sábado, 7 de fevereiro de 2015

“JESUS CUROU MUITAS PESSOAS DE DIVERSAS DOENÇAS”

“JESUS CUROU MUITAS PESSOAS DE DIVERSAS DOENÇAS” (Mc 1,34).


Diácono Milton Restivo

A primeira leitura desta liturgia traz-nos o livro de Jó.
O livro de Jó é bastante polêmico, principalmente pela época em que fora escrito considerando que, para o povo do Antigo Testamento existia a doutrina tradicional da retribuição, ou seja, a riqueza material era sinal de que, quem a tivesse era porque era cumpridor da lei, e Yahweh assim retribuía a quem lhe fosse fiel. Quem era pobre seria porque era descumpridor da lei, e Yahweh o punia com a pobreza e a doença, assim, da mesma forma, quem tinha saúde era uma retribuição de Yahweh, quem era doente era por castigo por sua infidelidade. A questão do sofrimento dos justos é tema central da narrativa deste livro.
No livro de Jó o personagem é descrito como sendo um homem rico e justo. Ninguém acreditava que os justos pudessem sofrer, ficar doentes ou pobres. Se alguém sofresse doenças, infortúnios, pobreza, era sinal de que havia cometido um pecado grave e estava sendo punido por Yahweh de conformidade com a crença popular: “aqui se faz, aqui se paga”.
          Jó foi colocado à prova, Yahweh tirou dele toda sua família, sete filhos e três filhas, todo seu rebanho, suas propriedades e até a sua saúde, fazendo-o leproso e desprezado até pelos que antes o tinham em alto estima. Ainda hoje, nos nossos dias, essa doutrina da retribuição está em vigência em muitas igrejas que se dizem cristãs: se pagar o dízimo corretamente e em dia, conforme os dirigentes dessas igrejas determinam, Deus vai cumular o fiel de riqueza, saúde e prosperidade, casa, carro, pagamentos de dívidas, como se Deus necessitasse do nosso dinheiro para nos cumular de graças e amor. Tal atitude não passa de uma tentativa de comercializar com Deus: pago o dízimo à minha igreja e Deus me faz rico, próspero, com saúde e sem dívidas.
Jó não havia cometido pecado e, mesmo no mais profundo dos infortúnios, continuou fiel a Yahweh, não aceitando a hipótese de que tivesse sido castigado por Yahweh porque havia cometido um pecado grave. Deus não impede que passemos por provações; afinal, são elas que mostrarão o tamanho da nossa fé e a confiança que temos em Deus que é Pai. Quando superamos essas provações e olhamos para o passado, vemos que esses foram tempo de aprendizado e fortalecimento na fé, e entendemos que as adversidades podem ser um sinal do amor do Pai para com seus filhos.
O Salmo convida os fiéis a louvar a Yahweh porque “o nosso Deus merece harmonioso louvor” Sl 146 (147),1). Este Salmo mostra todo amor e cuidado que Yahweh tem por aqueles que nele confia: “Yahweh reconstrói Jerusalém, reúne os exilados de Israel. Cura os corações despedaçados e cuida dos seus ferimentos. [...] Yahweh sustenta os pobres e rebaixa os injustos até o chão. [...] Yahweh aprecia aqueles que o temem, aqueles que esperam por seu amor.” (Sl 147 (146),2.6.11).
Na segunda leitura Paulo deixa claro porque prega o Evangelho de Jesus Cristo: “Pregar o evangelho não é para mim motivo de glória, é antes uma necessidade para mim, uma imposição. Ai de mim se eu não pregar o evangelho!” (1Cor 9,16).
Paulo insiste em dizer que não espera recompensa nenhuma por pregar o evangelho porque, para ele, pregar o Evangelho “é uma necessidade... uma imposição”, não é mais do que obrigação, e isso ele o faz “por iniciativa própria”, sem ter a preocupação de receber por isso qualquer mérito ou recompensa porque, por melhor que façamos as coisas de Deus ainda somos inaptos, ineptos, inúteis e falhos, como disse Jesus: “Assim também vocês: quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’.” (Lc 17,10).
Este ano litúrgico que vivemos traz-nos o Evangelho de Marcos para ser lido e meditado.
Marcos é um dos evangelhos chamados “sinóticos”, juntamente com Mateus e Lucas. Sinóticos quer dizer: evangelhos vistos por uma mesma ótica.
Dentre os quatro Evangelhos, o de Marcos é o mais enxuto e direto, também chamado de Evangelho catequético e inicia mostrando que o seu objetivo é responder à pergunta: “Quem é Jesus?”, e isso ele já deixa claro já no seu início: “Começo da Boa Nova de Jesus, o Messias, o Filho de Deus” (Mc 1,1), e depois em 3,11, 8,29, 14,61 e 15,39.
Marcos quer deixar claro que “Jesus é o Messias, o Filho de Deus”, revelando sua condição divina, demonstrando que os milagres realizados por Jesus asseguravam ser ele o Messias prometido.
Os dezenove milagres registrados em seu curto livro demonstram o poder sobrenatural de Jesus. Oito deles provam seu poder sobre as enfermidades. Cinco demonstram seu poder sobre a natureza. Quatro demonstram sua autoridade sobre os demônios e dois demonstram sua vitória sobre a morte. Marcos escreveu seu Evangelho com o objetivo de encorajar os cristãos romanos perseguidos, mostrando, também, Cristo como um servo em ação: “Porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45), identificando-o com “o servo do Senhor” citado por Isaias: “Vejam o meu servo, a quem eu sustento: ele é o meu escolhido, nele tenho todo o meu agrado”. (Is 42,1). As narrativas mostram sempre Jesus agindo, fazendo milagres, curando, viajando, pregando, enfim, servindo.
O Evangelho segundo Marcos é o mais simples dos Evangelhos, o mais curto com apenas 16 capítulos e, apesar de ser apresentado como o segundo escrito no Novo Testamento, foi o primeiro Evangelho a ser escrito que, além de encorajar os cristãos romanos perseguidos, tinha por objetivo ajudar os indecisos e incrédulos a chegar até Jesus.
A leitura do Evangelho desta liturgia narra a passagem em que Jesus, após um dia cansativo de pregações e atendimento aos necessitados, procura descanso na casa de Simão (Pedro) e André: "E logo, ao sair da sinagoga, foi à casa de Simão e André, com Tiago e João; a sogra de Simão estava de cama com febre, e eles imediatamente o mencionaram a Jesus.  Aproximando-se, ele, a tomou pela mão e a fez levantar-se. A febre a deixou e ela se pôs a servi-los." (Mc 1, 29-31). Esta passagem encontra-se também nos Evangelhos de Mateus 8,14-15 e Lucas 4,38-39.
Se Pedro tinha sogra, com certeza, tinha esposa. Nos ensinamentos de Jesus não há qualquer chamada de atenção sobre a incompatibilidade entre a vocação religiosa e o matrimônio. Com certeza, muitos outros apóstolos eram também casados. Isso afirma Paulo na sua primeira carta aos coríntios: “Não temos direito de levar conosco, nas viagens, uma esposa cristã, como os outros apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefas?” (1Cor 9,5 da Bíblia de Jerusalém, edição de 1998 – Paulus 2002).
A sogra de Simão Pedro estava doente e Jesus aproximou-se dela. Tomou-a pela mão e a fez levantar-se da cama, já curada. A febre passou imediatamente e ela, já recuperada de sua doença, prontamente e agradecida, pôs-se a servi-los. Este atendimento a um doente feito por Jesus, recuperando-lhe a saúde, foi presenciado por poucas pessoas e sob o teto da casa de Pedro. Jesus, ao ver a mulher acamada, num gesto de carinho, solidariedade e amor, estendeu-lhe a mão, e ao toque de sua mão, a doente deixa de ter febre imediatamente e levanta-se do leito e, em sinal de retribuição ao gesto amoroso de Jesus, a mulher passa a servi-lo.
A presença de Jesus vale mais que qualquer remédio para curar os males que afetam os homens. Bastou que Jesus estendesse sua mão e segurasse a mão da sogra de Simão Pedro para que ela ficasse curada de sua doença. Quantas vezes estamos doentes na fé, descrentes da vida. Quantas vezes estamos debilitados, desanimados, cansados, descrentes, e Jesus vem ao nosso encontro e nos estende a mão e nos sentimos novamente fortes e revitalizados na nossa fé, na nossa vida e ganhamos novas forças para servirmos a Deus e aos irmãos. Quantas vezes estamos descrentes da vida e não ligamos para mais nada e eis que, de repente, surge Jesus que nos estende a mão, toca-nos, nos chama à realidade, levanta-nos de nossa apatia e ai encontramos forças para continuarmos a servir, como aconteceu com a sogra de Simão Pedro que, depois de ser curada de sua doença, ela se pôs a servi-los. Jesus é, além de médico, remédio para todas as doenças da alma que originam a maior parte das doenças do corpo porque "As pessoas que tem saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes. Eu não vim para chamar justos, e sim pecadores." (Mc 2, 17), e essa afirmativa de Jesus nos tranquiliza ainda mais: “... não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo." (Jo, 12,47).
Quando Jesus faz-se presente em nossa vida, as coisas boas acontecem. Jesus está sempre a postos para a sua missão de libertar o homem de todos os males que o afligem. Jesus sempre se faz presente na luta contra a injustiça, contra a doença, contra o mal, seja ele ou ela qual for. Com Jesus presente encontramos forças renovadas para continuarmos na nossa caminhada rumo a casa do Pai.
Assim como fez com a sogra de Simão Pedro, Jesus segura na nossa mão e nos faz levantar das nossas quedas, do nosso desânimo, do nosso comodismo, revitaliza a nossa fé. A presença de Jesus é quem nos dá forças para continuarmos firmes na fé e a servir os irmãos. O que precisamos é acreditar mais na presença de Jesus ao nosso lado, na nossa vida, animando-nos, ajudando-nos a enfrentar todos os obstáculos que a existência nos impõe.
Jesus é o melhor e mais honesto dos amigos que possamos ter; é infinitamente melhor que o nosso melhor amigo. Jesus não nos abandona em momento algum da nossa vida, ainda que o abandonemos, e isso fazemos quase sempre. Nas mãos de Jesus está o poder de libertar. Em nossas mãos está o poder de decidir, de escolher, de aceitar a libertação que nos é oferecida por Jesus.
Pouco adianta Jesus querer nos libertar se não colaborarmos com ele. Jesus não força, não empurra, não obriga; ele só ajuda, e com muito amor e carinho, os que estão dispostos a sair do estado letárgico do comodismo, da falta de fé, do desânimo. Jesus não nos obriga, mas nos deixa este convite: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me", que precede essa advertência: “... pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la", seguida deste consolo: “... mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la.", e com essa recomendação: "De fato, que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, mas arruinar a sua vida? Ou que poderá dar o homem em troca de sua vida?", e termina com essa consolação: "Pois o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus Anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com o seu comportamento", (Mt 16,24-27).
Quem não atende ao convite de Jesus é porque quer continuar doente e escravo: escravo do sexo, escravo da luxúria, escravo da riqueza, escravo do egoísmo, escravo de todos os pecados capitais que possam existir. Se alguém ainda não conseguiu libertar-se de todas as doenças do corpo e da alma não é porque Jesus deixou de lhe estender a mão, mas porque preferiu continuar na escravidão rejeitando a mão estendida de Jesus. Jesus é o remédio para todos os males. Jesus é o nosso Libertador; somente por ele seremos livres de tudo o que nos oprime e nos escraviza.
Dando sequência à sua narrativa o Evangelista diz que: "Ao entardecer, quando o sol se pôs, trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoniados. E a cidade inteira aglomerou-se à porta. E ele curou muitos doentes de diversas enfermidades e expulsou muitos demônios." (Mc 1, 32-34). Mas o comum ao tempo dos apóstolos e de Jesus, era que os enfermos fossem considerados “possuídos por maus espíritos”. Os alijados, excluídos, não se atreviam a aproximar-se de quem quer que seja, pois eram considerados amaldiçoados por Yahweh.
No Antigo Testamento a doença era tratada como sinal de impureza ou pecado cometido pelo doente, e a regra era uma só: discriminar o doente e privá-lo do convívio social, caso típico dos leprosos. Os membros sadios da sociedade não olhavam e nem se aproximavam desses desgraçados. Jesus, contrariando expectativas de ambos os lados, ignorava as regras, dispunha-se a servir os marginalizados com dedicação e cuidado, para curá-los. Quando estava à mesa com os pecadores públicos na casa de Mateus e por ser recriminado por estar ceiando com pessoas que eram discriminadas pelos doutores da Lei que se julgavam santos pela suas atitudes por isso Jesus disse para que veio: “As pessoas que tem saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes. Eu não vim para chamar justos, e sim pecadores.” (Mc 2, 17; Mt 9,12; Lc 5,31).
Paulo escreve aos Colossenses, dizendo: “Meus irmãos, agora eu me alegro de sofrer por vocês e vou completando na minha própria carne o que falta aos sofrimentos de Jesus Cristo a favor do seu corpo, que é a Igreja.” (Cl 1, 24). Essa frase de Paulo cabe certinho na boca dos doentes, dos nossos irmãos e irmãs que estão passando por algum problema de saúde, que estão hospitalizados, acamados em tratamento médico. Todos os doentes sofrem de uma maneira ou de outra. E seria tão bom que todos os doentes dissessem como disse Paulo: “eu me alegro de sofrer... porque vou completando na minha carne o que falta aos sofrimentos de Jesus Cristo a favor da sua Igreja.”. Os doentes são os companheiros de Jesus Cristo a caminho do Calvário, ajudando-o carregar a sua cruz. Os doentes são os participantes da agonia da cruz. Os sofrimentos dos doentes são a participação dos sofrimentos de Jesus para a total salvação de todo o gênero humano. Os doentes são o corpo flagelado de Jesus; são a cabeça coroada de espinhos de Jesus; são o coração sacrossanto de Jesus traspassado pela lança. Os doentes sofrem, e esse sofrimento complementa o sofrimento de Jesus para a salvação de todos os homens. São para esses que Jesus estende a mão, buscando, se não a cura da enfermidade física, dar-lhe o conforto por ser-lhe um companheiro na sua missão de ser o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
A doença, apesar de ser um mal, é também um meio de santificação; pela doença chegamos à conclusão de que nada somos e nada podemos se não tivermos fé, porque: "Tudo é possível àquele que crê." (Mc 9,23) e "Para Deus, com efeito, nada é impossível." (Lc 1,37), e amparados pela nossa fé concluímos que, sem Jesus Cristo nada somos e nada podemos "Porque sem mim, nada podeis." (Jo 15,5).
Ao entardecer e anoitecer de nossas vidas, ao pôr-do-sol de nossa existência, procuremos Jesus, vejamos em qual casa ele possa estar e peçamos-lhe que nos cure das doenças do corpo e, principalmente, das doenças da alma, para sermos livres e livres das ilusões e vaidades do mundo possamos adorar ao Senhor Nosso Deus e Criador, adorar ao Deus de Misericórdia que nos mandou seu Filho Único para nos libertar de todos os males.

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