IV DOMINGO DO ADVENTO – ANO “C”
Cor: Roxa – Leituras: Mq 5,1-4;
Sl 79; Hb 10,5-10; Lc 1,39-45.
“BENDITA ÉS TU ENTRE AS
MULHERES” (Lucas, 1,42)
Diácono
Milton Restivo
A vida do profeta Miquéias não foi fácil. Miquéias era um camponês que
viveu no Século VIII aC, ocasião em que a sua região estava sendo devastada
pelo exército assírio. A maneira como expões os acontecimentos faz de sua
linguagem concreta e franca.
A primeira leitura é dele, do profeta Miquéias, anunciando que o
Messias esperado virá de Belém, terra de Davi. Mateus, no seu Evangelho, não se
esquece desse prenúncio quando Herodes pergunta aos chefes dos sacerdotes e
doutores da lei o que dissera Miquéias sobre onde nasceria o Messias: “Eles responderam: ‘Em Belém, na Judéia,
porque assim está escrito por meio do profeta (Miquéias 5,1): E você, Belém, terra de Judá, não é de
modo algum a menor entre as principais
cidades de Judá, porque de você sairá um Chefe que vai apascentar Israel, meu
povo.” (Mt 2,5-6).
Miquéias não para por ai no anúncio do local onde nasceria o Messias. Vai
além. Fala da mãe do Messias e da força e majestade com que o Messias
apascentará o povo de Deus: “Deus deixará
o seu povo ao abandono, até o tempo em que uma mulher der à luz; e o resto de
seus irmãos se voltará para os filhos de Israel. Ele não recuará, apascentará
com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus; os homens
viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até os confins da terra, e ele
mesmo será a paz”. (Mq 5,2-4).
Lucas, no seu Evangelho, vai nos dizer que a Encarnação do Verbo, no
seio de Maria, já havia ocorrido e vamos encontrar Maria visitando Isabel que,
como ela, também estava grávida por uma intervenção especial de Deus: Maria, do
Messias; Isabel, do precursor.
A história de Maria, preparada que foi pelo Criador para ser a mãe do
Filho de Deus, conforme festejamos na festa da Conceição Imaculada de Maria, é
realmente envolvente e comovente. Nos últimos dias que antecederam a era
cristã, lá, em Nazaré da Galiléia, morava uma jovenzinha, entre doze e quinze
anos de idade, a quem o Senhor Nosso Deus, desde os primórdios da humanidade,
preparava para ser a mãe de seu Filho, aquele que seria o Salvador do gênero
humano mergulhado no pecado.
O profeta Isaias, aproximadamente setecentos anos antes desses
acontecimentos, já falara dessa jovenzinha, profetizando: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o
nome de Emanuel.” (Is 7,14; Mt 1,23). E quando chegou a plenitude dos
tempos, o Senhor, enviou um de seus Anjos Mensageiros: “... o Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia,
chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de
Davi, o nome da virgem era Maria.” (Lc 1,26-27).
O Mensageiro transmitiu à jovenzinha e virgem Maria o recado que o
Senhor lhe havia determinado e, sem dúvida, Maria o ouviu cheia de espanto e
emoção e, comovida, à princípio, sem saber exatamente o que estava acontecendo
e qual seria a razão daquela “Anunciação”, mas, sintonizada como sempre esteve com a vontade e os
desígnios de Deus e seu coração entendendo que um pedido do Senhor não é
simplesmente um pedido mas um prenúncio de que a Salvação prometida desde o
início dos tempos estava chegando, não titubeou e se colocou inteiramente, de
corpo e alma, ao serviço do Senhor, respondendo ao Mensageiro: “Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em
mim segundo a sua palavra.” (Lc 1, 38). Maria, quando consultada pelo Anjo,
declara-se “a escrava do Senhor”, e
coloca-se inteiramente à disposição de Deus para que a vontade do Senhor se
realizasse nela da maneira mais perfeita, incondicional e como Deus quisesse.
Nos nossos dias não existe mais escravidão e nós, por isso mesmo, não
entendemos bem o significado e a dimensão dessa palavra “escrava”. Ser escravo
é não ter vontade própria, não ter o direito, sequer, de ter desejos, é não
ter, absolutamente, liberdade. Ser escravo é sempre estar sujeito a um senhor
como propriedade única e exclusiva dele. Ser escravo é viver em absoluta
sujeição a um senhor. Mas quando o Senhor mandou o Anjo Gabriel consultar Maria
se ela queria e aceitava ser a escada entre o céu e a terra por onde desceria a
Salvação personificada na pessoa de Jesus Cristo, demonstrou que respeitava a
liberdade de Maria, considerou a vontade de Maria e, se porventura ela colocasse
obstáculos ou não aceitasse esse convite, o Senhor, sem dúvida, simplesmente
respeitaria sua decisão e Maria não seria a escolhida para ser a mãe do Verbo
Encarnado, da Palavra de Deus que se faria homem. E esse convite do Senhor à Maria não era um
convite à glória, mas ao sacrifício; não era um convite à alegria, mas ao
sofrimento.
Diante de Deus Maria se diz “escrava”;
coloca-se totalmente nas mãos do Senhor e, espontaneamente e de livre escolha,
deixa de ter vontade própria.
Maria coloca-se nas mãos do Senhor de tal maneira que tudo o que nela
fosse acontecer deveria ser a vontade de Deus, e se entregou a esse mister de
tal maneira que o Senhor poderia fazer nela e com ela tudo ”segundo
a sua palavra” (Lc 1,38). Maria é a escolhida do Senhor, a amada do Senhor,
a consagrada do Senhor, a “a escrava do Senhor”
(Lc 1,38).
Quem é de Deus não tem vontade própria, isso de livre e espontânea
vontade. É assim que rezamos na oração do Pai Nosso: “... seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” (Mt
6,10). Antes mesmo de o Senhor Jesus ensinar aos seus apóstolos, discípulos e
cristãos do mundo inteiro e de todos os tempos a oração do Pai Nosso, Maria já
a estava vivendo e colocando em sua vida a concretização da vontade de Deus. Quem
é de Deus é escravo do amor.
Maria não nasceu escrava, não foi feita escrava: Maria se fez escrava.
Maria não foi obrigada a fazer nada que não quisesse e não fosse a sua
vontade, mas, perante a vontade de Deus, a sua vontade passou a ser nada e ela
renuncia a sua vontade para fazer e cumprir somente a vontade de Deus. E, a
exemplo de Maria que se fez “escrava do
Senhor” (Lc 1,38), que se consagrou totalmente ao serviço de Deus, em todos
os tempos e ainda nos nossos dias existem cristãos, verdadeiros admiradores e
seguidores de Maria, que renunciam a sua vontade e todo prazer e alegria que a
vida e o mundo oferecem para fazer realizar única e exclusivamente a vontade de
Deus. Muitos se proclamam escravos do Senhor a exemplo de Maria e se esvaziam
de si mesmos para que a vontade do Senhor impere em todos os seus atos,
desejos, pensamentos, atitudes, palavras e ações. E foi nessa entrega total de
Maria ao Senhor ao anúncio do Anjo Gabriel que o céu se abre em louvores à
Maria e, pela boca do Anjo, todo o universo saúda-a por ter aceitado ser a mãe
daquele que viria para a redenção do gênero humano.
A saudação pronunciada pelo Anjo à Maria, quando da Anunciação,
transformou-se em oração e essa é a primeira oração que todos nós aprendemos a
rezar ainda no colo de nossas mães ou avós: a oração da “Ave Maria”. Desde a mais tenra idade repetimos a saudação do Anjo
em forma de oração e rezamos essa saudação mariana recitada pelo Senhor Nosso
Deus usando, como instrumentos, o seu Anjo Mensageiro Gabriel e,
posteriormente, Isabel.
A primeira parte da oração da Ave Maria foi recitada pelo Anjo Gabriel
quando levou à Maria o convite para que ela fosse a mãe de Deus. Gabriel,
entrando na casa onde estava Maria, conforme nos narra Lucas, dirige-se à Maria
saudando-a e dizendo: “Ave Maria, cheia
de graça, o senhor é contigo.” (Lc 1,28). Depois, quando Maria visita sua
parenta Isabel e, na ocasião “... Isabel ficou cheia do Espírito Santo”,
(Lc 1,41) e nesse estado supremo de graça Isabel recita a segunda parte da
oração bíblica da Ave Maria, e diz: “bendita
és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre.” (Lc 1,42). Juntando
as palavras do Anjo com as de Isabel e, considerando que ambos foram inspirados
e estavam cheios do próprio Espírito do Senhor Nosso Deus, temos, então: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é
contigo, bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre”
(Lc 1,28.42).
Esta primeira parte da oração da Ave Maria é totalmente bíblica é tudo
o que é bíblico é inspirado pelo Senhor; e mais ainda: a primeira oração da Ave
Maria foi recitada pelo próprio Senhor Nosso Deus, pois que o Anjo só disse o
que o Senhor lhe determinara dizer e Isabel, quando disse a sua parte, estava “... cheia do Espírito Santo” (Lc 1,41),
e, quem está cheio do Espírito Santo só diz e repete o que Deus determina e o
que for do agrado do Senhor. A oração da “Ave
Maria” foi recitada pela primeira vez pelo Senhor Nosso Deus.
A oração da Ave Maria é recitada e repetida pelos cristãos desde os
primórdios do cristianismo. E a confiança, o grande amor, veneração e respeito
que os cristãos devotam à Maria, e conscientes de que ela intercede por eles a
Jesus Cristo em suas dificuldades, como aconteceu nas bodas de Canaã, fez com
que eles acrescentassem mais uma parte nessa oração e, como num grito de
súplica, como que pedindo socorro por estarem trilhando esse vale de lágrimas,
acrescentaram: “Santa Maria, mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores, agora, e na hora de nossa morte, amém”.
A primeira parte da oração da Ave Maria é de louvores à Maria, feita
pelo Senhor; a segunda parte é de súplica, feita pelos homens. Depois da oração
do Pai Nosso não existe oração mais conhecida entre os cristãos do mundo
inteiro que não seja a oração da Ave Maria.
Desde o início da Igreja multidões e multidões a repetem sem cessar e
sempre com uma confiança redobrada na intercessão de Maria junto a seu Filho,
como ela já havia feito no casamento de Canaã (Jo 2,1-12), na certeza que seus
problemas serão resolvidos, seja de saúde, financeiro, familiar, ou confirmação
da fé. Maria era uma pessoa da amizade de Deus, era uma pessoa íntima do Senhor
e isso nós vemos pela maneira com que o Anjo a cumprimentou com muita
intimidade.
E nós, todas as vezes que repetimos a oração da Ave Maria, cumprimentamos
Maria com uma saudação toda especial vinda do céu, da parte do Senhor Nosso
Deus.
Todas as vezes que repetimos: “Ave
Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo”, nós dizemos: “eu te saúdo, Maria, porque és a criatura
preferida de Deus que te encheu de presentes, graça e santidade, e, por isso,
mereceste ser escolhida para ser a mãe do Salvador, a mãe do Filho de Deus, a
mãe de Deus, e Deus está por todo o sempre contigo.”
Assim como Jesus Cristo, o Filho de Deus, Deus, portanto, é filho de
Maria, nós também deveríamos nos esforçar para sermos filhos de Maria,
irmãos de Jesus Cristo. Assim como Jesus, como filho, amou Maria como mãe, nós
também, a exemplo de Jesus deveríamos amar Maria; será que Jesus, como filho
legítimo de Maria que é, não ficaria contente e feliz por ver sua mãe amada por
todos aqueles que dizem que o amam também? São Luiz Maria Grignon de Montfort
diz que o amor, a devoção que consagramos à Maria é fraca, escassa, mesquinha,
deturpada pela nossa ignorância religiosa que muitas vezes chega às raias da
heresia.
Como gostaria de mostrar a todos os cristãos, adoradores de Jesus
Cristo Deus, como Maria realmente foi: sem tronos e sem coroas, sem mantos,
apenas uma mulher simples, uma simples dona de casa, de avental, cabelos em desalinho
pelo trabalho doméstico e quotidiano e olhos lacrimejantes pela fumaça ardida
da lenha que arde no fogão.
Gostaria de mostrar uma Maria tão pequena e humilde que todos os que
chegassem a ela, sentissem à vontade junto dela. Infelizmente a nossa ignorância
tira de Maria todo o esplendor de sua humildade. E é por essa razão que Jesus
Cristo não é tão amado como deveria ser: é por não amarmos Maria como
deveríamos amá-la que os homens não se convertem; por não conhecer Maria como
ela foi na realidade de sua pobreza na pobre casa de Nazaré, e de sua humildade
suprema, fazendo-se “... escrava do Senhor” (Lc 1,38).
Enfeitamos demais a figura de Maria quando, na realidade, ela quer ser
somente o caminho mais curto que nos leva até Jesus, seu Filho. O Senhor Nosso
Deus a escolheu pobre e humilde e, dentro de sua pobreza e humildade ela não se
engrandeceu por ter sido escolhida a mãe do Filho de Deus; muito pelo
contrário, se auto-proclamou “... escrava
do Senhor”. (Lc 1,38).
E, consciente da sua responsabilidade perante o universo, Maria eleva
ao Senhor um dos mais belos cânticos já feito, em forma de oração e
agradecimento ao Senhor, quando diz:
Minha alma glorifica o Senhor,
e o meu espírito exulta em Deus, meu Salvador.
Porque lançou os olhos para a
humildade de sua serva;
portanto, eis que de hoje em
diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada,
porque o Todo Poderoso fez em
mim grandes coisas,o seu nome é santo.
E sua glória perdura de geração
em geração, para aqueles que o temem.
Agiu com a força de seu braço,
dispersou os homens de coração orgulhoso,
depôs poderosos de seus
tronos,e a humildes exaltou,
cumulou de bens os famintos e despediu os
ricos de mãos vazias,
socorreu Israel, seu servo,
lembrando de sua misericórdia,
- conforme prometera aos nossos
pais –
em favor de Abraão e de sua descendência para
sempre.
(Lc 1,46-55).
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