O QUE É UM DIÁCONO
NA IGREJA?
Diácono Milton Restivo
Hoje, 24 de maio,
faz oito anos que recebi o Sacramento da Ordem no grau do Diaconato Permanente
da nossa Igreja. Foi o Cardeal D. Orani João Tempesta, na época bispo da
Diocese de São José do Rio Preto, atendendo ao apelo e à necessidade da Igreja,
quem introduziu o Diaconato Permanente na nossa Diocese. Quem ordenou a mim e
ao Diácono Amâncio, os dois primeiros Diáconos Permanentes ordenados na Diocese
de São José do Rio Preto/SP, foi o nosso bispo da época, D. Paulo Mendes
Peixoto, hoje Arcebispo de Uberaba/MG.
Nessa mesma data fui
provisionado na Paróquia São Pedro e São Paulo, no Jardim Vitória Régia, São
José do Rio Preto/SP, onde permaneço até a presente data.
Mas, o que é ser
Diácono na e da Igreja?
Comecemos pela sua
instituição administrativa contida no livro dos Atos dos Apóstolos: “o número
dos discípulos tinha aumentado, e os fiéis de origem grega começaram a
queixar-se dos fiéis de origem hebraica. Os de origem grega diziam que suas
viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário” (At 6,1).
Vemos que, em
Jerusalém, não eram somente judeus que haviam se convertido para a Igreja do
Caminho mas, também, fiéis de origem grega aderiram aos ensinamentos do Divino
Mestre.
As pessoas
carentes por parte dos judeus tinham atendimento preferencial por parte da
comunidade, enquanto que os necessitados de origem grega e ou estrangeiros eram
negligenciados e, por isso, reclamaram. Para serem encarregados dessa tarefa
foram escolhidos sete homens, todos de origem grega, “de boa fama, repletos
do Espírito e de sabedoria” (At 6,3).
Jamais
poderíamos dizer com segurança que, ao serem encarregados esses sete homens
para esse mistér, estava instituído na Igreja o ministério diaconal porque, em
primeira instância, Jesus foi o primeiro diácono e o diácono por excelência: “quem
de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês; e quem de
vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se servo de vocês. Pois, o Filho do
Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como
resgate em favor de muitos” (Mt
20,26-28).
Ninguém criou nada se já Jesus não tivesse sido ou
dado o exemplo. O fato de os Apóstolos escolherem sete homens “de
boa fama, repletos do Espírito e de sabedoria” no meio da comunidade é consequência daquilo que Jesus já fizera e dera
o exemplo na última ceia quando lavou os pés dos seus discípulos e disse: “Vocês
compreenderam o que eu acabei de fazer? Vocês dizem que eu sou o Mestre, o
Senhor. E vocês têm razão; eu sou mesmo. Pois bem: eu que sou o Mestre e o
Senhor, lavei os seus pés; por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo: vocês devem
fazer a mesma coisa que eu fiz. Eu garanto a vocês: o servo não é maior que o
seu senhor, nem o mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Se vocês
compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática”. (Jo 13,12-17).
Os Apóstolos, ao designarem esses sete homens, apenas
acordaram para a realidade de que a Igreja de Jesus Cristo é diaconal por excelência,
nasceu diaconal e deixa de ser Igreja se não for diaconal. Ao designar esses
homens para esse serviço, os Apóstolos estavam delegando a eles um serviço, que
em primeiríssimo lugar, era deles próprios, os Apóstolos, conforme disse o
teólogo Collins que, fazendo isso, os Apóstolos poderiam continuar com o seu
ministério apostólico no Templo, entre os judeus, ministério esse que era uma
diaconia, a de proclamar ali a Palavra. Isso deixa claro e é biblicamente
correto que o ministério diaconal na Igreja foi instituído antes mesmo do
ministério presbiteral. O presbítero que não tenha sido diácono, que não tenha
vivido a sua diaconia intensamente e que não continue com seu ministério
diaconal por toda a sua vida, não está exercendo o ministério a que fora
chamado, mas se converteu em um profissional do altar, e como temos
profissionais do altar.
A Igreja é, por excelência, diaconal, servidora, a
exemplo de Cristo, que disse: “o Filho do Homem não veio para ser servido.
Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mt 20,28). Os sete homens escolhidos eram de origem
grega e, portanto, eles deveriam desempenhar a sua diaconia entre os cristãos
de origem grega, e isso quer dizer que, não somente suprir as necessidades
materiais desse seguimento, mas de proclamar também a Palavra para eles.
Para ficar claro isso, nada melhor que buscar a
opinião de um mestre em Teologia, Júlio César Bendineli, constante do seu livro
“Diaconia da Palavra”, página 68: “É por isso que os Atos dos Apóstolos
apresentam, na sequência, Estevão pregando em Jerusalém e, pouco depois,
Filipe, como sendo o responsável pelo progresso da Palavra na Samaria (At
8,4ss), isto é, para além de Jerusalém e da Judéia. Mais adiante, o mesmo
Filipe voltará à cena, quando será chamado, não por acaso de Evangelista (At
21,8). Sua missão o levaria até a Cesaréia, um porto usado para se viajar a
Roma (At 8,4-14.26-40), objetivo final da trajetória da Palavra nos relatos
lucanos”.
E continua Júlio César Bendineli no mesmo livro,
página 69: “Os diáconos, assim como os Apóstolos, eram enviados com a
função, principalmente, de anúncio do Evangelho, e mais tarde, na era
patrística, sempre apareciam associados aos bispos e aos presbíteros no
ministério da Palavra, especialmente no contexto catequético [...] Em resumo, a essência do ministério dos
antigos diáconos era a mediação, o ofício de ser ponte ente a Igreja e o mundo,
operado pela mensagem/palavra que transmitiam na condição de representantes de
uma autoridade (bispo) em nome da qual exerciam funções caritativas ou de
cuidado com o próximo, sempre conectadas com a pregação do Evangelho”.
O livro dos Atos dos Apóstolos se preocupa em colocar
em relevo os dois dentre esses sete homens escolhidos pelos apóstolos que se
distinguiram pela pregação da Palavra, aos quais, nesse livro, foi dado
destaque especial: Estevão e Filipe. Estevão que, inclusive, foi martirizado a
pedradas por proclamar e testemunhar a Palavra, conforme é narrado no livro dos
Atos dos Apóstolos, capítulo 7. Foi justamente pelo zelo da proclamação da Palavra que Estevão atraiu
contra si feroz oposição por parte dos judeus. Uma de suas mensagens sobre o
Reino de Deus acendeu a fúria dos ouvintes que confrontados no seu pecado
resolveram matá-lo.
Em seu martírio, Estevão teve uma visão do
céu aberto e Jesus de pé ao lado do Pai. O diácono morreu pedindo que Deus
perdoasse os seus algozes, entre os quais estava Saulo de Tarso, que mais tarde
se tornaria o mais célebre dos apóstolos.
O outro desses sete homens que se destacou pela
proclamação da Palavra, foi Filipe (não o apóstolo). Felipe, não que não tenha se limitado às
tarefas do dia-dia da igreja e do seu ministério, mas, homem consagrado a Deus,
foi orientado pelo Espírito Santo a seguir pelo caminho que ligava Jerusalém a
Gaza. Na estrada, aproximou-se correndo da caravana de um alto oficial etíope,
eunuco, administrador dos bens de sua rainha. O oficial lia um trecho do livro
do profeta Isaías, sobre Jesus. O etíope convidou Filipe a subir no carro e
Felipe usando a palavra do profeta, pregou o Evangelho com tamanha unção que o oficial
creu e quis ser batizado ali mesmo, à beira do caminho. Após batizar o oficial,
Filipe foi arrebatado pelo espírito do Senhor, deixando o etíope maravilhado
com o poder de Deus, conforme é narrado nos Atos dos Apóstolos, 8,26-40.
Jesus, que veio ao mundo “para servir e não
ser servido”, deu o exemplo da
diaconia na última ceia quando, “se levantou da mesa, tirou o manto,
pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Colocou água na bacia e começou a
lavar os pés dos discípulos, enxugando com a toalha que tinha na cintura. [...] Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus
vestiu o manto, sentou-se de novo, e perguntou: ‘Vocês compreenderam o que eu
acabei de fazer? Vocês dizem que eu sou o Mestre, o Senhor. E vocês têm razão;
eu sou mesmo. Pois bem: eu que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por
isso vocês devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo: vocês
devem fazer a mesma coisa que eu fiz. Eu garanto a vocês: o servo não é maior
que o seu senhor, nem o mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Se vocês
compreenderam isso, serão felizes se o puserem em prática”. (Jo 13,4-5.12-17).
Isso é diaconia. Isso é ser diácono, imitando o
exemplo do Mestre. Não se é papa, nem bispo e nem padre se não for diácono,
tanto é que o primeiro degrau para o ministério ordenado é a ordenação à
diaconia; mas esse período entre a diaconia e o presbiterato é tão curto que
muitos presbíteros se esquecem que, antes de serem presbíteros, são diáconos e
que deveriam continuar sendo, não importando o grau de ordenação que tenham
recebido. Prova disso está quando o Papa Francisco em uma Quinta-feira Santa,
quando da cerimônia do Lava-pés, colocou a sua estola na transversal, como a
usa os diáconos, da direita para a esquerda, e lavou os pés dos seus fiéis.
A estola é o símbolo da dignidade e do compromisso do
ministro ordenado, e a estola do diácono é na transversal, e isso lembra a
toalha cingida na cintura por Jesus para lavar os pés dos seus discípulos. Pena
que a memória da última ceia, quando Jesus lava os pés dos discípulos para dar
o exemplo da diaconia a todos, acontece, na nossa Igreja, somente na cerimônia
da Quinta-feira Santa que, em muitos lugares, é mais transformado em teatro do
que em liturgia e memória.
Seria esse o objetivo de Jesus ao dizer: “Eu
lhes dei o exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz. Eu garanto a
vocês: o servo não é maior que o seu senhor, nem o mensageiro é maior do que
aquele que o enviou. Se vocês compreenderam isso, serão felizes se o puserem em
prática”. (Jo 13,15-17)? Acredito que
não.
O “lavar os pés” uns dos outros não tem dia e nem
horário marcado; a diaconia do povo de Deus deve acontecer quando o amor fala
mais alto e nos arremete a entender e a atender a necessidade do próximo, e
para isso não existe dia específico e nem precisamos procurar: ela vem ao nosso
encontro.
Os diáconos, como os bispos e presbíteros, são
pastores, apascentadores, são aqueles que cuidam, protegem e
instruem o rebanho de Deus, tendo como modelo, o Senhor Jesus Cristo, o Sumo e
Divino Pastor.
A função do
diácono, assim como a do bispo e a do presbítero, é o de ensinar a sã doutrina,
refutar a heresia, ensinar a Palavra de Deus e dirigir a igreja local de acordo
com os preceitos bíblicos, morais e espirituais contidos na Palavra de Deus.
A recomendação
de Paulo a Timóteo, contida na primeira carta a Timóteo, não devemos entendê-la
dirigida apenas e somente aos diáconos, como muita gente entendida em teologia
quer impor, mas essa recomendação foi, indistintamente, a todos os que “aspira
cargo de direção” na Igreja, isto é, diáconos, presbíteros e epíscopos, a
todos os que têm ministério ordenado dentro daquilo que lhe é próprio e no grau
da ordem que lhes são conferido: “Seja irrepreensível, esposo de uma única
mulher, ajuizado, equilibrado, educado, hospitaleiro, capaz de ensinar, não
dado a bebida, nem briguento, mas indulgente, pacífico e sem interesse por
dinheiro. Ele deve ser homem que saiba dirigir bem a própria casa, e cujos
filhos lhe obedeçam e respeitem. Pois se alguém não sabe dirigir a própria
casa, como poderá dirigir bem a Igreja de Deus?” (1Tm 2,2-5).
Não pode
dirigir a Igreja de Deus quem não sabe dirigir a própria casa.
São os diáconos
sozinhos que dirigem a Igreja de Deus? Não. São o papa, os bispos, os
presbíteros e os diáconos, cada qual com suas responsabilidades específicas.
Então a recomendação de Paulo foi para todos. Isso foi dito assim porque quando
foi escrita essa recomendação não estava implantado ainda o celibato na Igreja:
epíscopos e presbíteros, assim como os diáconos, eram todos casados ou, pelo
menos podiam casar-se. Até o papa, como era o caso de Pedro, era casado.
A proclamação
do Evangelho nas liturgias da Palavra e da Eucaristia por parte do diácono é um
costume antiguíssimo da Igreja, uma vez que, dentre os seus serviços, a
proclamação da Palavra, principalmente pelo anúncio, é atribuição inerente do
seu ministério ordenado.
Como uma pessoa
eclesial, o diácono tem de permanecer próximo da Palavra.
Os documentos
de "Santo Domingo" nos dizem que o diácono permanente é o único a
viver a dupla sacramentalidade, que nem o bispo e nem o presbítero vivem: - o
sacramento da ordem e o sacramento do matrimônio -. Um não elimina o outro.
Tanto a vida do
ministro ordenado como a de quem recebeu o sacramento do matrimonio é, portanto
vivida em sua plenitude na pessoa do diácono permanente.
Em artigo
difundido no portal da arquidiocese do Rio de Janeiro, o Cardeal Dom Orani
considera que a retomada do ministério diaconal, “como uma vocação própria,
é uma grande riqueza para nós. Tive a oportunidade de poder vivenciar várias
experiências ligadas ao diaconato permanente, seja em minha paróquia, seja
iniciando a escola diaconal em minha primeira diocese (São José do Rio
Preto/SP) ou então continuando uma caminhada das mais antigas do Brasil, na
arquidiocese anterior a que servi”, conta Dom Orani.
O arcebispo afirma que percebeu “a importância e o
valor do diaconato permanente, tanto no campo social como na presença
evangelizadora da Igreja nos diversos âmbitos e também nas comunidades. Posso
testemunhar, por minhas experiências, a riqueza da vida, da missão e do
trabalho diaconal o bem que se faz à Igreja”.
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