a carta de Tiago, a carta de Judas, a segunda carta de Pedro, a segunda carta de João, a terceira carta de João e Apocalipse. Também no início não aceitavam o final do Evangelho de Marcos, capítulo 16,9-20, que foi incorporado depois.
O Segundo Livro dos Macabeus não é, como facilmente se poderia supor, a continuação do primeiro, nem tem o mesmo autor. De comum entre os dois existe apenas o clima de perseguição à fé, orquestrada igualmente pelos Selêucidas (sírios), embora narrada de um modo menos his­tórico e mais edificante.
O Segundo livro dos Macabeus é importante pelas afirmações que contém sobre o culto aos mortos (2Mc 12,43-46) e a ressurreição dos mortos (2Mc 7,9; 14,46), as sanções de além-túmulo (Mc 6,26), o mérito dos mártires (2Mc 6,18-31; 7,14), a intercessão dos santos (2Mc 15,12-16) e a prece pelos defuntos (2Mc 12,45). Estes ensinamentos, referentes a pontos que os outros escritos do Antigo Testamento deixavam incertos, explicam sua aceitação pela Igreja Católica.
A igreja protestante juntamente com o judaísmo consideram tais doutrinas apresentadas no livro como heréticas, mas concordam que o livro tem notável valor histórico (porém consideram o primeiro livro como de maior valor).
Isso posto, voltemos à primeira leitura deste domingo. Narra a história do martírio de uma mãe e seus sete filhos: “Aconteceu também que sete irmãos foram presos juntamente com a sua mãe. Espancando-os com relhos e chicotes, o rei pretendia obrigá-los a comer carne de porco, que era proibida.” (2Mc 7,1). De acordo com a lei de Moisés, a carne de porco e de alguns outros animais era impura e os judeus estavam, por lei, proibidos de consumi-las: “Dentre os animais que ruminam ou têm casco fendido, vocês não poderão comer as seguintes espécies: o camelo, pois, embora seja ruminante, não tem o casco fendido; ele deve ser considerado impuro. Considerem impuro o coelho, pois embora seja ruminante, não tem o casco fendido. Considerem impura a lebre, pois embora seja ruminante, não tem o casco fendido. Considerem impuro o porco, pois apesar de ter o casco fendido, partido em duas unhas, não rumina. Não comam a carne desses animais, nem toquem o cadáver deles, porque são impuros.” (Lv 11,4-8; Dt 14,3-21). Os que comiam  a carne desses animais, automaticamente estavam excluídos da religião judaica.
Mais tarde viria Jesus e diria: “Escutem todos e compreendam: o que vem de fora e entra numa pessoa, não a torna impura; as coisas que saem de dentro da pessoa é que a tornam impura. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. [...] É o que sai da pessoa que a torna impura. Pois é de dentro do coração das pessoas que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limites, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas essas coisas saem de dentro da pessoa e a tornam impura.” (Mc 7,14-16.20-23).
Jesus explicou porque disse isso: “Será que nem vocês entendem? Vocês não compreendem que nada do que vem de fora  e entra numa pessoa pode torná-la impura, porque não entra no seu coração, mas em seu estômago, e vai para a privada? Assim Jesus declarava que todos os alimentos eram puros.” (Mc 7,18-19).
Mas, o que importa na nossa meditação, é que a mãe e os sete irmãos judeus não sabiam disso e nem conheciam Jesus e nem a sua mensagem, porque Jesus viria cerca de cento e cincoenta anos depois, e eles, fieis que eram, deviam obedecer, à risca, a lei de Moisés, ainda que isso lhes custasse a vida, o que aconteceu realmente. E essa leitura vem de encontro com a discussão que Jesus teve com os saduceus, que não acreditavam na ressurreição.
Antes do segundo irmão morrer de forma violenta para defender a sua fé, ele disse ao rei que assistia aos seus tormentos: “Você, bandido, nos tira desta vida presente, mas o rei do mundo nos fará ressuscitar para uma ressurreição eterna de vida, a nós que agora morremos pelas leis dele.” (2Mc 7,9). O terceiro irmão, antes do último suspiro, dá o seus testemunho na ressurreição: “Vale a pena morrer pelas mãos dos homens, quando se espera que o próprio Deus nos ressuscite. Para você, porém, não haverá ressurreição para a vida.” (2Mc 7,14).
Um a um os irmãos foram mortos pela sua fé, acreditando na ressurreição. Por último foi a vez da mãe, que presenciou com valentia, a morte de todos os seus sete filhos. E é a respeito da ressurreição dos mortos, que os saduceus não acreditavam, que aborda o Evangelho desta liturgia.
Mas, quem eram os saduceus? Os saduceus geralmente eram ricos, latifundiários e da elite judaica, e ocupavam cargos de prestígio em Israel, como o de sumo sacerdote. Eram também a maioria no Sinédrio (conselho que julgava assuntos da lei judaica e da justiça criminal entre os judeus). Eram adeptos dos romanos e tinham uma grande preocupação em acatar as decisões de Roma (que dominava Israel no período em questão), porque Roma protegia os seus bens, dando, muitas vezes, mais importância à política do que à religião. Vale destacar que os saduceus não eram bem vistos pelo povo, já que faziam parte da elite e apoiavam os romanos.
Esse grupo deixou de existir após a destruição do Templo de Jerusalém, em 70 dC, já que tinha uma forte tendência política. Os saduceus eram extremamente auto-suficientes, ao ponto de negar o envolvimento de Deus na vida quotidiana. Eles não acreditavam e negavam qualquer ressurreição dos mortos (Mt 22,23; Mc 12,18-27; Lc 20,27; At 23,8). Eles negavam qualquer vida depois da morte, defendendo a crença de que a alma perecia com a morte; eles acreditavam que não há qualquer penalidade ou recompensa depois da vida terrena. Eles negavam a existência de um mundo espiritual, ou seja, anjos e demônios (At 23,8).
Os saduceus, a princípio, não se importaram muito com a pregação de Jesus até sentir que os ensinamentos de Jesus poderiam colocar em risco a tranquilidade da dominação romana na Judéia, e isso poderia ir ao encontro de seus interesses financeiros e do estar bem com os romanos.
Desta feita são eles que se aproximam para tentar Jesus e perguntar sobre uma coisa que eles não acreditavam, e para tanto, lançaram mão da lei do levirato, imposta por Moisés para os judeus.
Levirato é o costume, observado entre alguns povos, que obriga um homem a casar-se com a viúva de seu irmão quando este não deixa descendência masculina, sendo que o filho deste casamento é considerado descendente do morto que levará o nome do falecido para continuar a linha sucessória e a descendência familiar. Este costume é mencionado no Antigo Testamento como uma das leis de Moisés. O vocábulo deriva da palavra "levir", que em latim significa “cunhado” ou “irmão do marido”. Assim determina a lei de Moisés: Quando irmãos morarem juntos, e um deles morrer, e não tiver filho, então a mulher do falecido não se casará com homem estranho, de fora; seu cunhado estará com ela, e a receberá por mulher, e fará a obrigação de cunhado para com ela. E o primogênito que ela lhe der será sucessor do nome do seu irmão falecido, para que o seu nome não se apague em Israel.” (Dt 25,5-6).
E os saduceus, baseando-se na lei mosaica, narram uma história fantástica de uma mulher que se casou com um irmão, vindo este a falecer sem deixar descendência masculina e, para cumprir a lei, casou-se assim com o outro que morreu da mesma forma, casando-se com sete irmãos e todos morreram e nenhum deixou descendência masculina.
E, no final da estória, eles concluem: “Por fim morreu também a mulher e agora? Na ressurreição, de quem a mulher vai ser esposa? Todos os sete se casaram com ela,” (Lc 20,32-33). E eles que pareciam ser homens cultos e inteligentes.
Interessante que, para tentarem Jesus, eles buscaram os escritos da lei mosaica, mas, para entenderem sobre a ressurreição eles ignoraram o conteúdo do segundo livro dos Macabeus, onde os jovens martirizados falam e morrem na esperança da ressurreição.
Esta passagem também é narrada por Mateus 22,23-33 e Marcos 12,18-27.
E Jesus, pacientemente, responde aos saduceus como se estivesse numa sala de primeiro ano de catequese porque eles, primeiro, desconheciam totalmente o que as Escrituras falavam sobre ressurreição e, segundo, não tinham o menor interesse em conhecer porque eram ricos, gozavam a vida e, para eles não existia tipo de vida melhor do que eles viviam. Mudou alguma coisa hoje? Por que pensar na eternidade se a vida que se vive satisfaz totalmente? Por isso Lucas diz que “Os saduceus afirmam que não existe ressurreição” (Lc 20,27). Se observarmos nos nossos dias, os que negam a ressurreição e pregam a reencarnação são como os saduceus, que têm uma vida cômoda, pertencem à classe média e média alta e estão satisfeitos com a vida que vivem. Por isso, acham que, se não alcançarem a vida eterna nesta vida, terão outras chances de vidas futuras e assim vão vivendo a vida que querem. Ressurreição é doutrina cristã; reencarnação é doutrina espírita. São caminhos que não se cruzam.
Exemplos na Bíblia Sagrada contradizem a doutrina da reencarnação. O que dizer do ladrão crucificado no Calvário ao lado de Jesus que se arrependeu? Jesus diz a ele: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Esse ladrão tinha motivos de sobra para reencarnar mais de mil vezes por causa de seus crimes até se tornar perfeito, como pregam os reencarcionistas. Jesus perdoou pecados do ladrão e lhe garantiu a vida eterna. Moisés e Elias apareceram na transfiguração de Jesus. Nada indica que tenham retornado à vida corpórea para serem purificados. Foram reconhecidos pela fisionomia original.
Quem espera novas vidas para se purificar, seria bom ler a parábola contada por Jesus no Evangelho de Lucas 16,19-31, onde o rico, que viveu uma vida confortável, de festa e de dinheiro fácil não teve a oportunidade defendida de voltar a uma nova vida para apagar seus pecados e se purificar. E Jesus é categórico quando diz: “Não fiquem admirados com isso, porque vai chegar a hora em que todos os mortos que estão nos túmulos ouvirão a voz do Filho, e sairão dos túmulos: aqueles que fizeram o bem, vão ressuscitar para a vida; os que praticaram o mal, vão ressuscitar para a condenação.” (Jo 5,28-29).
Na cena de consternação da morte de Lázaro, narrada por João 11,1-44, Jesus diz à Marta, irmã de Lázaro: “Seu irmão vai ressuscitar’ Marta disse: ‘Eu sei que ele vai ressuscitar na ressurreição, no último dia’. Jesus disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, mesmo que morra, viverá. E todo aquele que vive e acredita em mim, não morrerá para sempre. Você acredita nisso?’ Ela respondeu: ‘Sim, Senhor. Eu acredito que tu és o Messias, que deveria vir a este mundo’.” (Jo 11-23b-27). O que pode ser acrescentado a isso para não colocar em dúvida a ressurreição? 
O Apóstolo Paulo atesta a ressurreição de Jesus: “Eu vos transmiti principalmente o que eu mesmo recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado, e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. [...] Ora, se nós pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de vocês dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo também não ressuscitou; e se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e também é vazia a fé que vocês têm. Se os mortos não ressuscitam, então somos testemunhas falsas de Deus, pois estamos testemunhando contra Deus, ao dizermos que Deus ressuscitou Cristo. Pois, se os mortos não ressuscitam, Cristão também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a fé que vocês têm é ilusória, e vocês ainda estão nos seus pecados. E desse modo, aqueles que morreram em Cristo estão perdidos. Se a nossa esperança é somente para esta vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens.” (1Cor 15,3.12-19).
E agora? Acreditamos em Jesus Cristo ou em Alan Kardec e seus seguidores?

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