domingo, 15 de fevereiro de 2015

MEDO DE DEUS

MEDO DE DEUS


A professora conversa com aluninhos sobre tema para eles importante. “Vamos ver: do que é que vocês mais têm medo?”. A pergunta é o tiro de largada para um desfile de variados tipos de receios. Com maior ou menor intensidade, a sala inteira admite sentir algum. Ou de quarto escuro, ou de ladrão, de defunto, cachorro, sapo, barata, fantasma ou do mendigo barbudo que, às vezes, vem remexer no contêiner de lixo da escola. Prosaicos temores próprios da idade.
Até que uma garotinha de assustados olhos negros sai com esta: “Eu morro de medo do malamém”. “Malamém? O que é isso, querida?”, surpreende-se a professora. E a menina: “Ah, tia, o que é eu não sei, não. Mas acho que é um bicho muito ruim. Porque, toda noite, quando vou dormir, minha mãe me faz rezar uma oração que fala assim: Mas livrai-nos do malamém”. Chiste à parte convém refletir. O medo angustia e fragiliza uma criança.
          “Medo de Deus é o que mais estressa crianças” estampava manchete da Folha de São Paulo, há mais de dez anos. Os subtítulos que, a seguir, dividiam a matéria, eram esclarecedores (ou estarrecedores?): “Crianças relacionam Deus a azares diários”, “Pavor atinge ricos e pobres”, “Deus virou bicho-papão, diz psicóloga”. Não há nenhum indício de que, de lá para cá, as coisas tenham mudado. Se alguém levantasse hoje os dados, não sei se chegaria a resultado diferente.
A ser verdade tudo isso ─ e não há razão para crer que não o seja ─, algo de grave anda acontecendo, já faz tempo, com as noções que, por esse Brasil afora, são passadas às novas gerações. Ou o universo das crianças pesquisadas deixou de receber formação catequética ou o seu ensino religioso foi profundamente falho.
Qualquer que seja a causa, em nada ajuda agora discutir a quem creditar a culpa. A única providência acertada é trabalhar para resolver o problema. É fundamental que as mentes infantis, no período em que se constroem convicções para toda a vida, sejam abastecidas com informações verdadeiras. Ao mesmo tempo sejam fortalecidas, por parte dos adultos, com exemplos positivos.
Quem deve preocupar-se, antes de tudo, são os pais. Que experiência de fé vêm transmitindo aos filhos? Que práticas religiosas a expressam? Que conteúdo doutrinário a sustenta? No passado, para obter obediência, era comum pais fracos recorrerem a ameaças de castigo divino. O resultado é sobejamente conhecido: a primeira noção de Deus, impressa na matriz virgem da compreensão infantil, é a do justiceiro implacável, do tirano feroz e vingativo, que distribui castigos como paga dos seus erros de criança. Será que não continuam, ainda hoje, a existir pais desse estilo? A impressão é que sim.
A catequese infantil prestada pelas igrejas pouco pode fazer no coração de uma criança cuja família já estragou com desvios de informação ou de comportamento. É ilusão imaginar que igreja (católica ou outra) possa consertar erros teológicos plantados pelos pais.
Família nenhuma pode descurar a absoluta necessidade de cumprir sua missão educadora também no campo da fé. O que se vive dentro de casa determina (no mínimo, influencia decisivamente) o que os filhos serão pela vida inteira.
Com proverbial sabedoria diziam os antigos que “educação vem do berço”. É verdade. Aos esquecidos não custa lembrar: inclusive educação da fé e sadia formação religiosa.
Padre Orivaldo Robles é sacerdote na Arquidiocese de Maringá

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