IV DOMINGO DO TEMPO COMUM
“FELIZES VOCÊS, SE FOREM INSULTADOS E PERSEGUIDOS, E SE DISSEREM TODO
TIPO DE CALÚNIA CONTRA VOCÊS, POR CAUSA DE MIM” Mt 5,11-12).
Diácono
Milton Restivo
Jesus fala dos
profetas perseguidos nos tempos anteriores para dar conforto e confiança aos
seus discípulos que assumiriam com responsabilidade a sua mensagem.
Falamos sempre
sobre profetas e os profetas estão sempre em evidência nas nossas leituras e
meditações que são tiradas dos livros sagrados, manifestando a vontade de Deus
em relação ao seu povo. Mas, o que é um profeta?
Existem muitas
definições e explicações a respeito desse termo, mas o sentido exato é
desconhecido porque, como consta do Dicionário Enciclopédico da Bíblia, não há
uma visão em comum em torno da etimologia dessa palavra.
Nas culturas
pagãs, não judaicas, profeta era alguém que falava em nome de uma ou várias
divindades. Esse termo veio para o judaísmo como alguém, homem ou mulher, que
falava em nome de Yahweh.
Via de regra,
as primeiras leituras das celebrações eucarísticas são tiradas do livro de um
profeta do Antigo Testamento.
Hoje, no
Evangelho, Jesus prega as bem-aventuranças. Bem-aventuranças é missão dos profetas
propagarem. Os profetas têm a missão de viver as bem-aventuranças.
Mas, voltemos à
pergunta: o que é um profeta? Achei entre os meus guardados um artigo
denominado “Precisa-se de Profetas”, dos padres Salvatorianos que define bem o
que deve ser entendido por profeta nos nossos dias, e transcrevo parte dele: “O profeta é um homem que acredita fielmente
nos seus ideais e sonhos. Ele é capaz de enfrentar qualquer dificuldade
para levar avante o seu projeto de vida. Geralmente este projeto não está separado
de uma visão humana e libertadora. O profeta traz em seu íntimo a certeza de
que a vida sempre superará a morte porque quem o impulsiona a agir nessa
direção é o Deus criador, o Deus que gera e sustenta essa mesma vida. [...] Para o profeta o direito a uma vida digna é
indispensável na implantação do projeto de Deus. A vida deve estar acima de
qualquer pretensão humana em todas as suas dimensões e níveis: social,
político, econômico e religioso. O profeta é animador, entusiasta é aquele que
encoraja o seu povo para uma atuação que corresponda aos anseios de uma vida de
melhor qualidade possível. Porém, é também aquele que sofre e sente os dramas
de uma nação, de um povo sofredor. Diante das situações de calamidade o profeta
luta e grita do mais profundo de suas entranhas: Deus não está de acordo com a
manutenção da dominação que tem como consequência a exploração e destruição da
dignidade humana”.
Voltemos à primeira leitura desta liturgia
que é tirada do livro do profeta Sofonias, cujo nome significa: “o Senhor
escondeu”, para entendermos um pouco de bem-aventuranças.
O Reino de
Judá, no tempo de Sofonias, era caracterizado por alguma desorientação
religiosa provocada pelos reinados ímpios e violentos dos reis Manassés e Amon
e pelo fato de parte do seu território ter estado dominado pela Assíria. O rei Manassés
teria mesmo chegado a dar proteção oficial às artes mágicas e aos encantadores
e a mandar construir altares para adoração de elementos naturais, como o sol, a
lua, as estrelas e aos signos do zodíaco.
Na sua pregação,
Sofonias dirige ataques veementes, não apenas às modas e cultos trazidos pelos
invasores estrangeiros, mas também aos poderosos de Judá que aceitavam e até
mesmo protegiam esses costumes. Sofonias acusava severamente os dirigentes da
vida pública, príncipes, juízes e sacerdotes e até profetas de serem maus
exemplos: “Ai de Jerusalém, a rebelde, a
contaminada, a cidade opressora! Cidade que não escutou o chamado, que não
aprendeu a lição. Ela não confiou em Yahweh, nem se aproximou do seu Deus. Seus
chefes são leões que rugem; seus juízes são lobos à tarde que não comeram nada
desde a manhã; seus profetas são uns fanfarrões, mestres de traição; seus
sacerdotes profanam coisas santas e violam a Lei de Deus”. (Sf, 3,1-4).
Esta é a atitude
típica de um profeta que vive as bem-aventuranças e sobre o qual está o
Espírito do Senhor: fazer transparecer a verdade ainda que, para isso, tenha
que correr riscos de segurança e até de vida por denunciar atitudes criminosas
e pecaminosas das autoridades do povo: governadores que não levam a sério suas
promessas de palanque e fazem do seu mandato um meio de promoção pessoal;
presidentes que fazem da bolsa família uma maneira de humilhar os pobres para
se elegerem, ao invés de favorecer um trabalho digno para o sustento de sua
família sem sentirem que estão sendo favorecidos por esmolas que os deixam
ainda mais indolentes; prefeitos, vereadores, deputados e senadores que roubam o
dinheiro que deveria ser usado em favor da saúde, da segurança, da habitação,
do transporte, da educação do povo, muitos deles escondendo fabulosas somas de
dinheiro nas cuecas, meias e bolsas, ou enviando esse dinheiro para paraísos
fiscais; patrões que pagam o salário da fome para seus empregados; políticos
que não sabem assinar nem o seu próprio nome sendo eleitos por maioria
esmagadora; juízes corruptos que fazem as suas próprias leis em detrimento dos
pobres; falsos profetas que pregam o que dizem ser a verdade em proveito
próprio; sacerdotes e pastores, que deveriam ser ministros da Palavra fazem as
suas próprias doutrinas induzindo o povo ao erro e que viraram mais artistas de
televisão do que anunciadores do Caminho, da Verdade e da Vida, que é Jesus
Cristo (cf Jo 14,6).
Ao denunciar
tudo isso, o profeta dos nossos dias estão levando à sério o que Jesus disse
àqueles que levam à sério a vivência das bem-aventuranças: “Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo
tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes,
porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os
profetas que vieram antes de vocês”. (Mt 5,11-12).
Esta deveria
ser a atitude típica de um profeta sobre o qual está o Espírito do Senhor, que tem
por vocação denunciar as injustiças, ainda que para isso tenha que perder a
cabeça, como aconteceu literalmente com João Batista que não se intimidou ao
denunciar atitudes condenáveis do rei Herodes (cf Mt 14,1-12), com o apóstolo
Paulo que levou mais à serio viver e pregar as bem-aventuranças do que manter
sua cabeça anexada do seu corpo, com o apóstolo Pedro que preferiu ser
crucificado de cabeça para baixo do que negar o seu Mestre, e também com
profetas dos nossos dias, como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Padre
Ezequiel, Chico Mendes, irmã Dorothy e quantos outras e outros poderíamos citar.
Onde estão os
profetas dos nossos dias?
Não seria
exatamente isso o que faria o profeta Sofonias se ele existisse nos dias de
hoje?
Como disseram
os padres Salvatorianos: “Precisa-se de Profetas”. Mas o profeta Sofonias não
fica somente nas acusações e condenações aos que violam a lei de Yahweh; ele
também conforta os que vivem essa lei e manifesta a misericórdia do Senhor para
com eles: “Mas no meio dela está Yahweh,
que é justo, que não pratica a injustiça. Todo dia ele dá a sua sentença; não
há uma só manhã em que ele deixe de comparecer. O criminoso, porém, não
reconhece a sua culpa”. (Sf 3,5).
Existe
criminoso que reconhece a sua culpa? Que seja réu confesso? Existe político que
rouba do povo, criam caixa dois para os seus partidos, mandam dinheiro para
paraíso fiscais, que são presos e estão presos e que admitem terem feito isso?
Os que denunciam são perseguidos, massacrados, presos, discriminados e até
mortos...
É por isso que
no Evangelho de hoje Jesus vai dizer para os seus discípulos: Felizes os que são perseguidos por causa da
justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes vocês, se forem insultados e
perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês por causa de mim.
Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu.
Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês”. (Mt
5,10-12).
Na leitura de
hoje Sofonias vai ressaltar os justos, os pobres, os humildes, os pequenos de
Yahweh, aqueles que “não cometerão
iniquidades e nem falarão mentiras; não se encontrará em sua boca uma língua
enganadora; serão apascentados e repousarão, e ninguém os molestará” (Sf
3,13), e faz um apelo a esses: “Procurem
a Yahweh, como todos os pobres da terra que obedecem aos seus mandamentos;
procurem a justiça, procurem a pobreza. Quem sabe, assim vocês acharão um
refúgio no dia da ira de Yahweh”. (Sf 2,3).
O Salmo chama a
atenção sobre quem colocar a segurança nos poderosos que não pode salvar, mas
que confia totalmente em Yahweh: “Não
coloquem a segurança nos poderosos, num homem que não pode salvar. Exalam o
espírito e voltam ao pó, e no mesmo dia perecem seus planos. Felizes os que se
apóiam no Deus de Jacó, quem coloca sua esperança em Yahweh, seu Deus. (Sl
145 (146),3-5).
O salmista
também profetiza sobre a missão de Jesus, que foi fiel, até à morte, aos planos
do Pai, e não se intimidou ante os poderosos que vieram do pó e ao pó
retornarão: “Ele mantém sua fidelidade
para sempre, fazendo justiça aos oprimidos, e dando pão aos famintos. Yahweh
liberta os prisioneiros. Yahweh abre os olhos dos cegos. Yahweh endireita os
encurvados. Yahweh ama os justos. Yahweh protege os estrangeiros, sustenta o
órfão e a viúva, mas transtorna o caminho dos injustos”. (Sl 145 (146),6b-9).
Paulo, na
segunda leitura, dá sequência à primeira carta aos coríntios da meditação
anterior.
Nessa
recomendação fala sobre o óbvio, mas que somos lentos para entender sobre como
viver as bem-aventuranças. Paulo retorna àquilo que Jesus já fizera na escolha
dos seus apóstolos, aqueles que deveriam viver e ensinar a viver as
bem-aventuranças: não eram sábios e nem proeminentes na sociedade, nem muito
poderosos, nem muito nobres, e até nem muito corajosos e até covardes, pois
abandonaram Jesus quando da sua prisão.
Jesus, na
escolha de seus apóstolos, não foi ao Templo de Jerusalém, onde estavam os
sábios doutores da Lei, os nobres sacerdotes, os proeminentes fariseus e os
poderosos saduceus, sendo que muitos deles até se julgavam santos.
Pelo contrário,
Jesus foi às periferias de pequenas cidades fora da própria Judéia, às margens
lamacentas de lagos e rios onde aqueles poderosos e nobres, como os
representantes do povo de hoje, não importando se politicamente ou
religiosamente, que se julgavam santos, honestos e acima de qualquer suspeita,
jamais colocariam os pés nesses lugares porque sujariam seus calçados de lama e
sua pretensa dignidade que se contaminaria com o cheiro do suor dos
trabalhadores que trabalham hoje para comer amanhã.
Jesus começou a
estruturar o seu “colégio apostólico”, chamando homens rudes, ignorantes,
brutos, de pele queimada pelo sol inclemente a que eram submetidos durante as
suas pescarias, como se estivesse ali buscando diamantes brutos e sem brilhos
para serem lapidados nos moldes da vontade do Pai.
Como diz Paulo:
Jesus, para o Pai, “escolheu o que o
mundo considera estúpido para assim confundir os sábios: Deus escolheu o que o
mundo considera como fraco para assim confundir o que é forte; Deus escolheu o
que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma
serventia, para mostrar a inutilidade do que é considerado importante, para que
ninguém possa gloriar-se diante dele”. (1Cor 1,27-29).
Assim é a
Igreja de Jesus Cristo: é dos que se fazem pobres para ganhar o Reino do Céu
(cf Mt 5,3), é dos que buscam a salvação em Jesus Cristo , porque
Jesus “veio procurar e salvar o que
estava perdido” (Lc 19,10) e, quando isso acontece, “haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte do que
por noventa e nove justos que não precisam de conversão”. (Lc 15,9.32).
Paulo é
enfático ao definir a Igreja de Jesus Cristo: “Entre vocês não há sábios de sabedoria humana, nem muitos poderosos,
nem muitos nobres. [...] Ora, é por
iniciativa de Deus que vocês existem em Jesus Cristo , o qual se tornou para nós sabedoria
que vem de Deus, justiça, santificação e libertação, a fim de que, como diz a
Escritura: ‘Aquele que se gloria, que se glorie no Senhor”. (1Cor 1,26b.31).
É isso que o Evangelho
nos traz: o que costumeiramente chama-se “o Sermão da Montanha”.
Mas, o Sermão
da Montanha não é somente isso que esta liturgia sugere.
O Que foi ou
será lido é apenas a introdução do Sermão da Montanha, considerando que, em
Mateus, o Sermão da Montanha abrange os capítulos 5, 6 e 7.
A leitura do
Evangelho desta liturgia é apenas uma introdução de Jesus a toda a multidão que
veio por ele ter anunciado a chegada do Reino. Esse discurso é chamado “Sermão
da Montanha” devido o lugar onde Jesus o proferiu: na montanha: “Jesus viu as multidões, subiu à montanha e
sentou-se”. (Mt 5,1).
Não é difícil
perceber o motivo pelo qual Mateus escolheu esse lugar para apresentar o
sermão: Jesus, rodeado por uma multidão, sobe a uma montanha (Mt 5,1) e começa
um discurso no qual recorda os mandamentos de Moisés e dá-lhes uma nova
interpretação (Mt 5,18-19.21.27.31.33.38.43); como que parecendo um novo Moisés
que supera o anterior, alguém maior que Moisés.
A passagem
associa-se, sem dificuldades, com a do Monte Sinai: “Iahweh desceu sobre a montanha do Sinai, no cimo da montanha. Iahweh
chamou Moisés para o cimo da montanha e Moisés subiu.” (Ex 19, 20).
O Sermão da
Montanha começa com as Bem-Aventuranças proclamadas por Jesus (Mt 5,3-12). Trata-se
de uma forma literária muito comum na Bíblia, como que a felicitar alguém por
alguma qualidade ou bem que possua.
Neste caso,
Jesus felicita aqueles que têm condições para ingressar no Reino dos Céus.
No Antigo
Testamento os piedosos recebem o nome de pobres (de espírito), de mansos e, por
isso, são misericordiosos, etc. como se vê em Is 49,8-13; 61,1-3; Sl 37,11.
Todos os que
têm essas qualidades: pobreza em espírito; aflição por ver a injustiça e o
desamor reinantes na sociedade, nas famílias e no mundo; mansidão por não ser
mais um instrumento de violência que domina o mundo; fome e sede de justiça; os
misericordiosos como o Pai, porque Deus é Pai de misericórdia; pureza de
coração, de atitudes, não permitindo que a malícia reine na sua mente e no seu
comportamento; promotores da paz, como disse Francisco de Assis: “Senhor, faze de mim um instrumento de tua
paz”.
Esses, que têm
essas qualidades, são os cidadãos do Reino de Deus que se faz presente.
Depois de
felicitar aqueles que recebem o Reino, Jesus passa a expor qual é o
comportamento que corresponde a esta nova situação. Para isso, lembra alguns
mandamentos explicando o sentido que têm agora, já que “o Reino está próximo” (Mt 5,17-48).
Já não se trata
da antiga lei de Moisés, mais ligada ao exterior do homem, mas sim de uma
mudança radical de coração que o leva a ter atitudes cada vez mais perfeitas. O
ideal proposto é a perfeição que tem o Pai celestial: “Portanto, sejam perfeitos como é perfeito o Pai de vocês que está no
céu”. (Mt 5,48), repetindo o que já fora dito no Antigo Testamento: “Sede santos, porque eu, Yahweh vosso Deus,
sou santo”. (Lv 19,2).
Jesus sabia qual
seria o destino de quem procurasse viver da maneira que ele viveu e expôs
porque, antes de mais ninguém, ele mesmo sofreu a intolerância do mundo e, por
isso, ele orienta como seria a incompreensão do mundo em relação àqueles que,
como ele, pegou a cruz e a levou até as últimas consequências, mas os conforta
com a promessa da recompensa no céu: “Felizes
vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia
contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes, porque será grande
para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que
vieram antes de vocês”. (Mt 5,11-12).
Será que
entendemos agora o que é ser e qual é a missão do profeta?
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