PRIMEIRO DOMINGO
DA QUARESMA
“CONVERTAM-SE E
ACREDITEM NO EVANGELHO” (Mc 1,15).
Diácono
Milton Restivo
A liturgia faz
uma pausa no Tempo Comum onde a Igreja vestia-se de verde e entra no Tempo da
Quaresma, cujos paramentos adquirem a cor roxa. O roxo na Quaresma não tem o
mesmo significado da cor roxa do Tempo do Advento.
No Advento o
roxo sugere expectativa, espera e preparação para a primeira vinda do Salvador
no Natal e de olhos voltados para a sua segunda vinda. Na Quaresma o roxo é uma
chamada de atenção para a oração, jejum, abstinência, penitência, preparando o
cristão para a Páscoa, a Ressurreição de Jesus.
A Quaresma é
um período de retiro espiritual voltado para a reflexão, onde os cristãos
recolhem-se em oração e penitência para preparar o espírito para a acolhida do
Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa.
A Quaresma é o
tempo litúrgico de conversão, que a Igreja Católica, a Igreja Anglicana e
algumas protestantes marcam para preparar os fiéis para a grande festa da
Páscoa. Durante este período, os seus fiéis são convidados a um período de
penitência e meditação, por meio da prática do jejum, da esmola e da oração.
O período da
quaresma é de quarenta dias. Segundo o Missal Romano, o tempo da Quaresma vai
da Quarta-feira de Cinzas até a Missa da Ceia do Senhor, exclusive.
Nas Sagradas
Escrituras o número quatro simboliza o universo material. Os zeros que o seguem
significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e dificuldades.
Portanto, a
duração da Quaresma está baseada no símbolo deste número na Bíblia.
Nas Sagradas
Escrituras o número quarenta indica um tempo necessário para algo novo que vai
chegar, ou um tempo que se finda uma geração, ou um tempo para conversão, de
mudança de vida e de mentalidade como, por exemplo, os quarenta dias que
duraram as águas do dilúvio (Gn 7,4.12.17; 8,6), quarenta dias e quarenta
noites que Moisés passa entre as nuvens no cume do monte Sinai para receber as
tábuas da Lei (Ex 24,18; 34,28; Dt 9,9.11.18.25; 10,10); quarenta anos de
caminhada do povo israelita pelo deserto (Nm 14,33; 32,13; Dt 2,7;0 8,2; 29,4;
Js 5,6; Sl 94,10; At 7,36; 13,18); quarenta anos de reinado de Davi em Israel
(2Sm 5,4; 1Rs 2,11; 1Cr 29,27), quarenta anos de reinado de Salomão em Israel
(1Rs 11,42; 2Cr 9,30); quarenta dias de caminhada de Elias pelo deserto até
chegar no monte Horeb, a montanha de Deus (1Rs 19,8); quarenta dias e quarenta
noites em que Jesus
passou no deserto jejuando em oração e tentado pelo demônio (Mt 4,2; Mc 1,13;
Lc 4,2); quarenta dias que Jesus passou entre os apóstolos depois de sua
ressurreição e antes de sua ascensão aos céus (At 1,3).
Quando julgavam
que alguém cometia alguma infração contra a Lei de Moisés, esta mesma Lei determinava
que, corrigi-lo, lhe dessem quarenta chicotadas (cf Dt 25,3) e Paulo afirma que
recebeu cinco vezes as quarenta chicotadas menos uma por pregar a mensagem do
Cristo Ressuscitado (2Cor 11,24).
Muitas outras
citações do número quarenta acontecem nas Sagradas Escrituras preconizando e objetivando
mudança para melhor. Vemos ai que, nas Sagradas Escrituras o número quarenta
está implicitamente ligado à mudança de vida ou na expectativa de algo novo que
deveria acontecer.
O Tempo da
Quaresma não foge a essa prescrição e tem essa finalidade: mudança de vida e de
mentalidade e é a preparação de penitência, jejum e oração para a Páscoa.
Os períodos de
quarenta dias ou quarenta anos relacionados nas Sagradas Escrituras vêm sempre
antes de fatos importantes e se relacionam com a necessidade de ir criando um
clima adequado e dirigindo o coração para algo de destaque que vai acontecer: a
concretização da conversão, a passagem da escravidão para a liberdade; a
mudança de vida e de mentalidade, como dizia João Batista: “Convertam-se, porque o Reino de Deus está próximo”. (Mt 3,2), e
também Jesus: “Daí em diante, Jesus
começou a pregar, dizendo: ‘Convertam-se, porque o Reino de Deus está próximo.”
(Mt 4,17); “O tempo já se completou e o reino de Deus está próximo.
Convertam-se e creiam no Evangelho.” (Mc 1,15).
Ao pressentir
que deveria iniciar sua vida pública, o momento de começar a sua missão, Jesus deixa
sua vida oculta e no anonimato e dirige-se às margens do rio Jordão para se
batizado por João Batista. Depois disso “o Espírito levou Jesus para o
deserto durante quarenta dias e ai foi tentado por satanás.” (Mc 1,12).
Ser conduzido
pelo Espírito quer dizer que Jesus vivia em oração e total recolhimento,
entregando-se inteiramente à vontade de Deus, ocasião em que teve uma profunda
experiência de encontro com o Pai.
Quem busca a
Deus com insistência e persistência, é tentado pelo demônio, pelo chamamento do
mundo que sugere ao retirante que deixe essa vida de oração e recolhimento e
volte para a vida vulgar e das passageiras facilidades que o mundo oferece. Com
Jesus não foi diferente. As tentações que Jesus viveu são apresentadas como
aquelas que também os cristãos precisam viver. É por isso então, que os
cristãos realizam uma penitência de quarenta dias, chamada Quaresma. Ao longo
deste período, sobretudo na liturgia do domingo, é feito um esforço para
recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros fiéis que pretendem viver como filhos
de Deus.
A Igreja
prescreve, além do jejum quaresmal, também a abstinência de carne, que consiste
em não comer carne ou derivados em alguns dias do ano que variam conforme
determinação dos bispos locais. No Brasil são dias de jejum e abstinência a
quarta-feira de cinzas e a sexta-feira santa. Por determinação do episcopado
brasileiro, nas sextas-feiras do ano (inclusive as da Quaresma, exceto a
Sexta-feira Santa) fica a abstinência comutada em outras formas de penitência.
Praticar a abstinência é privar-se de algo, não só de carne.
Por exemplo, se se tem o hábito diário de assistir televisão, fumar, etc., vale
o sacrifício de abster-se destes itens nesses dias.
A obrigação de
se abster de carne começa aos 15 anos. A obrigação de jejuar, limitando-se a
uma refeição principal e a duas mais ligeiras no decurso do dia, vai dos 21 aos
59 anos. Quem está doente nessa faixa etária e também as mulheres grávidas estão
desobrigados do jejum.
A Quaresma é
um tempo de graça e bênção, de escuta mais intensa da palavra de Deus, de
conversão e mudança de vida e mentalidade, de recordação e preparação do
batismo, de reconciliação com Deus e com os irmãos; tempo de oração mais
intensa; tempo de jejum como aprendizagem, entrega e docilidade à vontade do
Pai; tempo de esmola ou de partilha de bens e de gestos solidários, de carinho
com os pobres e necessitados.
Todos os anos
durante o período quaresmal, tempo de conversão, a CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil) realiza a Campanha da Fraternidade, que tem por objetivo
despertar a solidariedade de seus fiéis e de toda a sociedade em relação a um
problema concreto que envolve toda a nação, buscando uma solução para o mesmo.
O tema para 2015 será “Fraternidade: Igreja e Sociedade” e lema “Eu vim para servir” (Mc 10,45).
A primeira
leitura da liturgia deste primeiro domingo da Quaresma relata a segunda aliança
citada no Antigo Testamento que Yahweh faz com o homem, neste caso, com Noé: “Deus
disse a Noé e seus filhos: ‘Eu estabeleço a minha aliança com vocês e com seus
descendentes, e com todos os animais que os acompanham; aves, animais domésticos
e feras, com todos os que saíram da arca e agora vivem sobre a terra.
Estabeleço a minha aliança como vocês: de tudo o que existe, nada mais será
destruído pelas águas do dilúvio, e nunca mais haverá dilúvio para devastar a
terra. [...] Este é o sinal da
aliança que coloco entre mim e vocês e todos os seres vivos que estão com
vocês, para todas as gerações futuras. Colocarei o meu arco nas nuvens, e ele
se tornará um sinal de minha aliança com a terra.” (Gn 9,8-10.12-13).
Nesta aliança
Yahweh inclui um sinal: o arco-íris.
O propósito de
um sinal visível é que todos, ao vê-lo, possam se lembrar da Aliança feita.
Visto a olho
nu, observa-se que o arco-íris apresenta sete cores: vermelho, laranja,
amarelo, verde, azul, anil e violeta. O número sete, nas Sagradas Escrituras,
tem a representatividade da perfeição. Em primeira instância, o arco-íris é a
certeza de que a tempestade já passou e que não choverá mais daí por diante.
O arco-íris
também pode ser interpretado como Yahweh, chamado no Antigo Testamento de “Deus
dos Exércitos”, depondo a sua arma, o seu arco sobre as nuvens acompanhado da
promessa de que não haveria mais punições como aquela que foi imposta para os
homens, o dilúvio.
Citadas nas
Sagradas Escrituras, aconteceram sete alianças e uma renovação da aliança no
deserto feitas por Deus como o homem criado por ele e que sempre lhe virou as
costas.
Yahweh é Deus
de alianças. Através das alianças que Yahweh fez côo o homem, pelo seu imenso
amor, dá a garantia de muitas bênçãos, se houver fé e obediência a essas
alianças.
A iniciativa da
aliança sempre foi de Deus, que estabelece as condições.
A primeira
aliança foi feita com o primeiro homem, Adão (Gn 1.27-30; 2.16-17; 3.2-20).
A segunda aliança foi feita com Noé e seus filhos,
constantes da leitura desta liturgia (Gen 9.11-17).
A terceira aliança foi feita Abraão (Gn
12,2-3.7-15; 13,14-16; 15,5-6; 17,1-14). Para Abraão, ainda, Deus prometeu
estender a aliança a Isaque, o filho da promessa que iria nascer (Gn 17,16,19).
A quarta aliança foi com Isaque, filho de Abraão
(Gn 26,2-5.23-24).
A quinta aliança foi feita com Jacó, filho de
Isaque (Gn 28,13-14).
A sexta aliança foi feita com os israelitas no
deserto através de Moisés (Ex 6,3-8; 19,4-6; 23,20-33; 24,3-4).
Nas planícies de Moab houve a renovação dessa
aliança antes do povo israelita entrar na terra prometida já no final da sua
caminhada pelo deserto para fortalecer espiritualmente o povo que iria
enfrentar os contratempos da conquista da Terra Prometida (Dt 4,44-45; 5,1-3; 31.1-33.29).
A sétima, a nova e eterna aliança de Deus com o
seu povo se realizou em
Jesus Cristo: “E a Palavra se fez homem e veio habitar
entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio
de amor e fidelidade.” (Jo 1,14); “Na noite em que foi entregue, o
Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, o partiu e disse: ‘Isto é o
meu corpo que é para vocês; façam isso em memória de mim’. Do mesmo modo, após
a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue;
todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim.” (1Cor
11,23b-25).
A nova aliança já estava preconizada no livro de
Jeremias: “Eis que chegarão dias –
oráculo de Yahweh – em que eu farei uma aliança nova com Israel e Judá: Não
será como a aliança que fiz com seus antepassados, quando os peguei pela mão
para tirá-los da terra do Egito; aliança que eles quebraram, embora fosse eu o
Senhor deles – oráculo de Yahweh -. A aliança que eu farei com Israel depois
desses dias é a seguinte – oráculo de Yahwew: Colocarei minha Lei em seu peito
e a escreverei em seu coração: eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo.”
(Jr 31,31-33).
A Nova aliança está selada com e no sangue de
Jesus: “Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que é derramado por
muitos, para remissão de pecados” (Mt 26,28).
A nova aliança é superior a todas as demais: “Jesus,
porém, foi encarregado para um serviço sacerdotal superior, pois é o mediador
de uma aliança melhor, que promete melhores benefícios. De fato, se a primeira
aliança não tivesse defeito, nem haveria lugar para segunda aliança. [...] Dizendo
‘aliança nova’ Deus declara que a primeira ficou antiquada; e aquilo que se
torna antigo e envelhece, vai desaparecer logo” Hb 8,6-7.13).
E o profeta Ezequiel anteve como Deus vai preparar
o povo para essa nova aliança: “Darei a eles um coração íntegro, e colocarei
no íntimo deles um espírito novo. Tirarei do peito deles o coração de pedra e
lhes darei um coração de carne. Tudo isso para que sigam os meus estatutos e ponham em prática
as minhas normas.Então eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus.” (Ez
11,19-20).
O povo da Nova Aliança será guiado pelo Espírito
de Deus e será chamado filho de Deus e será herdeiro do reino: “Todos os que
são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. E vocês não receberam um
Espírito de escravos para recair no medo, mas receberam um Espírito de filhos
adotivos, por meio do qual clamamos ‘Abba! Pai!’ O próprio Espírito assegura ao
nosso espírito que somos filhos de Deus. E se somos filhos, somos também
herdeiro: herdeiros de Deus, herdeiros junto com Cristo, uma vez que tendo
participado dos seus sofrimentos, também participaremos da sua glória.” (Rm
8,14-17).
Através da ordem expressa de Jesus quando do envio
dos seus apóstolos e discípulos a todo o mundo, Jesus determina quem fará parte
do povo da Nova Aliança: “Toda autoridade
foi dada a mim no céu e sobre a terra.
Portanto, vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a
observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os
dias, até o fim do mundo.” (Mt 28,18b-20).
Pelo batismo em nome da Trindade, este povo está
repleto do Espírito Santo: “João batizou com água: vocês,, porém, dentro de
poucos dias, serão batizados com o Espírito Santo.” (At 1,5).
A Quaresma, portanto, é o tempo para que o povo de
Deus se volte para a Aliança definitiva feita com e pelo sangue de Jesus para
que a Igreja possa entender o grande amor que o Pai tem pelos seus filhos: “Pois
Deus amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o
que nele acredita não morra, , mas tenha a vida eterna. De fato, Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para
condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por ele. Quem acredita
nele, não está condenado; quem não acredita, já está condenado, porque não
acreditou no nome do Filho único de Deus. (Jo 3,16-18).
O Tempo da Quaresma repete o dito por Jesus:“O
tempo já se completou e o reino de Deus está próximo. “Convertam-se e creiam no
Evangelho.” (Mc 1,15).
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