D. OSCAR ROMERO, ARCEBISPO DE SAN
SALVADOR, ASSASSINADO EM 1980 ENQUANTO
CELEBRAVA UMA MISSA, FOI CANONIZADO PELO PAPA
FRANCISCO NO DIA 14 DE OUTUBRO DE 2018.
JORNALISTA
DO JORNAL “O ESTADO DE SÃO PAULO” ENTREVISTOU D. OSCAR ROMERO TRÊS DIAS ANTES
DE LEVAR UM TIRO NO PEITO E SER MORTO ENQUANTO CELEBRAVA UMA MISSA E DIZ: 'EU
ENTREVISTEI UM SANTO'
O Papa Francisco proclamou santo Oscar
Romero, arcebispo de El Salvador assassinado em 1980. D. Oscar Romero foi
canonizado neste domingo, 14 de outubro de 2018 em uma grande cerimônia na
Praça de São Pedro, no Vaticano.
Um
jornalista do Jornal O Estado de São Paulo entrevistou D. Romero três dias
antes de ele ser morto com um tiro no peito enquanto celebrava uma missa por
defender o povo de El Salvador do regime governamental repressor e assassino.
Eis a matéria:
Era uma sexta-feira, 21 de março de 1980, véspera de
minha partida de El Salvador, após uma semana de trabalho para uma série de
reportagens sobre a violência no país. Guerrilheiros e militantes de esquerda
lutavam contra uma junta militar, empenhados em derrubar uma ditadura de
centro-direita, instalada cinco meses antes com apoio dos Estados Unidos.
Marquei uma entrevista com D. Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, a
capital.
Ele me recebeu em seu escritório no Seminário São José com mais dois
jornalistas, um americano, do jornal Dallas Times Herald, e um alemão, da
agência de notícias DPA.
"O senhor não tem medo de morrer?",
perguntei ao arcebispo, quando ele se referiu à sua ação pastoral como
mediador, que denunciava os extremismos de direita e de esquerda e lia, nas
missas dominicais, a relação de mortos e de desaparecidos da semana anterior. A
igreja ficava sempre lotada. Havia ameaças contra ele, e eu queria saber se não
temia ser assassinado.
"Em Salvador, todos temos medo. Eu prego a
verdade e a justiça. Prego um Evangelho que é o Cristo, solução por caminhos de
paz e de amor. Pode parecer ridículo pregar isso, mas é a solução. As soluções
violentas não são dignas do homem nem são estáveis. A violência é uma espécie
de operação cirúrgica para que o doente se cure logo. A Igreja admite a
violência quando não há outro caminho, mas é preciso que seja apenas uma
passagem. A insurreição como insurreição não tem sentido", respondeu D.
Oscar.
O arcebispo admitiu o risco de ser morto e, três dias
depois, levou um tiro no peito, por volta das 18h30 da segunda-feira, 24 de
março, enquanto celebrava a missa no Hospital da Providência. Foi um único
disparo, ninguém percebeu de onde saiu a bala. O assassino fugiu, após um ronco
do motor de um carro que escapou em disparada.
A polícia atribuiu o crime a um atirador contratado
pela extrema direita. A Comissão da Verdade da Organização das Nações Unidas
(ONU) apurou que o mandante do assassinato foi o major Roberto d' Aubuisson,
fundador da Alianza Republicana Nacionalista, em 1981.
No fim da entrevista ao Estado, D. Oscar escreveu um
cartão, pedindo-me para entregá-lo a D. Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São
Paulo. O cardeal revelou o conteúdo da mensagem em sua autobiografia, Da
Esperança à Utopia, publicada pela editora Sextante em 2001. O arcebispo de San
Salvador dizia "que nunca esquecia o Brasil e as vítimas do governo
ditatorial em suas preces e particularmente em sua missa". Os dois
arcebispos eram amigos desde 1979, quando se conheceram durante a Conferência
do Episcopado Latino-Americano de Puebla, no México.
Tranquilo e afável. D. Oscar Arnulfo Romero y
Galdamez, então com 62 anos, nasceu em Ciudad Barrios, a 138 quilômetros de San
Salvador. Era um homem tranquilo e afável que não se alterava nem quando falava
da terrível situação de seu pequeno país, de 21.040 quilômetros quadrados e
cerca de 4,5 milhões de habitantes em 1980. Combatia os extremismos, cuja luta
custou mais de 75 mil mortos em 13 anos de guerra civil. A direita o odiava, a
esquerda o olhava com desconfiança.
"Critiquei as organizações populares (de
esquerda), mas a reação do governo é desproporcional e as vítimas são mais
numerosas nas esquerdas. A resposta às provocações não deve ser somente
militar. É preciso ouvir a voz que clama por justiça. Nos últimos dias, houve
vítimas que não morreram em choques, mas em suas casas, após sequestros e
torturas", disse d. Oscar. "Dou números comprovados, temos documentos
em nosso Socorro Jurídico: foram mais de 600 os mortos em janeiro e fevereiro",
acrescentou.
Apesar de tudo, d. Oscar ainda confiava na Junta
Revolucionária que tomou o poder em outubro de 1979, porque dela participava o
Partido Democrata Cristão. Mantinha um diálogo com o governo para solução de
problemas. "Chamam-me, às vezes, da Casa Presidencial, ou eu recorro,
quando necessário, a membros do governo. Sou um mediador em favor do povo.
Quando há ameaças de um massacre, por exemplo, entro em contato com o governo.
Mas eles também costumam recorrer a mim."
A fama de santidade, primeira condição para a abertura
do processo de beatificação e canonização, alastrou-se por El Salvador e outros
países imediatamente. Chamado de mártir das Américas por ter dado a vida em
defesa dos direitos dos pobres e perseguidos, D. Oscar ganhou devotos pelo mundo
afora. O papa João Paulo II rezou junto de seu túmulo, quando visitou San
Salvador em março de 1983. As informações são do jornal O Estado
de S. Paulo.
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