MEDO DE DEUS
A professora
conversa com aluninhos sobre tema para eles importante. “Vamos ver: do que é
que vocês mais têm medo?”. A pergunta é o tiro de largada para um desfile de
variados tipos de receios. Com maior ou menor intensidade, a sala inteira
admite sentir algum. Ou de quarto escuro, ou de ladrão, de defunto, cachorro,
sapo, barata, fantasma ou do mendigo barbudo que, às vezes, vem remexer no
contêiner de lixo da escola. Prosaicos temores próprios da idade.
Até que uma
garotinha de assustados olhos negros sai com esta: “Eu morro de medo do
malamém”. “Malamém? O que é isso, querida?”, surpreende-se a professora. E a
menina: “Ah, tia, o que é eu não sei, não. Mas acho que é um bicho muito ruim.
Porque, toda noite, quando vou dormir, minha mãe me faz rezar uma oração que
fala assim: Mas livrai-nos do malamém”. Chiste à parte convém refletir. O medo
angustia e fragiliza uma criança.
“Medo de Deus é o que mais estressa crianças”
estampava manchete da Folha de São Paulo, há mais de dez anos. Os
subtítulos que, a seguir, dividiam a matéria, eram esclarecedores (ou
estarrecedores?): “Crianças relacionam Deus a azares diários”, “Pavor atinge
ricos e pobres”, “Deus virou bicho-papão, diz psicóloga”. Não há nenhum indício
de que, de lá para cá, as coisas tenham mudado. Se alguém levantasse hoje os
dados, não sei se chegaria a resultado diferente.
A ser verdade
tudo isso ─ e não há razão para crer que não o seja ─, algo de grave anda
acontecendo, já faz tempo, com as noções que, por esse Brasil afora, são
passadas às novas gerações. Ou o universo das crianças pesquisadas deixou de
receber formação catequética ou o seu ensino religioso foi profundamente falho.
Qualquer que
seja a causa, em nada ajuda agora discutir a quem creditar a culpa. A única
providência acertada é trabalhar para resolver o problema. É fundamental que as
mentes infantis, no período em que se constroem convicções para toda a vida,
sejam abastecidas com informações verdadeiras. Ao mesmo tempo sejam
fortalecidas, por parte dos adultos, com exemplos positivos.
Quem deve
preocupar-se, antes de tudo, são os pais. Que experiência de fé vêm
transmitindo aos filhos? Que práticas religiosas a expressam? Que conteúdo
doutrinário a sustenta? No passado, para obter obediência, era comum pais
fracos recorrerem a ameaças de castigo divino. O resultado é sobejamente
conhecido: a primeira noção de Deus, impressa na matriz virgem da compreensão
infantil, é a do justiceiro implacável, do tirano feroz e vingativo, que
distribui castigos como paga dos seus erros de criança. Será que não continuam,
ainda hoje, a existir pais desse estilo? A impressão é que sim.
A catequese
infantil prestada pelas igrejas pouco pode fazer no coração de uma criança cuja
família já estragou com desvios de informação ou de comportamento. É ilusão
imaginar que igreja (católica ou outra) possa consertar erros teológicos
plantados pelos pais.
Família nenhuma
pode descurar a absoluta necessidade de cumprir sua missão educadora também no
campo da fé. O que se vive dentro de casa determina (no mínimo, influencia
decisivamente) o que os filhos serão pela vida inteira.
Com proverbial
sabedoria diziam os antigos que “educação vem do berço”. É verdade. Aos
esquecidos não custa lembrar: inclusive educação da fé e sadia formação
religiosa.
Padre Orivaldo Robles é
sacerdote na Arquidiocese de Maringá
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