sábado, 2 de maio de 2015

“EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA, E MEU PAI É O AGRICULTOR” (Jo 15,1).

“EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA, E MEU PAI É O AGRICULTOR” (Jo 15,1).
  

Diácono Milton Restivo
 
No Evangelho de João Jesus identifica-se como “a verdadeira videira”.
No Antigo Testamento, sempre que o Pai queria manifestar o seu imenso amor pelo seu povo, evocava a figura do pastor ou da vinha. Para Yahweh, o seu rebanho ou a sua vinha era o povo de Israel como vemos em Isaias 5,1-7, onde Deus demonstra o grande amor que tem pela sua vinha, e faz tudo o que é possível por ela, mas, em vez de haver reciprocidade, a vinha só lhe causava desgosto e amargura: “Eu esperava dela o direito, e produziram a injustiça; esperava justiça, e ai estão gritos de desespero”. (Is 5,7b). 
Ainda, no Antigo Testamento, por ver a ingratidão de seu povo, de sua vinha, Yahweh se mostra extremamente irado, e chega ao extremo de compará-la de noiva à prostituta: “Já faz muito tempo que você quebrou a sua canga, arrebentou o seu cabresto, e disse: ‘Não quero servir. ’ Você se deitava e se prostituía no alto de qualquer colina mais elevada ou debaixo de qualquer árvore frondosa. Eu havia plantado você como lavoura especial, com mudas legítimas. E como é que você se transformou em ramos degenerados de vinha sem qualidade? Mesmo que você se esfregue com sabão e use muito detergente, a mancha de sua culpa continua diante de mim – oráculo de Yahweh”. (Jr 2,20-22).
           E, no seu desgosto, Yahweh entrega a sua vinha, o seu povo à escravidão: “Eu queria colher alguma coisa deles, - oráculo de Yahweh -, mas não há uvas na parreira nem figos na figueira, e até suas folhas secaram. Eu os entreguei à escravidão”. (Jr 8,13), e Yahweh propõe-se a destruí-la: “Subam para os terraços da vinha, e provoquem a destruição, mas não acabem com tudo: arranquem as mudas, porque não são de Yahweh”. (Jr 5,10), e ainda mais, entregou sua vinha ingrata aos pastores vândalos: “Muitos pastores devastaram a minha vinha e pisotearam a minha propriedade; transformaram a minha propriedade querida num deserto desolado; dela fizeram um lugar devastado, e a deixaram em um estado deplorável; está desolada diante de mim...”. (Jr 12,10-11), e, por fim, acaba por queimá-la: “Por isso, assim diz o Senhor Yahweh: ‘Como aconteceu com a parreira silvestre que joguei no fogo para ser queimada, assim tratarei os moradores de Jerusalém’”. (Ez 15,6).
Mas o coração misericordioso do Senhor Deus parece verter-se em lágrimas quando canta essa lamentação por ver sua vinha, antes bem tratada e plantada à beira d’água, agora jogada ao chão e pisoteada e seus ramos sendo destruídos pelo fogo: “Sua mãe era como parreira plantada à beira d’água. Produzia bastante e ficava frondosa, porque havia boa umidade. Seus ramos eram fortes, bons para se tornarem cetros reais. A sua altura sobressaia por cima das copas, a sua imponência se destacava pela quantidade de ramos. Ela, porém, foi arrancada com raiva e jogada ao chão. O vento leste acabou de secá-la e os seus frutos despencaram. Os seus fortes ramos secaram e foram destruídos pelo fogo. Agora ela está plantada no deserto em chão duro e seco. O fogo sai do seu tronco e queima seus ramos e frutos. Nela não há mais ramo forte, um cetro para governar’. Essa é uma lamentação, e como lamentação se deve cantar”. (Ez 19,10-14).
Mas, apesar de suas lamentações, ameaças e destruições no Antigo Testamento, o Senhor Yahweh prevê dias melhores para a sua vinha e vislumbra aquele que “será a verdadeira vinha e o Pai o agricultor, e cujos ramos darão frutos desde que unidos à vinha” (cf Jo 15,1-4), e assim se pronuncia Yahweh seiscentos anos antes da plenitude dos tempos, quando aconteceu a vinda do Messias: “Nesse dia, cantarão para a vinha formosa: ‘Eu, Yahweh, sou responsável por ela. Eu a rego com frequência: para que ninguém venha estragá-la, eu a vigio dia e noite. Eu não estou encolerizado. Se alguém produzisse nela espinhos e ervas daninhas, eu me lançaria contra ele para queimá-lo. Quem busca a minha proteção, fará as pazes comigo; sim, comigo fará as pazes’”. (Is 27,2-5).  Mas, essa promessa não se realizaria com o povo de Israel.
Em seu extremado amor, o Pai envia o seu Filho unigênito, não para cuidar da vinha, mas para ser “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf Jo 15,1). E o Filho unigênito do Pai relembra a vinha do Antigo Testamento, chama a atenção do povo, mas ninguém o entende.
Jesus retoma a parábola de Isaias, 5,1-7 e resume a história do povo eleito: o Pai não deixou de esperar os frutos de sua vinha; mas, ao invés de ouvir os profetas que ele enviou, os vinhateiros os maltrataram e até os mataram, conforme deve ser lido em Marcos 12,1-5, em Mateus 21,33-46 e em Lucas 20,9-19. Não acreditando no que via e acontecia, o Pai, então, resolve mandar o seu próprio e único Filho muito amado, pensando que os vinhateiros o respeitariam (Mc 12,6; Lc 20,15; Mt 21,38), mas, a decepção foi maior ainda: no cúmulo da infidelidade do povo incitado pelos chefes do povo, matam também o Filho, cuja herança é a vinha.
Por essa atitude inconsequente e criminosa, os culpados serão castigados, mas, diferente do que se esperava, a morte do Filho abre uma nova etapa no plano de salvação do Pai: a vinha será, por fim confiada a vinhateiros fieis e ela dará frutos (cf Mc 12,7ss; Mt 21,41ss; Lc 20,16).
O que Israel não foi capaz de dar a Yahweh, Jesus vem e lhe dará. 
E o próprio Jesus é “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (Jo 15,1) que produz bem, a vida autêntica, digna de tal nome. Jesus, a vinha plantada pelo Pai, é a vinha querida do Pai e cercado de cuidados, e podado a fim de dar frutos abundantes: “Eu sou a videira e vocês são os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5). 
Em primeira instância, o fruto que a vinha Jesus dá, é a sua própria vida, derramando o seu sangue, prova suprema de amor: “A glória de meu Pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor. Não existe amor maior do que dar a vida por seus amigos”. (Jo 15,8-9.13). 
E quem dá a vida por seus amigos só quer que eles tenham vida, e a tenham em abundância: “Eu vim para que tenham vida, a e a tenham em abundância”. (Jo 10,10), e Jesus acrescenta, nessa sua doação total: “O Pai me ama porque eu dou a minha vida para retomá-la de novo. Ninguém tira a minha vida; eu a dou livremente. Tenho o poder de dar a vida e tenho o poder de retomá-la. Esse é o mandamento que recebi do meu Pai”. (Jo 10,17-18).
E Jesus alerta para os falsos vinhateiros, falsos pastores, falsos profetas, que existem em todos os seguimentos religiosos que se dizem cristãos, alertando que só ele é “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf Jo 15,1); a vinha plantada pelo Pai: “Toda planta que não foi plantada pelo meu Pai celeste será arrancada”. (Mt 15,13).
E o vinho, que é o fruto da videira, será o sangue derramado na cruz, o sinal da nova Aliança que é selada no mistério eucarístico, o sinal sacramental deste sangue para selar a Aliança nova.
E este será o meio de comungar do amor de Jesus, de permanecer nele: “Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado a benção, o partiu e distribuiu aos discípulos, e disse: ‘Tomem e comam, isto é o meu corpo. ’ Em seguida, tomou um cálice, agradeceu, e deu a eles, dizendo: ‘Bebam deles todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos para remissão dos pecados. Eu lhes digo: de hoje em diante não beberei deste fruto da videira, até o dia em que com vocês beberei o vinho novo na casa de meu Pai’”. (Mt 26,26-29); e, no Evangelho de João, diz Jesus: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu vivo nele”. (Jo 6,56); e ainda: “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unidos a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto, se não ficarem unidos a mim. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor.” (Jo 15,4.9).
Jesus é a videira verdadeira, nós somos os ramos: “Eu sou a videira, vocês são os ramos.” (Jo 15,5), da mesma forma em que ele é o Corpo e nós somos os membros. 
Sem a comunhão com Jesus, somos ramos secos, infrutíferos, separados do tronco, sem receber a seiva vitalizadora e sem poder dar frutos, e é bem por isso que ele afirma: “Sem mim vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5b).
Se formos ou estivermos separados do tronco, não somos alimentados pela seiva do tronco, ficamos estéreis e para nada serviremos, senão para o fogo: “Quem não fica unido a mim será jogado fora como um ramo, e secará. Esses ramos são ajuntados, jogados no fogo e queimados”. (Jo 15,6).
Pela nossa comunhão com Jesus, assim como a comunhão do ramo ao tronco, nos tornamos ramo da verdadeira videira, vivificado pelo amor que une Jesus ao Pai e dá fruto.
Vivificados pelo amor que une Jesus ao Pai, damos frutos, o que glorifica o Pai. 
Participamos, assim, da alegria do Filho que é glorificar o Pai: “A glória de meu Pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor. Se vocês obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu amor. Eu disse isso a vocês para que a minha alegria esteja em vocês, e a alegria de vocês seja completa”. (Jo 15,8-11). 
Esse é o mistério da verdadeira vinha: exprime a união fecunda de Jesus e da Igreja e sua alegria que permanece perfeita e eterna: “Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para que eles sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça que tu me enviaste e que os amaste como amaste a mim”. (Jo 17,22-23).

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