“JESUS CUROU MUITAS PESSOAS DE DIVERSAS DOENÇAS” (Mc 1,34).
Diácono Milton Restivo
A primeira leitura desta liturgia traz-nos o livro de
Jó.
O livro de Jó é bastante polêmico, principalmente pela
época em que fora escrito considerando que, para o povo do Antigo Testamento existia
a doutrina tradicional da retribuição, ou seja, a riqueza material era sinal de
que, quem a tivesse era porque era cumpridor da lei, e Yahweh assim retribuía a
quem lhe fosse fiel. Quem era pobre seria porque era descumpridor da lei, e
Yahweh o punia com a pobreza e a doença, assim, da mesma forma, quem tinha
saúde era uma retribuição de Yahweh, quem era doente era por castigo por sua
infidelidade. A questão do sofrimento dos justos é tema central da narrativa
deste livro.
No livro de Jó o personagem é descrito como sendo um
homem rico e justo. Ninguém acreditava que os justos pudessem sofrer, ficar
doentes ou pobres. Se alguém sofresse doenças, infortúnios, pobreza, era sinal
de que havia cometido um pecado grave e estava sendo punido por Yahweh de
conformidade com a crença popular: “aqui se faz, aqui se paga”.
Jó foi colocado à prova, Yahweh tirou dele toda sua família,
sete filhos e três filhas, todo seu rebanho, suas propriedades e até a sua
saúde, fazendo-o leproso e desprezado até pelos que antes o tinham em alto
estima. Ainda hoje, nos nossos dias, essa doutrina da retribuição está em
vigência em muitas igrejas que se dizem cristãs: se pagar o dízimo corretamente
e em dia, conforme os dirigentes dessas igrejas determinam, Deus vai cumular o
fiel de riqueza, saúde e prosperidade, casa, carro, pagamentos de dívidas, como
se Deus necessitasse do nosso dinheiro para nos cumular de graças e amor. Tal
atitude não passa de uma tentativa de comercializar com Deus: pago o dízimo à
minha igreja e Deus me faz rico, próspero, com saúde e sem dívidas.
Jó não havia cometido pecado e, mesmo no mais profundo
dos infortúnios, continuou fiel a Yahweh, não aceitando a hipótese de que
tivesse sido castigado por Yahweh porque havia cometido um pecado grave. Deus
não impede que passemos por provações; afinal, são elas que mostrarão o tamanho
da nossa fé e a confiança que temos em Deus que é Pai. Quando superamos essas
provações e olhamos para o passado, vemos que esses foram tempo de aprendizado
e fortalecimento na fé, e entendemos que as adversidades podem ser um sinal do
amor do Pai para com seus filhos.
O Salmo convida os fiéis a louvar a Yahweh porque “o
nosso Deus merece harmonioso louvor” Sl 146 (147),1). Este Salmo mostra
todo amor e cuidado que Yahweh tem por aqueles que nele confia: “Yahweh
reconstrói Jerusalém, reúne os exilados de Israel. Cura os corações
despedaçados e cuida dos seus ferimentos. [...] Yahweh sustenta os
pobres e rebaixa os injustos até o chão. [...] Yahweh aprecia aqueles
que o temem, aqueles que esperam por seu amor.” (Sl 147 (146),2.6.11).
Na segunda leitura Paulo deixa claro porque prega o
Evangelho de Jesus Cristo: “Pregar o evangelho não é para mim motivo de
glória, é antes uma necessidade para mim, uma imposição. Ai de mim se eu não
pregar o evangelho!” (1Cor 9,16).
Paulo insiste em dizer que não espera recompensa
nenhuma por pregar o evangelho porque, para ele, pregar o Evangelho “é uma
necessidade... uma imposição”, não é mais do que obrigação, e isso ele o
faz “por iniciativa própria”, sem ter a preocupação de receber por isso
qualquer mérito ou recompensa porque, por melhor que façamos as coisas de Deus
ainda somos inaptos, ineptos, inúteis e falhos, como disse Jesus: “Assim
também vocês: quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam:
‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’.” (Lc 17,10).
Este ano litúrgico que vivemos traz-nos o Evangelho de
Marcos para ser lido e meditado.
Marcos é um dos evangelhos chamados “sinóticos”,
juntamente com Mateus e Lucas. Sinóticos quer dizer: evangelhos vistos por uma
mesma ótica.
Dentre os quatro Evangelhos, o de Marcos é o mais enxuto
e direto, também chamado de Evangelho catequético e inicia mostrando que o seu
objetivo é responder à pergunta: “Quem é Jesus?”, e isso ele já deixa claro já
no seu início: “Começo da Boa Nova de Jesus, o Messias, o Filho de Deus” (Mc
1,1), e depois em 3,11, 8,29, 14,61 e 15,39.
Marcos quer deixar claro que “Jesus é o Messias, o
Filho de Deus”, revelando sua condição divina, demonstrando que os milagres
realizados por Jesus asseguravam ser ele o Messias prometido.
Os dezenove milagres
registrados em seu curto livro demonstram o poder sobrenatural de Jesus. Oito
deles provam seu poder sobre as enfermidades. Cinco demonstram seu poder sobre
a natureza. Quatro demonstram sua autoridade sobre os demônios e dois
demonstram sua vitória sobre a morte. Marcos escreveu seu Evangelho com o
objetivo de encorajar os cristãos romanos perseguidos, mostrando, também,
Cristo como um servo em ação: “Porque o Filho do Homem não veio para ser
servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de
muitos” (Mc 10,45), identificando-o com “o servo do Senhor” citado por
Isaias: “Vejam o meu servo, a quem eu sustento: ele é o meu escolhido, nele
tenho todo o meu agrado”. (Is 42,1). As narrativas mostram sempre Jesus
agindo, fazendo milagres, curando, viajando, pregando, enfim, servindo.
O Evangelho segundo Marcos é o
mais simples dos Evangelhos, o mais curto com apenas 16 capítulos e, apesar de
ser apresentado como o segundo escrito no Novo Testamento, foi o primeiro
Evangelho a ser escrito que, além de encorajar os cristãos romanos perseguidos,
tinha por objetivo ajudar os indecisos e incrédulos a chegar até Jesus.
A leitura do Evangelho desta
liturgia narra a passagem em que Jesus, após um dia
cansativo de pregações e atendimento aos necessitados, procura descanso na casa
de Simão (Pedro) e André: "E logo,
ao sair da sinagoga, foi à casa de Simão e André, com Tiago e João; a sogra de
Simão estava de cama com febre, e eles imediatamente o mencionaram a
Jesus. Aproximando-se, ele, a tomou pela
mão e a fez levantar-se. A febre a deixou e ela se pôs a servi-los." (Mc
1, 29-31). Esta passagem encontra-se também nos Evangelhos de Mateus 8,14-15 e
Lucas 4,38-39.
Se Pedro tinha sogra, com certeza, tinha esposa. Nos
ensinamentos de Jesus não há qualquer chamada de atenção sobre a incompatibilidade
entre a vocação religiosa e o matrimônio. Com certeza, muitos outros apóstolos
eram também casados. Isso afirma Paulo na sua primeira carta aos coríntios: “Não
temos direito de levar conosco, nas viagens, uma esposa cristã, como os outros
apóstolos e os irmãos do Senhor e Cefas?” (1Cor 9,5 da Bíblia de Jerusalém,
edição de 1998 – Paulus 2002).
A sogra de Simão Pedro estava doente e Jesus aproximou-se
dela. Tomou-a pela mão e a fez levantar-se da cama, já curada. A febre passou
imediatamente e ela, já recuperada de sua doença, prontamente e agradecida, pôs-se
a servi-los. Este atendimento a um doente feito por Jesus, recuperando-lhe a
saúde, foi presenciado por poucas pessoas e sob o teto da casa de Pedro. Jesus,
ao ver a mulher acamada, num gesto de carinho, solidariedade e amor, estendeu-lhe
a mão, e ao toque de sua mão, a doente deixa de ter febre imediatamente e
levanta-se do leito e, em sinal de retribuição ao gesto amoroso de Jesus, a
mulher passa a servi-lo.
A presença de Jesus vale mais que qualquer remédio
para curar os males que afetam os homens. Bastou que Jesus estendesse sua mão e
segurasse a mão da sogra de Simão Pedro para que ela ficasse curada de sua
doença. Quantas vezes estamos doentes na fé, descrentes da vida. Quantas vezes
estamos debilitados, desanimados, cansados, descrentes, e Jesus vem ao nosso
encontro e nos estende a mão e nos sentimos novamente fortes e revitalizados na
nossa fé, na nossa vida e ganhamos novas forças para servirmos a Deus e aos
irmãos. Quantas vezes estamos descrentes da vida e não ligamos para mais nada e
eis que, de repente, surge Jesus que nos estende a mão, toca-nos, nos chama à
realidade, levanta-nos de nossa apatia e ai encontramos forças para
continuarmos a servir, como aconteceu com a sogra de Simão Pedro que, depois de
ser curada de sua doença, ela se pôs a servi-los. Jesus é, além de médico,
remédio para todas as doenças da alma que originam a maior parte das doenças do
corpo porque "As pessoas que tem
saúde não precisam de médico, mas só as que estão doentes. Eu não vim para
chamar justos, e sim pecadores." (Mc 2, 17), e essa afirmativa de
Jesus nos tranquiliza ainda mais: “...
não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo." (Jo, 12,47).
Quando Jesus faz-se presente em nossa vida, as coisas
boas acontecem. Jesus está sempre a postos para a sua missão de libertar o
homem de todos os males que o afligem. Jesus sempre se faz presente na luta
contra a injustiça, contra a doença, contra o mal, seja ele ou ela qual for. Com
Jesus presente encontramos forças renovadas para continuarmos na nossa
caminhada rumo a casa do Pai.
Assim como fez com a sogra de Simão Pedro, Jesus
segura na nossa mão e nos faz levantar das nossas quedas, do nosso desânimo, do
nosso comodismo, revitaliza a nossa fé. A presença de Jesus é quem nos dá
forças para continuarmos firmes na fé e a servir os irmãos. O que precisamos é
acreditar mais na presença de Jesus ao nosso lado, na nossa vida, animando-nos,
ajudando-nos a enfrentar todos os obstáculos que a existência nos impõe.
Jesus é o melhor e mais honesto dos amigos que
possamos ter; é infinitamente melhor que o nosso melhor amigo. Jesus não nos
abandona em momento algum da nossa vida, ainda que o abandonemos, e isso
fazemos quase sempre. Nas mãos de Jesus está o poder de libertar. Em nossas
mãos está o poder de decidir, de escolher, de aceitar a libertação que nos é
oferecida por Jesus.
Pouco adianta Jesus querer nos libertar se não
colaborarmos com ele. Jesus não força, não empurra, não obriga; ele só ajuda, e
com muito amor e carinho, os que estão dispostos a sair do estado letárgico do
comodismo, da falta de fé, do desânimo. Jesus não nos obriga, mas nos deixa
este convite: "Se alguém quer vir
após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me", que precede
essa advertência: “... pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai
perdê-la", seguida deste consolo:
“... mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la.",
e com essa recomendação: "De fato,
que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, mas arruinar a sua vida? Ou
que poderá dar o homem em troca de sua vida?", e termina com essa
consolação: "Pois o Filho do Homem
há de vir na glória de seu Pai, com os seus Anjos, e então retribuirá a cada um
de acordo com o seu comportamento", (Mt 16,24-27).
Quem não atende ao convite de Jesus é porque quer
continuar doente e escravo: escravo do sexo, escravo da luxúria, escravo da
riqueza, escravo do egoísmo, escravo de todos os pecados capitais que possam
existir. Se alguém ainda não conseguiu libertar-se de todas as doenças do corpo
e da alma não é porque Jesus deixou de lhe estender a mão, mas porque preferiu
continuar na escravidão rejeitando a mão estendida de Jesus. Jesus é o remédio
para todos os males. Jesus é o nosso Libertador; somente por ele seremos livres
de tudo o que nos oprime e nos escraviza.
Dando sequência à sua narrativa o Evangelista diz que: "Ao entardecer, quando o sol se pôs,
trouxeram-lhe todos os que estavam enfermos e endemoniados. E a cidade inteira
aglomerou-se à porta. E ele curou muitos doentes de diversas enfermidades e
expulsou muitos demônios." (Mc 1, 32-34). Mas o comum ao tempo dos apóstolos e
de Jesus, era que os enfermos fossem considerados “possuídos por maus
espíritos”. Os alijados, excluídos, não se atreviam a aproximar-se de quem quer
que seja, pois eram considerados amaldiçoados por Yahweh.
No Antigo Testamento a doença era
tratada como sinal de impureza ou pecado cometido pelo doente, e a regra era
uma só: discriminar o doente e privá-lo do convívio social, caso típico dos
leprosos. Os membros sadios da sociedade não olhavam e nem se aproximavam
desses desgraçados. Jesus, contrariando expectativas de ambos os lados, ignorava
as regras, dispunha-se a servir os marginalizados com dedicação e cuidado, para
curá-los. Quando estava à mesa com os pecadores públicos na casa de Mateus e
por ser recriminado por estar ceiando com pessoas que eram discriminadas pelos
doutores da Lei que se julgavam santos pela suas atitudes por isso Jesus disse
para que veio: “As pessoas que tem saúde não precisam de médico, mas
só as que estão doentes. Eu não vim para chamar justos, e sim pecadores.” (Mc 2, 17; Mt 9,12; Lc 5,31).
Paulo escreve aos Colossenses, dizendo: “Meus
irmãos, agora eu me alegro de sofrer por vocês e vou completando na minha
própria carne o que falta aos sofrimentos de Jesus Cristo a favor do seu corpo,
que é a Igreja.” (Cl 1, 24). Essa frase de Paulo cabe certinho na boca dos
doentes, dos nossos irmãos e irmãs que estão passando por algum problema de
saúde, que estão hospitalizados, acamados em tratamento médico. Todos os
doentes sofrem de uma maneira ou de outra. E seria tão bom que todos os doentes
dissessem como disse Paulo: “eu me alegro
de sofrer... porque vou completando na minha carne o que falta aos sofrimentos
de Jesus Cristo a favor da sua Igreja.”. Os doentes são os companheiros de
Jesus Cristo a caminho do Calvário, ajudando-o carregar a sua cruz. Os doentes
são os participantes da agonia da cruz. Os sofrimentos dos doentes são a participação
dos sofrimentos de Jesus para a total salvação de todo o gênero humano. Os
doentes são o corpo flagelado de Jesus; são a cabeça coroada de espinhos de
Jesus; são o coração sacrossanto de Jesus traspassado pela lança. Os doentes
sofrem, e esse sofrimento complementa o sofrimento de Jesus para a salvação de
todos os homens. São para esses que Jesus estende a mão, buscando, se não a
cura da enfermidade física, dar-lhe o conforto por ser-lhe um companheiro na
sua missão de ser o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
A doença, apesar de ser um mal, é também um meio de
santificação; pela doença chegamos à conclusão de que nada somos e nada podemos
se não tivermos fé, porque: "Tudo é possível àquele que crê."
(Mc 9,23) e "Para Deus, com efeito,
nada é impossível." (Lc
1,37), e amparados pela nossa fé concluímos que, sem Jesus Cristo nada somos e
nada podemos "Porque sem mim,
nada podeis." (Jo 15,5).
Ao entardecer e anoitecer de nossas vidas, ao
pôr-do-sol de nossa existência, procuremos Jesus, vejamos em qual casa ele
possa estar e peçamos-lhe que nos cure das doenças do corpo e, principalmente,
das doenças da alma, para sermos livres e livres das ilusões e vaidades do
mundo possamos adorar ao Senhor Nosso Deus e Criador, adorar ao Deus de
Misericórdia que nos mandou seu Filho Único para nos libertar de todos os
males.
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