XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; Leituras: Sb 7,7-11; Sl 89; Hb 4,12-13;
Mc 10,17-30.
"VÁ, VENDA TUDO, DÊ O DINHEIRO AOS
POBRES, E VOCÊ TERÁ UM TESOURO NO CÉU”. (Mc 10,21).
Diácono Milton Restivo
A primeira leitura é tirada
do livro da Sabedoria que é o último livro escrito no Antigo Testamento, por
volta do ano 50 aC .
Na passagem abordada, o
autor sagrado diz que a sabedoria é o maior dom que o homem pode receber do seu
Criador e que é mais valiosa que todos os bens da terra:
·
“Eu a preferi aos cetros e tronos e, em comparação com
ela, considerei a riqueza como um nada. Não a comparei com a pedra mais
preciosa, porque todo o ouro, ao lado dela, é como um punhado de areia. E junto
dela a prata vale o mesmo que um punhado de barro.” (Sb 7,8-9).
Na sequência do seu
Evangelho, Marcos diz que Jesus
·
“ao retornar seu caminho, alguém correu e ajoelhou-se
diante de Jesus, perguntando: ‘Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna’?”
(Mc 10,17).
A narrativa de Marcos deste domingo está contida,
também, em Mateus 19,16-22 e Lucas 18,18-23, e a pessoa que se dirige a Jesus é
qualificada como “o moço, ou o jovem rico”.
Em Marcos, o homem que se dirigiu a Jesus, numa
atitude de respeito e adoração, pois “ajoelhou-se
diante dele”, pela pergunta formulada, aparentemente tinha um respeito
profundo por Jesus e demonstrava boas intenções, como nos demais Evangelhos.
Era alguém que, possivelmente, seguia à risca a Lei de
Moisés e já ouvira os ensinamentos de Jesus e acreditava que Jesus tinha o mapa
que indicava o caminho para a casa do Pai.
À primeira vista parece ser uma pessoa instruída, de
apurada educação ou, simplesmente bajuladora, pois que não se contenta em
somente chamar Jesus de Mestre; tentando ser agradável, o chama de “bom Mestre”.
Aparentemente Jesus refuta esse elogio ou bajulação
atribuindo esse adjetivo a Deus:
·
"Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão só
Deus." (Mc 10, 18).
Demonstrando com isso que, mesmo sem o saber, aquela
pessoa ao chamar Jesus de "bom Mestre", admitia e afirmava a
divindade de Jesus.
Os Evangelhos não declinam o nome desse
"alguém", tendo ficado, no Evangelho de Mateus conhecido como “o jovem rico”, ou “o rico de notável posição”, ou ainda “o moço rico”, portanto, vamos nos referenciar a ele como o “jovem rico”.
Não sendo citado o seu nome fica mais fácil nós mesmos
atribuirmos a ele o nosso próprio nome; colocarmos-nos no lugar desse jovem
rico, nos dirigirmos a Jesus e fazer a mesma pergunta; correr até Jesus, cair
de joelhos à seus pés em atitude de adoração, e perguntar-lhe:
·
“Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Mc 10,17).
E Jesus nos responderia: “... se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos.”
Num primeiro momento, Jesus coloca diante do jovem as
exigências conhecidas por todo judeu piedoso e ensinadas pelas escolas
rabínicas - o cumprimento dos mandamentos.
Mas o homem – que, sem dúvida, era um praticante
piedoso da Lei – sente que isso não é o suficiente, antes, é o mínimo. Então,
quer saber mais.
O jovem rico perguntou, e perguntaríamos também: “Quais?”, e Jesus responde:
·
“Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás,
não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a
ti mesmo.”
E assim Jesus põe diante dele as mínimas exigências do
Reino – o seguimento a Jesus, o despojamento dos bens e a partilha e
solidariedade.
E, ainda, como o jovem rico, ficaríamos contentes por
julgarmos que tudo isso que tenhamos feito e o fato de cumprirmos aqueles
mandamentos nos daria a quase certeza de já termos as chaves do céu e condições
de herdar a vida eterna e, com alegria, com a certeza de já termos conseguido a
salvação eterna, responderíamos a Jesus, com a certeza do dever cumprido, assim
como fez o jovem rico:
·
“Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?” (Mt 19,17-20).
Talvez, diríamos mais ainda:
·
“Todos esses mandamentos tenho guardado,
Senhor: eu nunca transgredi os mandamentos da Lei do Senhor; eu nasci numa
família cristã e temente a Deus, participei das escolas dominicais da minha
comunidade, não perco uma missa aos domingos e dias santos, eu nunca matei e
nem feri ninguém; jamais cometi adultério; nunca roubei; nunca falei mal de
ninguém nem prejudiquei quem quer que seja; eu amo o meu pai e minha mãe,
aliás, eu até cuido deles, eles moram comigo Que me falta ainda?”.
E Jesus, ao ouvir isso, como fez com o jovem rico,
voltaria para nós o seu olhar e nos olharia no mais profundo dos olhos, continuaria
a nos amar com a mesma intensidade que só Deus sabe amar, ainda que sabendo e
conhecendo as nossas limitações e pretensões equivocadas de santidade, nos
diria, cheio de doçura e amor:
·
“Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos
pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.” (Mc 10,21).
Isso o jovem é incapaz de aceitar. Isso nós somos
incapazes de aceitar.
O jovem estava amarrado aos seus bens, pois era muito
rico, e nós, apesar de menos ricos, somos apegados demais às pouquíssimas
coisas que nos prendem neste mundo.
O jovem fez a sua opção – optou por uma vida “regular”
que não exigisse partilha nem despojamento e, como consequência, foi embora
“muito abatido”, pois tinha colocado bens secundários acima do bem maior.
Quantas vezes, a cada um de nós, Jesus tenha feito
essa mesma proposta?
Vender pode ser não desfazer dos bens, mas partilhar;
o que temos recebemos do Senhor, portando somos apenas administradores dos bens
que Deus coloca em nossas mãos e, sob a nossa administração, esses bens devem
ser partilhados, e quem partilha com generosidade os seus bens, só tem um
caminho: o seguimento a Jesus.
Quando Jesus dirige-se a alguém e profere o chamamento
“segue-me”, ele está convidando e convocando esse alguém para o apostolado,
assim como fez com todos os doze apóstolos que os convocou com esse chamamento.
A opção de seguir Jesus é de cada um, nos é dado o
direito da escolha: podemos tomar a iniciativa de seguí-lo ou não, como diz a
música do Padre Zezinho: “a decisão é
sua”.
Os atrativos do mundo são obstáculos para tomarmos
posse das coisas do céu. Cumprimos os mandamentos de Deus, e nos vangloriamos
disso; participamos de todos os ritos e rituais da Igreja, e por isso nos
julgamos superiores aos que não o fazem; cumprimos todas as determinações que
nos são sugeridas ou impostas por uma religiosidade flácida, tênue e
descompromissada e, além do mais, somos por demais apegados às coisas
materiais.
E, por isso, julgamos já ter comprado um lote no céu e
já ter recebido a chave do apartamento, só faltando o passaporte para a grande
viagem.
O desapego dos bens materiais não é fácil; muito pelo
contrário, lutamos sempre para ter mais e mais e, quanto mais conseguimos mais
queremos e mais nos afastamos do irmão, porque o irmão menos afortunado não tem
condições de competir com a nossa ânsia de poder.
Jesus disse ao jovem rico:
·
“Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos
pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Mc 10,21),
Ao ouvir isso o jovem rico:
·
“... porém, contristado com essa palavra, saiu
pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.” (Mc 10,22).
O jovem rico possuía muitos bens, muitas propriedades,
muitas joias, muito dinheiro, muitas coisas a se apegar.
Qual teria sido o pensamento que passou na cabeça
desse jovem quando Jesus lhe propôs se desfazer-se dos seus bens? Em primeiro
lugar, a mentalidade judaica era que os ricos eram os abençoados por Deus,
pois, na interpretação deles, Deus acumulava de riquezas quem ele amava.
Segundo a teologia da prosperidade, no entendimento
dos judeus, os ricos eram os queridos de Yahweh, enquanto os pobres e os
doentes eram por ele amaldiçoados.
Possivelmente faria como nós mesmos faríamos e
diríamos:
·
“o pobre é que vai trabalhar como eu trabalhei para
conseguir o que eu consegui. Trabalhei tanto, consegui tudo e agora vou dar
tudo de mão beijada? Tudo, menos isso”.
Os bens materiais, erroneamente usados, têm força
tamanha que nos prende ao mundo.
O chamamento de seguir a Jesus e o seguimento a Jesus
tem a força de nos libertar dessa atração terrena e nos atrair para os bens
celestes. Talvez não possuamos tanto,
mas o pouco que temos já é um grande obstáculo para possuirmos a vida eterna.
Talvez, o “vender
tudo” queira dizer: desfaça-se do seu egoísmo, do seu orgulho, da sua
vaidade, da sua avareza, da sua falta de amor, da sua frieza para as coisas de
Deus, da sua apatia no relacionamento com o próximo e tudo o mais que coloca
obstáculo ao nosso relacionamento com as coisas do céu.
Jesus diz claramente, sem rodeios:
·
“Só uma coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos
pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” (Mc 10,21),
Como já havia dito antes:
·
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é
o reino dos céus” (Mt 5,3);
·
“Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça
e o caruncho os corroem e onde ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós
tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões
não arrombam nem roubam; pois onde está o teu tesouro aí estará também o teu
coração.” (Mt 6,19-21).
Só uma coisa falta para herdar o reino dos céus: desapegar-se
das coisas da terra, das coisas do mundo, das coisas que as traças e os
carunchos corroem e os ladrões arrombam e roubam, mas que é tão difícil dispor
delas, ainda mais para atender, com elas, as necessidades dos menos
afortunados. É aquilo mesmo que Jesus diz:
·
“... onde está o teu tesouro aí estará também o teu
coração.” (Mt 6,21).
O nosso coração está por demais apegado às coisas da terra.
Ao ouvir a determinação do Mestre de dispormos dos
nossos bens materiais e dos nossos vícios e defeitos para seguí-lo, fazemos
como o jovem rico: ficamos entristecidos, viramos as costas e nos afastamos de
Jesus, e, ai então:
·
“... Jesus, olhando em torno, disse a seus discípulos:
‘Como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus’!” (Mc 10,23).
Como é difícil alguém, apegado às coisas materiais,
apegado a seus defeitos e vícios, e sem nenhum interesse de se converter, de
mudar de vida e mentalidade, entrar no Reino de Deus.
Não é suficiente cumprir mandamentos. É necessário,
antes de qualquer coisa, vivê-los, porque:
·
“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará
no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos
céus” (Mt 7,21).
·
“Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou
odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo.
Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.”
(Mt 6,24).
Jesus é taxativo, não deixa dúvidas a respeito disso,
quando diz:
·
“... portanto, qualquer de vocês, que não renunciar a
tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14,33).
Ao ouvirem Jesus dizer:
·
“Como é difícil a quem tem riquezas entrar no reino de
Deus!’, os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Jesus, porém,
continuou a dizer: ‘Filhos, como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino
de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico
entrar no Reino de Deus’!” (Mc 10,24-25).
O centro do relato está no debate entre Jesus e os
seus discípulos. Jesus afirma que:
·
“é mais fácil passar um camelo pelo buraco duma
agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,25).
Os discípulos ficam “muito espantados” quando ouviram isso e se perguntaram “então quem
pode ser salvo?”.
Porque ficaram espantados? O que houve de espantoso na
colocação de Jesus? Aqui está o âmago da
questão. Os discípulos, realmente, ficaram admirados, como também nós
ficaríamos e ficamos admirados com essa afirmativa e, como eles, também
diríamos:
·
“Então, quem pode ser salvo?” (Mc 10,26).
Realmente, ninguém poderá ser salvo se não receber
Jesus como seu Salvador e aceitar a sua palavra de vida eterna, porque, nos diz
Jesus:
·
“... sem mim, nada podeis fazer.” (Jo 15,5).
Jesus, vendo os discípulos admirados ao afirmar que é
difícil um rico entrar no Reino dos Céus e perguntarem:
·
“Então, quem pode ser salvo?”, fitou-os, disse: ‘Aos
homens é impossível, mas não a Deus, pois para Deus tudo é possível’.” (Mc 10,26-27).
Talvez, se o jovem rico tivesse atendido ao convite do
Mestre, teria sido escolhido como mais um de seus apóstolos. O chamamento que
Jesus fez a esse jovem foi o chamamento para o apostolado, foi o mesmo
chamamento que ele fez a todos e a cada um dos apóstolos:
·
“venha e sigam-me”. (Mc 10,21)
E quem poderia dizer que, ao invés de doze, não
teríamos treze apóstolos?
Talvez, se tivesse se desapegado de seus bens
materiais, teria sido ele um fervoroso seguidor do Mestre, como o foi Pedro,
Tiago, João, André e todos os demais, e hoje o honraríamos, como honramos todos
os que foram apóstolos de Jesus.
Por não ter aceitado o convite de Jesus, hoje, para
nós, esse jovem é simplesmente um anônimo de quem desconhecemos até o próprio
nome, um ilustre desconhecido, e nada temosde qualquer coisa que o pudesse
identificar.
Ele apenas conhecia e dizia ser cumpridor dos
mandamentos do Senhor, mas se descuidou em vivenciá-los, principalmente os mais
importantes:
·
“Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu
próximo como a ti mesmo.” (Lc 10,
27).
A doutrina de Jesus Cristo está alicerçada no desapego
dos bens do mundo, e Tiago, como os demais apóstolos, e todos os santos da
Igreja do Cristo, abraçou essa doutrina e a viveu nos moldes apresentados pelo
Divino Mestre, conforme ele mesmo escreveu em sua carta 4,13-17 e 5,1-6.
Desapego não sugere não possuir, mas partilhar o que
tem.
Ter bens não é pecado; pecado é querê-los e retê-los
todos só para si, porque o pão não é meu nem seu, o pão é nosso, como Jesus nos
ensinou na oração do Pai Nosso.
Seguir a Jesus implica, em primeiro plano, o desapego
total às coisas que promovem a injustiça e o desamor, a insatisfação e, dentre
essas coisas, está o apego demasiado às coisas terrenas, às riquezas que não
podemos levar para a vida eterna, a vida que não se acaba mais.
A escolha é sempre nossa, somente nossa: “a decisão
é sua”...
O direito de opção é de cada um, porque:
·
"Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas
quem perde a sua vida por causa de mim, vai achá-la." (Mt 10,39).
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