“EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA, E MEU PAI
É O AGRICULTOR” (Jo 15,1).
Diácono Milton Restivo
No Evangelho de João Jesus identifica-se como “a
verdadeira videira”.
No Antigo Testamento, sempre que o Pai queria
manifestar o seu imenso amor pelo seu povo, evocava a figura do pastor ou da
vinha. Para Yahweh, o seu rebanho ou a sua vinha era o povo de Israel como
vemos em Isaias 5,1-7, onde Deus demonstra o grande amor que tem pela sua
vinha, e faz tudo o que é possível por ela, mas, em vez de haver reciprocidade,
a vinha só lhe causava desgosto e amargura: “Eu
esperava dela o direito, e produziram a injustiça; esperava justiça, e ai estão
gritos de desespero”. (Is 5,7b).
Ainda, no Antigo Testamento, por ver a ingratidão de
seu povo, de sua vinha, Yahweh se mostra extremamente irado, e chega ao extremo
de compará-la de noiva à prostituta: “Já
faz muito tempo que você quebrou a sua canga, arrebentou o seu cabresto, e
disse: ‘Não quero servir. ’ Você se deitava e se prostituía no alto de qualquer
colina mais elevada ou debaixo de qualquer árvore frondosa. Eu havia plantado
você como lavoura especial, com mudas legítimas. E como é que você se
transformou em ramos degenerados de vinha sem qualidade? Mesmo que você se
esfregue com sabão e use muito detergente, a mancha de sua culpa continua
diante de mim – oráculo de Yahweh”. (Jr 2,20-22).
E, no seu desgosto, Yahweh entrega a sua vinha, o seu
povo à escravidão: “Eu queria colher
alguma coisa deles, - oráculo de Yahweh -, mas não há uvas na parreira nem
figos na figueira, e até suas folhas secaram. Eu os entreguei à escravidão”. (Jr
8,13), e Yahweh propõe-se a destruí-la: “Subam
para os terraços da vinha, e provoquem a destruição, mas não acabem com tudo:
arranquem as mudas, porque não são de Yahweh”. (Jr 5,10), e ainda mais,
entregou sua vinha ingrata aos pastores vândalos: “Muitos pastores devastaram a minha vinha e pisotearam a minha
propriedade; transformaram a minha propriedade querida num deserto desolado;
dela fizeram um lugar devastado, e a deixaram em um estado deplorável; está
desolada diante de mim...”. (Jr 12,10-11), e, por fim, acaba por queimá-la:
“Por isso, assim diz o Senhor Yahweh:
‘Como aconteceu com a parreira silvestre que joguei no fogo para ser queimada,
assim tratarei os moradores de Jerusalém’”. (Ez 15,6).
Mas o coração misericordioso do Senhor Deus parece
verter-se em lágrimas quando canta essa lamentação por ver sua vinha, antes bem
tratada e plantada à beira d’água, agora jogada ao chão e pisoteada e seus
ramos sendo destruídos pelo fogo: “Sua
mãe era como parreira plantada à beira d’água. Produzia bastante e ficava
frondosa, porque havia boa umidade. Seus ramos eram fortes, bons para se
tornarem cetros reais. A sua altura sobressaia por cima das copas, a sua
imponência se destacava pela quantidade de ramos. Ela, porém, foi arrancada com
raiva e jogada ao chão. O vento leste acabou de secá-la e os seus frutos
despencaram. Os seus fortes ramos secaram e foram destruídos pelo fogo. Agora
ela está plantada no deserto em chão duro e seco. O fogo sai do seu tronco e
queima seus ramos e frutos. Nela não há mais ramo forte, um cetro para
governar’. Essa é uma lamentação, e como lamentação se deve cantar”. (Ez
19,10-14).
Mas, apesar de suas lamentações, ameaças e destruições
no Antigo Testamento, o Senhor Yahweh prevê dias melhores para a sua vinha e
vislumbra aquele que “será a verdadeira
vinha e o Pai o agricultor, e cujos ramos darão frutos desde que unidos à
vinha” (cf Jo 15,1-4), e assim se pronuncia Yahweh seiscentos anos antes da
plenitude dos tempos, quando aconteceu a vinda do Messias: “Nesse dia, cantarão para a vinha formosa: ‘Eu, Yahweh, sou responsável
por ela. Eu a rego com frequência: para que ninguém venha estragá-la, eu a
vigio dia e noite. Eu não estou encolerizado. Se alguém produzisse nela
espinhos e ervas daninhas, eu me lançaria contra ele para queimá-lo. Quem busca
a minha proteção, fará as pazes comigo; sim, comigo fará as pazes’”. (Is
27,2-5). Mas, essa promessa não se
realizaria com o povo de Israel.
Em seu extremado amor, o Pai envia o seu Filho
unigênito, não para cuidar da vinha, mas para ser “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf Jo 15,1). E o Filho
unigênito do Pai relembra a vinha do Antigo Testamento, chama a atenção do
povo, mas ninguém o entende.
Jesus retoma a parábola de Isaias, 5,1-7 e resume a
história do povo eleito: o Pai não deixou de esperar os frutos de sua vinha;
mas, ao invés de ouvir os profetas que ele enviou, os vinhateiros os
maltrataram e até os mataram, conforme deve ser lido em Marcos 12,1-5, em
Mateus 21,33-46 e em Lucas 20,9-19. Não acreditando no que via e acontecia, o
Pai, então, resolve mandar o seu próprio e único Filho muito amado, pensando
que os vinhateiros o respeitariam (Mc 12,6; Lc 20,15; Mt 21,38), mas, a
decepção foi maior ainda: no cúmulo da infidelidade do povo incitado pelos
chefes do povo, matam também o Filho, cuja herança é a vinha.
Por essa atitude inconsequente e criminosa, os
culpados serão castigados, mas, diferente do que se esperava, a morte do Filho
abre uma nova etapa no plano de salvação do Pai: a vinha será, por fim confiada
a vinhateiros fieis e ela dará frutos (cf Mc 12,7ss; Mt 21,41ss; Lc 20,16).
O que Israel não foi capaz de dar a Yahweh, Jesus vem
e lhe dará.
E o próprio Jesus é “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (Jo 15,1) que produz bem,
a vida autêntica, digna de tal nome. Jesus, a vinha plantada pelo Pai, é a
vinha querida do Pai e cercado de cuidados, e podado a fim de dar frutos
abundantes: “Eu sou a videira e vocês são
os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim
vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5).
Em primeira instância, o fruto que a vinha Jesus dá, é
a sua própria vida, derramando o seu sangue, prova suprema de amor: “A glória de meu Pai se manifesta quando
vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou,
eu também amei vocês; permaneçam no meu amor. Não existe amor maior do que dar
a vida por seus amigos”. (Jo 15,8-9.13).
E quem dá a vida por seus amigos só quer que eles
tenham vida, e a tenham em abundância: “Eu
vim para que tenham vida, a e a tenham em abundância”. (Jo 10,10), e Jesus
acrescenta, nessa sua doação total: “O
Pai me ama porque eu dou a minha vida para retomá-la de novo. Ninguém tira a
minha vida; eu a dou livremente. Tenho o poder de dar a vida e tenho o poder de
retomá-la. Esse é o mandamento que recebi do meu Pai”. (Jo 10,17-18).
E Jesus alerta para os falsos vinhateiros, falsos
pastores, falsos profetas, que existem em todos os seguimentos religiosos que
se dizem cristãos, alertando que só ele é “a
verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf Jo 15,1); a vinha plantada pelo
Pai: “Toda planta que não foi plantada
pelo meu Pai celeste será arrancada”. (Mt 15,13).
E o vinho, que é o fruto da videira, será o sangue
derramado na cruz, o sinal da nova Aliança que é selada no mistério
eucarístico, o sinal sacramental deste sangue para selar a Aliança nova.
E este será o meio de comungar do amor de Jesus, de
permanecer nele: “Enquanto comiam, Jesus
tomou um pão e, tendo pronunciado a benção, o partiu e distribuiu aos discípulos,
e disse: ‘Tomem e comam, isto é o meu corpo. ’ Em seguida, tomou um cálice,
agradeceu, e deu a eles, dizendo: ‘Bebam deles todos, pois isto é o meu sangue,
o sangue da aliança, que é derramado
em favor de muitos para remissão dos pecados. Eu lhes digo: de hoje em diante
não beberei deste fruto da videira, até o dia em que com vocês beberei o vinho
novo na casa de meu Pai’”. (Mt 26,26-29); e, no Evangelho de João, diz
Jesus: “Quem come a minha carne e bebe o
meu sangue vive em mim e eu vivo nele”. (Jo 6,56); e ainda: “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unidos a
vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto, se não ficarem
unidos a mim. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu
amor.” (Jo 15,4.9).
Jesus é a videira verdadeira, nós somos os ramos: “Eu sou a videira, vocês são os ramos.” (Jo
15,5), da mesma forma em que ele é o Corpo e nós somos os membros.
Sem a comunhão com Jesus, somos ramos secos,
infrutíferos, separados do tronco, sem receber a seiva vitalizadora e sem poder
dar frutos, e é bem por isso que ele afirma: “Sem mim vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5b).
Se formos ou estivermos separados do tronco, não somos
alimentados pela seiva do tronco, ficamos estéreis e para nada serviremos,
senão para o fogo: “Quem não fica unido a
mim será jogado fora como um ramo, e secará. Esses ramos são ajuntados, jogados
no fogo e queimados”. (Jo 15,6).
Pela nossa comunhão com Jesus, assim como a comunhão
do ramo ao tronco, nos tornamos ramo da verdadeira videira, vivificado pelo
amor que une Jesus ao Pai e dá fruto.
Vivificados pelo amor que une Jesus ao Pai, damos
frutos, o que glorifica o Pai.
Participamos, assim, da alegria do Filho que é
glorificar o Pai: “A glória de meu Pai se
manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim
como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor. Se vocês
obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu obedeci
aos mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu amor. Eu disse isso a vocês para
que a minha alegria esteja em vocês, e a alegria de vocês seja completa”. (Jo
15,8-11).
Esse é o mistério da verdadeira vinha: exprime a união
fecunda de Jesus e da Igreja e sua alegria que permanece perfeita e eterna: “Eu mesmo dei a eles a glória que tu me
deste, para que eles sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que
sejam perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça que tu me enviaste e
que os amaste como amaste a mim”. (Jo 17,22-23).
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