III DOMINGO DO TEMPO COMUM
“CONVERTAM-SE, PORQUE O REINO DE DEUS ESTÁ PRÓXIMO”. (Mt 4,17).
Diácono
Milton Restivo
O profeta Isaías,
novamente, aparece na primeira leitura da liturgia e, como já foi dito em
meditações anteriores, Isaias é conhecido como o mais messiânico profeta do
Antigo Testamento, isto é, o que mais profetizou sobre a vinda do Messias: a
origem do Messias, seu nascimento, quem seria sua mãe, quem seria o seu
precursor, o seu reinado, a sua paixão e morte.
Desta feita, Isaias
profetiza onde o Messias iniciaria a sua missão, não em Judá, mas numa terra
esnobada pelos judeus e tida como “um
povo que andava nas trevas... um país tenebroso” por parte dos judeus: “o povo que andava nas trevas viu uma
grande luz, e uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso”, e
essa terra não era outra senão a região da Galiléia, tendo Jesus, por isso
mesmo, chamado de Nazareno, de Nazaré, cidade da Galiléia e também de
Galileu...
Isaías escreveu que “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, e uma luz brilhou
para os que habitavam um país tenebroso” (Is 9,1; Jo 8,12), isto é, que o
Messias viria da Galiléia, considerando que os judeus, pela sua prepotência,
arrogância e discriminação em relação aos outros povos, consideravam a região
ao norte de Judá, a Galiléia, como “um
país tenebroso de um povo que vivia nas trevas”, e às vezes, até chamada de
“Galiléia dos pagãos” por causa da
forte mistura da população de origem da terra com elementos pagãos dos povos
estrangeiros, principalmente assírios e esse povo “vai alegar-se diante de ti, como na alegria da colheita, como no
prazer de quem reparte despojos de guerra. Porque, como no dia de Madiã,
quebraste a canga de suas cargas, a vara que batia em suas costas e o bastão do
capataz de trabalhos forçados”. (Is 9,2b-3).
O Salmo desta liturgia transcreve um voto de
extrema confiança do escritor sagrado, o rei Davi, ao Senhor: “Yahweh é minha luz e salvação: de quem
terei medo? Yahweh é a fortaleza da minha vida: frente a quem temerei?” (Sl
26 (27),1) que mais tarde Paulo repetiria com outras palavras, mas com a mesma
confiança: “O que nos resta dizer? Se
Deus esta a nosso favor, quem estará contra nós? Ele não poupou seu próprio
Filho, mas o entregou por todos nós. Como não nos dará também todas as coisas
junto com o seu Filho? Quem acusará os escolhidos de Deus? É Deus quem torna
justo” (Rm 8,31-33), corroborando o que Jesus dissera ao se despedir dos
seus discípulos e apóstolos: “Eis que eu
estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo”. (Mt 28,20b).
E Paulo dá o grito de vitória por estar sob
a proteção do Altíssimo: “Mas em todas
essas coisas somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou” (Rm
8,37).
A segunda
leitura é tirada da carta de Paulo aos Corintos, a primeira.
Havia em
Corinto uma comunidade judaica com sua sinagoga: “Todos os sábados, Paulo discutia na sinagoga, procurando convencer
judeus e gregos” (At 18,4).
Foi na cidade
de Corinto que Paulo entendeu o que Jesus quis dizer, quando disse: “Felizes os pobres de espírito, porque deles
é o Reino do Céu” (Mt 5,3), porque a maioria dos convertidos ao
cristianismo daquela cidade era escravos submissos ou libertos.
Dentro da
comunidade existiam vários grupos que se formavam em torno de certas figuras
proeminentes, acontecendo até brigas entre esses seguimentos. Cristãos da
comunidade, “da casa de Cloé”
escrevem para Paulo relatando esse fato: “Meus
irmãos, alguns da casa de Cloé me informaram que entre vocês existem brigas” (1Cor
1,11), a respeito do qual Paulo não tolera e chama a atenção dos que assim
procedem: “É que uns dizem: ‘Eu sou de Paulo!
’ E outros: ‘Eu sou de Apolo! ’ E outros mais: ‘Eu sou de Pedro! ’ Outros
ainda: ‘Eu sou de Cristo! ’” (1Cor 1,12).
Mudou alguma
coisa nos dias de hoje? Dentro da nossa Igreja existem grupos que se julgam
mais próximos de Deus porque o seu dirigente, ou o seu coordenador, ou o seu
pretenso fundador, ou os seus palestrantes ou mensageiros falam mais bonito ou
mais convincente do que os demais.
Infelizmente
essa divisão acontece ainda na nossa Igreja, nos nossos dias.
Quantos grupos
ou movimentos que se reúnem e se isolam da unidade da Igreja.
Quantos grupos
ou movimentos que tem as suas próprias missas, as suas próprias reuniões as
suas próprias lideranças, os seus próprios membros que não se misturam com os
demais, que se julgam mais santos como pensavam os fariseus do tempo de Jesus, e
que não vivem a unidade pretendida por Jesus: “haverá um só rebanho
e um só pastor”. (Jo 10,16).
Grupos que se digladiam entre si
julgando que, por pertencer àquela determinada denominação têm mais privilégios
na família de Deus.
Grupos que têm as suas próprias
normas e que não participam do banquete eucarístico que o Pai oferece aos seus
filhos semanalmente, partilhado em família.
Grupos que participam das reuniões
e missas do grupo, que acontece periodicamente, mas se ausentam das reuniões
dominicais da família de Deus que é a Santa Missa. Não são comprometidos.
Quando são chamados para,
juntamente com os demais, auxiliarem nisso ou naquilo na comunidade, se omitem,
não se oferecem, não se colocam à disposição, julgando que, apenas com suas
reuniões ou louvores já cumpriram as suas obrigações com a comunidade e com
Deus, esquecendo-se do que Jesus dissera: “Nem
todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrara
aquele que põe em prática a vontade do meu Pai que está no céu. Muitos me dirão
naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome
não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes
direi abertamente: nunca conheci vocês. Apartem-se de mim, vocês que praticam a
iniquidade!” (Mt
7,21-23).
Grupos que se
esquecem de que o que mais nos aproxima de Deus não é o que fazemos dentro da
Igreja, mas o nosso convívio fora da Igreja com o irmão carente e necessitado,
indo de encontro àquilo que Jesus deixou claro: “O que você fizer ao menor dos meus irmãos, é a mim que você fez” (Mt
25,40).
Quem é enviado de Cristo não pode servir de bandeira
de um grupo, julgando que, apenas por pertencer a este ou aquele grupo ou
movimento nada mais tem a ver com a comunidade.
Cristo é único, e não podemos dividi-lo.
Hoje, como no tempo de Paulo, padres, pastores, ministros
de vários seguimentos religiosos, movimentos e outros mais se arvoram como que
se a verdade estivesse sob seu domínio e Jesus sob seu comando e, a esses,
Jesus tem as mesmas palavras que dirigiu aos doutores da Lei e fariseus do seu
tempo: “Ai de vocês, doutores da Lei e
fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Deu para os homens. Nem vocês
entram, nem deixam entrar aqueles que desejam. [...] Por isso vocês vão receber uma condenação mais severa. Ai de vocês,
doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês percorrem o mar e a terra para
converter alguém, e quando conseguem, o tornam merecedor do inferno duas vezes
mais do que vocês. [...] Ai de vocês,
doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por
fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e
podridão! Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas
por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça [...] Serpentes, raça de cobras venenosas! Como é
que vocês poderiam escapar da condenação do inferno?” (Mt 23,13.15.27-28.35).
Como Paulo deixa transparecer nos seus escritos no
seu no tempo, não era diferente: havia desavenças, discórdias, brigas e panelinhas na comunidade; desunião e
formação de grupos simpatizantes com este ou aquele agente de pastoral que
passava pela cidade ou que lá permanecia, e Paulo é contundente e não se cala: “Eu lhes peço, irmãos, em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo: mantenham-se de acordo uns com os outros, para que não
haja divisões. Sejam estreitamente unidos no mesmo modo de pensar”. (1Cor 1,10-12).
Paulo bate forte dizendo que Cristo é o
centro, e os agentes de pastorais e os fundadores de grupos ou movimentos ou
seguimentos religiosos não o são (1Cor 1,10-17; 3,1-17; 4,1-13) e que a sabedoria
de Deus se manifesta na Cruz de Cristo e não na sabedoria da sociedade injusta
(1Cor 1,18 – 2,16; 3,18-23).
O Evangelho narra
que, após o seu batismo, Jesus, por precaução e prudência, voltou para a
Galiléia, de onde tinha vindo e onde haveria de permanecer por longo período de
sua vida pública, considerando que João Batista fora preso por ordem de
Herodes: “Ao saber que João tinha sido
preso, Jesus voltou para a Galiléia. Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum,
que fica às margens do mar da Galiléia, nos confins de Zabulon e Neftali”. (Mt
4,12-13).
Possivelmente
Jesus tenha feito isso para não se expor à prepotência de Herodes e não correr
o risco de, ao começar a sua pregação, ser preso por aquele monarca sanguinário
que havia mandado prender João Batista, colocando em prática o que mais tarde
ele ensinaria aos seus discípulos e apóstolos, quando os enviaria para a
missão: “Eis que eu envio vocês como
ovelhas no meio de lobos. Portanto, sejam prudentes como as serpentes e simples
como as pombas. Tenham cuidado com os homens...”. (Mt 10,16-17a).
Esta não foi a
primeira e nem a única vez que Jesus tomou essa atitude, a de fugir do perigo
de colocar a sua vida em
risco. O fato de João Batista ter sido preso e depois ser
envidado para a morte e executado, é como um prelúdio do que estava reservado
para Jesus, por isso, ele afasta-se: “Quando
soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barca para um lugar
deserto e afastado”. (Mt 14,13; Lc 9,10).
Esta volta de
Jesus para a Galiléia vai de encontro com o que o profeta Isaias já falara do
Messias e o narrado na primeira leitura é repetido por Mateus no seu Evangelho:
“Terra de Zabulon, terra de Neftali,
caminho do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galiléia dos que não são
judeus! O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; e uma luz brilhou para
os que viviam na região escura da morte”. (Mt 4,15-16; Is 8,23 – 9,1).
Jesus volta
para a Galiléia, mas não para Nazaré, e fixa residência em Cafarnaum.
A Galiléia era
um lugar de refugiados e estrangeiros marginais, chamada pelos judeus de
Galiléia das nações por haver uma mistura muito grande de pessoas de várias
nacionalidades e religiões, ou de Galiléia dos pagãos, considerando que os
estrangeiros não seguiam a Lei de Moisés.
E é para lá que
Jesus vai para dar início à pregação do Evangelho, da Boa Nova.
A partir daí
começam a ser citadas algumas cidades da Galiléia que nunca antes houveram sido
citadas nas Sagradas Escrituras com, por exemplo, Betsaida, que quer dizer
“casa da pescaria”, por ficar às margens do lago ou mar da Galiléia, e onde
nasceram e foram chamados para o apostolado por Jesus Felipe e os irmãos André
e Pedro.
Outra cidade é
Caná, chamada de Caná da Galiléia, onde Jesus fez o seu primeiro milagre num
casamento, transformando água em vinho (cf Jo 2) e onde nasceu o apóstolo
Natanael.
Cafarnaum, onde
Jesus fixou residência (cf Mt 4,13; 9,1), também nunca tinha sido citada em
toda a Bíblia. Cafarnaum e seus arredores formaram o cenário de grande parte
das atividades de Jesus. Jesus ensinou na sinagoga da cidade: “Foram à cidade de Cafarnaum e, no sábado,
Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar.” (Mc 1,21).
Em Cafarnaum
moravam, também, Pedro e seu irmão André: “Saíram
da sinagoga e foram para a casa de Simão Pedro e André, junto com Tiago e
João”. (Mc 1, 29).
A cidade de
Nazaré, na Galiléia, também é citada somente no Novo Testamento e se tornou
importante após os acontecimentos da anunciação do anjo Gabriel a Maria (Lc
1,26-38) e onde Jesus passou a sua infância, adolescência e juventude.
No início da
vida pública de Jesus os habitantes de Nazaré, sua cidade, odiaram de tal
maneira a Jesus e sua pregação que tentaram precipitá-lo do alto de um
precipício (cf Lc 4,16-30).
Foi na cidade
de Cafarnaum que Jesus diz as primeiras palavras da Boa Nova, convocando o povo
à conversão, repetindo as mesmas palavras de João Batista quando batizava nas
margens do rio Jordão: “naqueles dias,
apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: ‘Convertam-se, porque o
Reino do Céu está próximo” (Mt 3,1-2), e Jesus lança mão das mesmas
palavras para dar início à sua missão: “Convertam-se,
porque o Reino do Céu está próximo”. (Mt 4,17b).
O evangelista
Marcos faz questão de destacar esse momento: “Jesus voltou para a Galiléia pregando a Boa Notícia de Deus: O tempo
já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se, e acreditem
na Boa Notícia” (Mc 1,14-15).
Mateus, no seu
Evangelho, não usa a expressão “Reino de Deus” como os outros evangelistas
considerando que ele escreveu o seu evangelho para os judeus, e, de acordo com
a Lei de Moisés, os judeus não podiam pronunciar o nome de Deus, por isso
Mateus uma o termo “Reino do Céu”.
Jesus conclama
a todos à conversão. Converte-se é trilhar o caminho da humildade, da pobreza,
da mansidão, da misericórdia, da promoção da paz, da justiça.
Conversão não
se trata de adesão a um determinado grupo religioso, mas é, sobretudo,
disponibilidade de coração para entrar no seguimento de Jesus.
Conversão exige
viver numa contínua penitência com o intuito de endireitar nossas “velhas
estradas existenciais” marcadas pelas pedras do tropeço e da infidelidade. Esta
foi à proposta de João Batista, e deve ser a nossa meta: “Preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas” (Mt 3,2).
Conversão é um processo em marcha, nunca acabado, nunca definitivo.
Estamos sempre
nos convertendo. É um engano dizer que já estamos convertidos. Nesse terreno
estamos sempre a caminho. Dirigindo-se aos convertidos da Igreja primitiva,
Pedro não cessava de recomendar: “Convertam-se”
(At 2,37s).
Conversão é,
portanto, vida nova vivida pelo “homem
novo – uma nova criatura” (cf. 2Cor 5,17; Ef 4,24; Cl 3,10), ou seja, por
aquele ser humano que deixou triunfar em si o poder do Espírito de Deus, capaz
de tudo transformar. Converter-se é optar pelo amor.
E Jesus começou
a sua vida pública fora de Judá, na região da Galiléia, terra menosprezada
pelos judeus. Foi nessa região que Jesus escolheu os seus primeiros discípulos que
viriam a ser os seus primeiros apóstolos: os irmãos André e Pedro, e os irmãos
Tiago e João. Eram pescadores que tiravam o sustento de sua família das águas
do lago, também chamado mar da Galiléia.
A esses, ao
serem chamados, Jesus diria: “Sigam-me, e
eu farei de vocês pescadores de homens”. (Mt 4,19). Como narram os
Evangelhos, repito, Jesus não começou a sua missão nas terras de Judá, o povo
que se julgava escolhido e preferido por Yahweh. Começou, sim, em terras
estrangeiras que tinham uma população considerada escória por parte dos judeus “porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se
havia perdido”. (Lc 19,10). “O povo que vivia nas trevas viu uma grande
luz; e uma luz brilhou para os que viviam na região escura da morte”. (Mt
4,16).
Mais tarde
Jesus confirma essa profecia ao afirmar ser ele a luz: “Eu sou a Luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas
possuirá a luz da vida”. (Jo 8,12).
“Eu vim ao mundo como luz, para que todo aquele que acredita em mim não fique
nas trevas”. (Jo 12,46).
Depois de
proclamar os pobres como felizes e bem-aventurados no sermão da montanha, Jesus
diz: “Vocês são a luz do mundo [...] Assim também, que a luz de vocês brilhe
diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que vocês fazem, e louvem
o Pai de vocês que está no céu”. (Mt 5,14.16).
No batismo, o
batizando recebe essa luz de Jesus, quando os pais ou padrinhos acendem a vela
no Ciro Pascal, que é o Cristo, irradiando a sua luz e expulsando as trevas do
mundo, e colocam essa vela na mão do batizando, tornando-o, com Cristo, por
Cristo e em Cristo, luz para iluminar a escuridão que reina no mundo: “Na Palavra estava a vida, e a vida era a
luz dos homens. Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram
apagá-la.” (Jo 1,4-5).
Pelo batismo, somos
chamados a ser discípulos de Jesus, convivendo com ele, participando de sua
vida e unindo-se a ele. “Sigam-me e eu
farei vocês se tornarem pescadores de homens” (Mc. 1,17). Não podemos desassociar
Jesus de sua missão, que nada mais era do que a defesa da vida em todas as
circunstâncias. “Eu vim para que todos
tenham vida e a tenham em abundância” (Jo. 10,10).
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