quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

“PERDOA, SENHOR, O TEU POVO. [...] ENTÃO O SENHOR ENCHEU-SE DE ZELO POR SUA TERRA E PERDOOU O SEU POVO”. (Jl 2,17.18).


Diácono Milton Restivo

Na quarta-feira de cinzas tem-se o início a quaresma. A partir daí, passarão quarenta dias para a Sexta-feira Santa. O nome “oficial” da quarta feira de cinzas é “O Dia das cinzas”.
Não encontramos referencias na Bíblia sobre a quarta-feira de cinzas. É a tradição da Igreja que assim definiu. Segundo a tradição, na Igreja primitiva, variava a duração da Quaresma, mas eventualmente começava seis semanas, quarenta e dois dias antes da Páscoa.
Isto só dava por resultado trinta e seis dias de jejum, porque os dias de domingo eram excluídos. No século VII foram acrescentados quatro dias antes do primeiro domingo, voltando-se à quarta-feira, que passou a ser chamada Quarta-feira de Cinzas, começando, a partir daí, a Quaresma, estabelecendo os quarenta dias de jejum, para imitar o jejum de Cristo no deserto.
Era prática comum em Roma que os penitentes começassem sua penitência pública no primeiro dia de Quaresma. Eles eram salpicados de cinzas, vestidos com saial, uma antiga vestimenta tanto para o homem como para a mulher, feita de um pano grosseiro, felpudo e de uma só face, como diríamos hoje, vestidos de sacos, e obrigados a manter-se longe da comunidade até que se arrependessem dos seus pecados e se reconciliassem com a Igreja na Quinta-feira Santa ou a Quinta-feira antes da Páscoa.
       Quando estas práticas caíram em desuso, do século VIII ao século X, o início da temporada penitencial da Quaresma foi simbolizada colocando cinzas nas cabeças de toda a comunidade.
Hoje na Igreja, na Quarta-feira de Cinzas, o cristão recebe uma cruz na fronte com as cinzas obtidas da queima das palmas usadas no Domingo de Ramos do ano anterior.
Com a Quarta-Feira de Cinzas, começa oficialmente o tempo da Quaresma que se encerra com o Tríduo Pascal, que corresponde à Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santa.
A quarta-feira de cinzas é o início de um período de arrependimento, compunção, oração, jejum, penitência. Na Bíblia encontramos inúmeras narrativas de pessoas usando “poeira e cinzas” como símbolo de arrependimento e ou sofrimento, como nos livros de Gênesis 18,27; 2Samuel 13,19; Ester 4,1; Jó 2,8; Daniel 9,3; Mateus 11,21.
A tradição é que se desenhe, com cinzas, o sinal da cruz na testa da pessoa, como símbolo de sua identificação com Jesus Cristo. Um conceito parecido é mencionado no livro do Apocalipse 7,3, 9,4, 14,1 e 22,4. As cinzas que os cristãos católicos recebem neste dia são um símbolo para a reflexão sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passageira, transitória, efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte. A Quarta-feira de Cinzas ocorre quarenta dias antes da Páscoa (sem contar os domingos) ou quarenta e seis dias (contando os domingos). Seu posicionamento no calendário varia a cada ano, dependendo da data da Páscoa. A data pode variar do começo de fevereiro até à segunda semana de março.
A partir da Quarta-feira de Cinzas até a Vigília da Páscoa, nas celebrações não se recita o Glória (com exceção nas festas em que é prescrito) nem se recita ou canta o Aleluia. Não se coloca flores ou enfeites no altar e no ambiente da celebração. Os instrumentos musicais devem ser moderados. A cor roxa do altar e paramentos demonstra a dimensão da penitência, jejum e oração.
A quarta-feira de cinzas, junto com a quaresma, é observada pela maioria dos cristãos católicos, pela maioria das denominações ortodoxas e algumas denominações protestantes.
A origem deste nome é puramente religiosa. Neste dia, é celebrada a tradicional missa das cinzas. As cinzas utilizadas neste ritual provêm da queima dos ramos abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior. A estas cinzas mistura-se água benta. De acordo com a tradição, o celebrante desta cerimônia utiliza essas cinzas úmidas para sinalizar uma cruz na fronte de cada fiel, proferindo a frase “Lembra-te que és pó e que ao pó voltarás” ou “Convertei-vos e crede no Evangelho”.
Na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa a Igreja Católica aconselha os fiéis a fazerem jejum e a não comerem carne. Esta tradição já existe há muitos anos e tem como propósito fazer com que os fiéis tomem parte do sacrifício de Jesus. Assim como Jesus se sacrificou na cruz, aquele que crê também pode fazer um sacrifício, abstendo-se de uma coisa que gosta, neste caso, a carne.
Quaresma é um tempo forte na caminhada do ano eclesiástico. Convite e apelo para o silêncio, a prece, a conversão.
E é também o tempo onde as comunidades se preparam para viver o mistério da páscoa. Isto é, tempo da hora de Jesus Cristo do seu seguimento em que ele caminha em direção da sua hora que é a entrega total da sua vida a Deus pelos homens, seus irmãos. A quaresma é para cada um de nós um tempo de oração e de conversão. 
Tempo de crescer em comunhão com todos os homens, principalmente com os mais pobres e necessitados. Eles nos lembram o rosto sofrido de Jesus e nos convidam a viver com mais fidelidade a caridade, o amor fraterno, que o Evangelho exige de nós.
A Bíblia narra que, certa vez, o general babilônico Holofernes, com um grande exército, marchou contra a cidade de Betúlia. O povo da cidade, aterrorizado, reuniu-se para rezar a Deus. E todos cobriram de cinzas as suas cabeças, pedindo o perdão e a misericórdia de Deus. E Deus salvou o povo pelas mãos de Judite. Assim narra o livro de Judite esse acontecimento nos capítulos 8,14-17 e 9,1: “Mas o Senhor é paciente; façamos, pois, penitência por isso e peçamos-lhe perdão com lágrimas nos olhos, pois Deus não ameaça como os homens e não se deixa arrastar como eles à violência da cólera. Humilhemo-nos diante dele e prestemos-lhe nosso culto com espírito de humildade. Roguemos ao Senhor com lágrimas que nos conceda a sua misericórdia como lhe aprouver, para que, assim como se perturbou o nosso coração com o orgulho de nossos inimigos, do mesmo modo encontremos glória em nossa humilhação. Tendo eles partido, Judite entrou em seu oratório, pôs o seu cilício, cobriu a cabeça com cinzas e, prostrando-se diante do Senhor, orou dizendo...” E, através da penitência cobrindo a cabeça com cinzas e da oração, Yahweh libertou o seu povo do ataque mortal do exército inimigo.
A cinza, por sua leveza, é figura das coisas que se acabam e desaparecem. É usada como um sinal de penitência e de luto. Nós a usamos hoje, na Quarta-feira de cinzas, o primeiro dia da quaresma, reconhecendo que somos pecadores e pedindo perdão de Deus, desejosos de mudarmos de vida.
A primeira leitura é tirada do livro do profeta Joel, onde Yahweh faz um apelo ao seu povo para que se volte para ele e se converta dos seus pecados: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim  com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o coração e não as vestes, e voltai para o Senhor vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo”. (Jl 2,12-13).
O Salmo 50 (51) recitado ou cantado nesta celebração é a oração feita pelo rei Davi pedindo perdão: “Tende piedade, ó meu Deus, misericórdia. Na imensidão do vosso amor, purificai-me. Lavai-me todo inteiro do pecado e apagai completamente a minha culpa. Eu reconheço toda a minha iniquidade, o meu pecado está sempre à minha frente. Foi contra vós, só conta vós que eu pequei, pratiquei o que é mau aos vossos olhos.” (Sl 50 (51), 1-2). Esta oração foi feita pelo rei Davi depois de uma grave transgressão contra a lei de Yahweh, conforme é narrado nos capítulos 11 e 12 do livro segundo de Samuel.
Jesus era chamado de o bom mestre. Como de fato ele era e é. Perdoou a mulher adúltera, perdoou a Pedro que o traiu, perdoou e recebeu no seu Reino o ladrão no alto da cruz. Mas, no tempo de Jesus, existia uma classe de gente que ele não engolia eram os escribas e os fariseus (que, similares, existem ainda nas nossas comunidades e no nosso meio).
Para esse tipo de gente Jesus lançou as palavras mais duras: "Ai de vocês, escribas e fariseus hipócritas... vocês se parecem com os sepulcros caiados, que é pintado por fora, mais lá dentro existe toda a espécie de podridão". Esse tipo de pessoas gostava (e gosta) de se mostrar ao fazer o jejum, ao dar esmolas, pagar o dízimo, e tantas outras coisas mais que, em se fazendo, sentiam-se promovidos e diferenciados na sua religião, na sua comunidade.
O jejum, a esmola e a oração são expressões de nossa gratidão a Deus por tudo o que ele nos concede, por isso não há motivo para exaltar nossas ações caridosas perante os homens.
No Evangelho desta Quarta-feira de Cinzas Jesus dá as coordenadas de como evitar isso, e chama a atenção de todos para “ficar atentos para não praticar a sua justiça na frente dos homens só para serem vistos por eles. Caso contrário, vocês não receberão a recompensa do Pai que está nos céus. (Mt 6,1).
Quantos de nós gostamos de dar esmolas, principalmente quando outros observam a nossa pretensa generosidade. Quantos de nós gostamos de auxiliar a igreja nas suas comunidades, desde que seja elogiado em público pela pretensa generosidade. Quantos de nós gostamos de dar altas quantias a título de dízimo para surpreender aos que tomam conhecimento dessa nossa pretensa generosidade. Quantos de nós gostamos de prestar serviços na comunidade para sermos notados e recebermos elogios pela nossa pretensa generosidade. É por isso que Jesus diz: “Quando você der esmolas, não toque a trombeta diante de você como fazem os hipócritas nas sinagogas para serem elogiados pelos homens. Em verdade eu digo para vocês: já receberam a sua recompensa. Quando você der esmolas, não saiba a sua mão esquerda o que fez a direita.” (Mt 6,2-3).
O tempo da Quaresma que estamos entrando é exatamente para fazermos uma reflexão para ver como temos agido nas obras em relação aos irmãos e à comunidade.
Jesus também nos chama à atenção em relação à maneira de nos portamos na oração e diz: “Quando você for orar, não seja como os hipócritas que gostam  de rezar em PE, nas sinagogas e nas esquinas das praças para serem vistos pelos homens. Em verdade eu digo para vocês: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando você for orar, entra no teu quarto , fecha a porta e reza ao seu Pai que está oculto, e o seu Pai, que vê o que está escondido, lhe dará a recompensa.” (Mt 6,5-6).
Entrar no quarto e fechar a porta, Jesus, com certeza refere-se à porta do nosso coração.
Quando rezarmos, entremos dentro do nosso coração, não importando aonde quer que estejamos, se sozinhos ou no meio de uma multidão.
É do coração que saem as mais belas ofertas. É do coração que brotam os mais dignos louvores. É do coração que surgem os mais sinceros pedidos. É do coração que nasce o verdadeiro amor. É no silêncio do coração que falamos com Deus e é no silêncio do coração que Deus nos ouve.  Quaresma é tempo de jejum e abstinência. E Jesus, também orienta a respeito como deve ser o jejum sem a preocupação de mostrar a ninguém que se está jejuando a fim de receber elogios ou falsas interpretações: “Quando você jejuar, não fique com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade eu lhe digo: eles já receberam a sua recompensa. Você, porém, quando jejuar, perfuma a cabeça e lava ao rosto, para que os homens não vejam que você está jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, lhe dará a recompensa.” (Mt 6,16-18).
Portanto, a Quarta-feira de Cinzas é o ponto de referência para o início da Quaresma que é o período que antecede a principal celebração do cristianismo: a Páscoa da Ressurreição.
Durante os quarenta dias que precedem a Semana Santa e a Páscoa, devemos nos dedicar à reflexão, a conversão espiritual e nos recolhermos em oração e penitência para que sejam lembrados os quarenta dias passados por Jesus no deserto e os sofrimentos que ele suportou na cruz.
A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa luto e penitência. É um tempo de reflexão, de penitência, de conversão espiritual; tempo e preparação para o mistério pascal.
Na Quaresma, Cristo nos convida a mudar de vida. A Igreja nos convida a viver a Quaresma como um caminho a Jesus Cristo, escutando a Palavra de Deus, orando, compartilhando com o próximo e praticando boas obras. Convida-nos a viver uma série de atitudes cristãs que nos ajudam a parecer mais com Jesus Cristo, já que por ação do pecado, nos afastamos mais de Deus.
Por isso, a Quaresma é o tempo do perdão e da reconciliação fraterna.
Cada dia, durante a vida, devemos retirar de nossos corações o ódio, o rancor, a inveja, os zelos que se opõem a nosso amor a Deus e aos irmãos.
Na Quaresma, aprendemos a conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a tomar nossa cruz com alegria para alcançar a glória da ressurreição.

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