QUARTA-FEIRA DE CINZAS
“PERDOA, SENHOR, O TEU POVO. [...] ENTÃO O SENHOR
ENCHEU-SE DE ZELO POR SUA TERRA E PERDOOU O SEU POVO”. (Jl 2,17.18).
Diácono Milton Restivo
Na quarta-feira de cinzas tem-se
o início a quaresma. A partir daí, passarão quarenta dias para a Sexta-feira
Santa. O nome “oficial” da quarta feira de cinzas é “O Dia das cinzas”.
Não encontramos referencias na Bíblia
sobre a quarta-feira de cinzas. É a tradição da Igreja que assim definiu. Segundo
a tradição, na Igreja primitiva, variava a duração da Quaresma,
mas eventualmente começava seis semanas, quarenta e dois dias antes da Páscoa.
Isto só dava por resultado trinta e seis dias de jejum, porque os dias
de domingo eram excluídos. No século VII foram acrescentados quatro dias antes
do primeiro domingo, voltando-se à quarta-feira, que passou a ser chamada
Quarta-feira de Cinzas, começando, a partir daí, a Quaresma, estabelecendo os
quarenta dias de jejum, para imitar o jejum de Cristo no deserto.
Era prática comum em Roma que os penitentes começassem sua penitência
pública no primeiro dia de Quaresma. Eles eram salpicados de cinzas, vestidos
com saial, uma antiga vestimenta tanto para o homem como para a mulher, feita
de um pano grosseiro, felpudo e de uma só face, como diríamos hoje, vestidos de sacos, e obrigados a manter-se longe da comunidade até
que se arrependessem dos seus pecados e se reconciliassem com a Igreja na
Quinta-feira Santa ou a Quinta-feira antes da Páscoa.
Quando estas práticas
caíram em desuso, do século VIII ao século X, o início da temporada penitencial
da Quaresma foi simbolizada colocando cinzas nas cabeças de toda a comunidade.
Hoje na Igreja, na Quarta-feira de Cinzas, o cristão recebe uma cruz na
fronte com as cinzas obtidas da queima das palmas usadas no Domingo de Ramos do
ano anterior.
Com a Quarta-Feira de Cinzas,
começa oficialmente o tempo da Quaresma que se encerra com o Tríduo Pascal, que
corresponde à Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santa.
A quarta-feira de cinzas é o
início de um período de arrependimento, compunção, oração, jejum, penitência. Na
Bíblia encontramos inúmeras narrativas de pessoas usando “poeira e cinzas” como
símbolo de arrependimento e ou sofrimento, como nos livros de Gênesis 18,27; 2Samuel
13,19; Ester 4,1; Jó 2,8; Daniel 9,3; Mateus 11,21.
A tradição é que se desenhe, com
cinzas, o sinal da cruz na testa da pessoa, como símbolo de sua identificação
com Jesus Cristo. Um conceito parecido é mencionado no livro do Apocalipse 7,3,
9,4, 14,1 e 22,4.
As cinzas que os cristãos católicos recebem neste dia são um símbolo para a
reflexão sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a
passageira, transitória, efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte. A
Quarta-feira de Cinzas ocorre quarenta dias antes da Páscoa (sem contar os domingos)
ou quarenta e seis dias (contando os domingos). Seu posicionamento no calendário
varia a cada ano, dependendo da data da Páscoa. A data pode variar do começo de
fevereiro até à segunda semana de março.
A partir da Quarta-feira de
Cinzas até a Vigília da Páscoa, nas celebrações não se recita o Glória (com
exceção nas festas em que é prescrito) nem se recita ou canta o Aleluia. Não se
coloca flores ou enfeites no altar e no ambiente da celebração. Os instrumentos
musicais devem ser moderados. A cor roxa do altar e paramentos demonstra a
dimensão da penitência, jejum e oração.
A quarta-feira de cinzas, junto
com a quaresma, é observada pela maioria dos cristãos católicos, pela maioria
das denominações ortodoxas e algumas denominações protestantes.
A origem deste nome é puramente
religiosa. Neste dia, é celebrada a tradicional missa das cinzas. As cinzas
utilizadas neste ritual provêm da queima dos ramos abençoados no Domingo de
Ramos do ano anterior. A estas cinzas mistura-se água benta. De acordo com a
tradição, o celebrante desta cerimônia utiliza essas cinzas úmidas para
sinalizar uma cruz na fronte de cada fiel, proferindo a frase “Lembra-te que és pó e que ao pó voltarás” ou
“Convertei-vos e crede no Evangelho”.
Na Quarta-feira de Cinzas e na
Sexta-feira Santa a Igreja Católica aconselha os fiéis a fazerem jejum e a não
comerem carne. Esta tradição já existe há muitos anos e tem como propósito fazer
com que os fiéis tomem parte do sacrifício de Jesus. Assim como Jesus se
sacrificou na cruz, aquele que crê também pode fazer um sacrifício, abstendo-se
de uma coisa que gosta, neste caso, a carne.
Quaresma é um tempo forte na
caminhada do ano eclesiástico. Convite e apelo para o silêncio, a prece, a
conversão.
E é também o tempo onde as
comunidades se preparam para viver o mistério da páscoa. Isto é, tempo da hora
de Jesus Cristo do seu seguimento em que ele caminha em direção da sua hora que
é a entrega total da sua vida a Deus pelos homens, seus irmãos. A quaresma é
para cada um de nós um tempo de oração e de conversão.
Tempo de crescer em comunhão com
todos os homens, principalmente com os mais pobres e necessitados. Eles nos
lembram o rosto sofrido de Jesus e nos convidam a viver com mais fidelidade a
caridade, o amor fraterno, que o Evangelho exige de nós.
A Bíblia narra que, certa vez, o
general babilônico Holofernes, com um grande exército, marchou contra a cidade
de Betúlia. O povo da cidade, aterrorizado, reuniu-se para rezar a Deus. E
todos cobriram de cinzas as suas cabeças, pedindo o perdão e a misericórdia de
Deus. E Deus salvou o povo pelas mãos de Judite. Assim narra o livro de Judite
esse acontecimento nos capítulos 8,14-17 e 9,1: “Mas o Senhor é paciente; façamos, pois, penitência por isso e
peçamos-lhe perdão com lágrimas nos olhos, pois Deus não ameaça como os homens
e não se deixa arrastar como eles à violência da cólera. Humilhemo-nos diante
dele e prestemos-lhe nosso culto com espírito de humildade. Roguemos ao Senhor
com lágrimas que nos conceda a sua misericórdia como lhe aprouver, para que,
assim como se perturbou o nosso coração com o orgulho de nossos inimigos, do
mesmo modo encontremos glória em nossa humilhação. Tendo eles partido, Judite
entrou em seu oratório, pôs o seu cilício, cobriu a cabeça com cinzas e,
prostrando-se diante do Senhor, orou dizendo...” E, através da penitência
cobrindo a cabeça com cinzas e da oração, Yahweh libertou o seu povo do ataque
mortal do exército inimigo.
A cinza, por sua leveza, é figura
das coisas que se acabam e desaparecem. É usada como um sinal de penitência e
de luto. Nós a usamos hoje, na Quarta-feira de cinzas, o primeiro dia da
quaresma, reconhecendo que somos pecadores e pedindo perdão de Deus, desejosos
de mudarmos de vida.
A primeira
leitura é tirada do livro do profeta Joel, onde Yahweh faz um apelo ao seu povo
para que se volte para ele e se converta dos seus pecados: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim
com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasgai o
coração e não as vestes, e voltai para o Senhor vosso Deus; ele é benigno e
compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo”. (Jl
2,12-13).
O Salmo 50 (51)
recitado ou cantado nesta celebração é a oração feita pelo rei Davi pedindo
perdão: “Tende piedade, ó meu Deus,
misericórdia. Na imensidão do vosso amor, purificai-me. Lavai-me todo inteiro
do pecado e apagai completamente a minha culpa. Eu reconheço toda a minha
iniquidade, o meu pecado está sempre à minha frente. Foi contra vós, só conta
vós que eu pequei, pratiquei o que é mau aos vossos olhos.” (Sl 50 (51),
1-2). Esta oração foi feita pelo rei Davi depois de uma grave transgressão
contra a lei de Yahweh, conforme é narrado nos capítulos 11 e 12 do livro
segundo de Samuel.
Jesus era chamado de o bom
mestre. Como de fato ele era e é. Perdoou a mulher adúltera, perdoou a Pedro
que o traiu, perdoou e recebeu no seu Reino o ladrão no alto da cruz. Mas, no
tempo de Jesus, existia uma classe de gente que ele não engolia eram os
escribas e os fariseus (que, similares, existem ainda nas nossas comunidades e
no nosso meio).
Para esse tipo de gente Jesus
lançou as palavras mais duras: "Ai
de vocês, escribas e fariseus hipócritas... vocês se parecem com os sepulcros caiados,
que é pintado por fora, mais lá dentro existe toda a espécie de podridão".
Esse tipo de pessoas gostava (e gosta) de se mostrar ao fazer o jejum, ao
dar esmolas, pagar o dízimo, e tantas outras coisas mais que, em se fazendo,
sentiam-se promovidos e diferenciados na sua religião, na sua comunidade.
O jejum, a esmola e a oração são
expressões de nossa gratidão a Deus por tudo o que ele nos concede, por isso
não há motivo para exaltar nossas ações caridosas perante os homens.
No Evangelho desta Quarta-feira
de Cinzas Jesus dá as coordenadas de como evitar isso, e chama a atenção de
todos para “ficar atentos para não
praticar a sua justiça na frente dos homens só para serem vistos por eles. Caso contrário, vocês não receberão a recompensa
do Pai que está nos céus. (Mt 6,1).
Quantos de nós gostamos de dar
esmolas, principalmente quando outros observam a nossa pretensa generosidade.
Quantos de nós gostamos de auxiliar a igreja nas suas comunidades, desde que
seja elogiado em público pela pretensa generosidade. Quantos de nós gostamos de
dar altas quantias a título de dízimo para surpreender aos que tomam
conhecimento dessa nossa pretensa generosidade. Quantos de nós gostamos de
prestar serviços na comunidade para sermos notados e recebermos elogios pela
nossa pretensa generosidade. É por isso que Jesus diz: “Quando você der esmolas, não toque a trombeta diante de você como
fazem os hipócritas nas sinagogas para serem elogiados pelos homens. Em verdade
eu digo para vocês: já receberam a sua recompensa. Quando você der esmolas, não
saiba a sua mão esquerda o que fez a direita.” (Mt 6,2-3).
O tempo da Quaresma que estamos
entrando é exatamente para fazermos uma reflexão para ver como temos agido nas
obras em relação aos irmãos e à comunidade.
Jesus também nos chama à atenção
em relação à maneira de nos portamos na oração e diz: “Quando você for orar, não seja como os hipócritas que gostam de rezar em PE, nas sinagogas e nas esquinas
das praças para serem vistos pelos homens. Em verdade eu digo para vocês: eles
já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando você for orar, entra no teu
quarto , fecha a porta e reza ao seu Pai que está oculto, e o seu Pai, que vê o
que está escondido, lhe dará a recompensa.” (Mt 6,5-6).
Entrar no quarto e fechar a
porta, Jesus, com certeza refere-se à porta do nosso coração.
Quando rezarmos, entremos dentro
do nosso coração, não importando aonde quer que estejamos, se sozinhos ou no
meio de uma multidão.
É do coração que saem as mais
belas ofertas. É do coração que brotam os mais dignos louvores. É do coração
que surgem os mais sinceros pedidos. É do coração que nasce o verdadeiro amor.
É no silêncio do coração que falamos com Deus e é no silêncio do coração que
Deus nos ouve. Quaresma é tempo de jejum e abstinência. E Jesus, também
orienta a respeito como deve ser o jejum sem a preocupação de mostrar a ninguém
que se está jejuando a fim de receber elogios ou falsas interpretações: “Quando você jejuar, não fique com o rosto
triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto para que os homens vejam que
estão jejuando. Em verdade eu lhe digo: eles já receberam a sua recompensa.
Você, porém, quando jejuar, perfuma a cabeça e lava ao rosto, para que os
homens não vejam que você está jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto.
E o teu Pai, que vê o que está escondido, lhe dará a recompensa.” (Mt
6,16-18).
Portanto, a Quarta-feira de
Cinzas é o ponto de referência para o início da Quaresma que é o período que
antecede a principal celebração do cristianismo: a Páscoa da Ressurreição.
Durante os
quarenta dias que precedem a Semana Santa e a Páscoa, devemos nos dedicar à
reflexão, a conversão espiritual e nos recolhermos em oração e penitência para que
sejam lembrados os quarenta dias passados por Jesus no deserto e os sofrimentos
que ele suportou na cruz.
A cor litúrgica
deste tempo é o roxo, que significa luto e penitência. É um tempo de reflexão,
de penitência, de conversão espiritual; tempo e preparação para o mistério
pascal.
Na Quaresma,
Cristo nos convida a mudar de vida. A Igreja nos convida a viver a Quaresma
como um caminho a Jesus Cristo, escutando a Palavra de Deus, orando,
compartilhando com o próximo e praticando boas obras. Convida-nos a viver uma
série de atitudes cristãs que nos ajudam a parecer mais com Jesus Cristo, já
que por ação do pecado, nos afastamos mais de Deus.
Por isso, a
Quaresma é o tempo do perdão e da reconciliação fraterna.
Cada dia,
durante a vida, devemos retirar de nossos corações o ódio, o rancor, a inveja,
os zelos que se opõem a nosso amor a Deus e aos irmãos.
Na Quaresma,
aprendemos a conhecer e apreciar a Cruz de Jesus. Com isto aprendemos também a
tomar nossa cruz com alegria para alcançar a glória da ressurreição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário