XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – Verde; Leituras: Ez 18,25-28; Sl 24 (25); Fl 2,1-11; Mt 21,28-32.
“OS COBRADORES DE IMPOSTOS E AS PROSTITUTAS VÃO ENTRAR ANTES QUE VOCÊS NO REINO DOS CÉUS.” (Mt 21,21b).
Diácono Milton Restivo
O profeta Ezequiel, a quem pertence a primeira leitura desta celebração, foi um sacerdote judeu que foi exilado juntamente com uma parte de seu povo para as terras da Babilônia. É um dos profetas que recebeu o mais alto grau de inspiração e procurou transmitir textualmente o que ouviu de Yahweh, e é comum nos seus escritos afirmar: “Assim diz o Senhor Yahweh” (cf Ez 5,8; 7,2.5 e outros), ou “oráculo do Senhor Yahweh” (cf Ez 5,11 e outros). Na leitura de hoje e, estendendo mais um pouco neste mesmo capítulo, dos versículos 20 a 32, Yahweh passa a Ezequiel a responsabilidade pessoal que todos devem ter uns com os outros.
Como podemos observar, já estamos na reta final do fim de mais um ano litúrgico e as leituras citadas para esses últimos domingos possuem uma conotação de chamado ao arrependimento e retorno ao convívio com o Pai, como forma de realização do potencial humano.
A justiça de Deus não se pode separar da sua misericórdia. O arrependimento e a conversão atraem a justiça e a misericórdia de Deus. Se o homem se arrepende, Deus aplica nele muito mais a sua misericórdia do que a justiça; se o homem permanece no pecado está condenado pelas suas próprias atitudes, e ai a justiça de Deus se faz sentir. A respeito disso, assim se expressa Tiago em sua carta: “Falem e ajam como pessoas que vão ser julgadas pela lei da liberdade, porque o julgamento será sem misericórdia para quem não tiver agido com misericórdia. Os misericordiosos não têm motivo de temer o julgamento.” (Tg 2,12-13).
Ezequiel acentua que a misericórdia do Senhor acompanha o povo exilado na Babilônia. A palavra de Deus possibilita um novo começo, a “metanóia”, palavra grega que significa arrependimento, conversão, tanto espiritual como intelectual, ou seja, mudança de direção, de mente, de vida e de mentalidade. Foi exatamente isso que João Batista pregava aos que se achegavam a ele: “Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo” (Mt 3,2), a mesma exortação repetida por Jesus em Mateus 4,17, ordem que foi dada taxativamente por Jesus aos seus discípulos, quando disse: “Vão e anunciem: o Reino do Céu está próximo” (Mt 10,7) e que, mais tarde, Pedro, depois de haver recebido o Espírito Santo, proclamou bem alto e de bom som em praça pública: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados.” (At 2,38a). A liturgia de hoje versa sobre o arrependimento e conversão.
Ezequiel transmite as palavras de Yahweh que não quer que o justo se desvie do caminho para não ser penalizado e que “quando o injusto renuncia a sua injustiça e começa a praticar o direito e a justiça, ele está salvando a própria vida. Se ele perceber todo o mal que vinha praticando, viverá, e não morrerá.” (Ez 18,27-28). Yahweh continua dizendo por Ezequiel no mesmo texto – que não está contido na leitura de hoje -: “Convertam-se e abandonem toda injustiça, e a injustiça não provocará mais a ruína de vocês. Libertem-se de todas as injustiças cometidas e formem um coração novo e um espírito novo”. (Ez 18,30b-31a). A respeito disso Paulo enfatiza que conversão é a transformação da pessoa em nova criatura e a leva a se incorporar em Cristo: “Se alguém está em Cristo, é nova criatura. As coisas antigas passaram; eis que uma realidade nova apareceu.” (2Cor 5,17). Na carta aos filipenses Paulo deixa claro como Jesus se humilhou para a salvação de todos os homens e incentiva ao abandono do orgulho, da competição, do desejo de receber elogios e “que cada um procure, não o próprio interesse, mas o interesse dos outros. Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo... [...] que humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.” (Fl 2,4-5.8). Jesus nos dá o exemplo, tornando-se servo, esvaziando-se por amor a nós até o extremo da cruz.
A sequência do Evangelho de Mateus na liturgia, passa do capítulo 18 para o 21, isto é, estão sendo ignorados os capítulos 19 e 20. Pode-se dizer que o capítulo 21 de Mateus é o início do fim, isto é, Jesus entra triunfalmente em Jerusalém aclamado pelo povo como um rei, dando início à semana de sua morte (Mt 21,1-11). Entrando em Jerusalém, Jesus dirige-se ao Templo, de onde expulsa os vendilhões e purifica o ambiente, realizando ali muitos milagres (Mt 21,12-14), provocando, dessa maneira, a indignação dos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei “quando viram as maravilhas que Jesus fazia” e também porque as crianças recepcionaram com alegria a Jesus chamando-o de “Filho de Davi” (Mt 21,15-17). No final da tarde deste mesmo dia Jesus vai para Betânia para ali passar a noite, possivelmente na casa dos irmãos Marta, Lázaro e Maria e, na manhã seguinte, quando retornava para Jerusalém, destrói a figueira infrutífera (Mt 21,18-22). Essas atitudes de Jesus recrudescem a ira e provoca publicamente a oposição das autoridades civis e religiosas dos judeus, a quem Jesus desafia respondendo a uma pergunta das autoridades com outra pergunta, que os deixa calados (Mt 21,14,23-27). A partir daí Jesus conta três parábolas: a dos dois filhos do dono da vinha (Mt 21,2832); a dos cuidadores infiéis da vinha (Mt 21,33-41), e a da pedra angular (Mt 21,42-44) e, encerrando esse capítulo “Os chefes dos sacerdotes e os fariseus ouviram as parábolas de Jesus, e compreenderam que estava falando deles. Procuraram prender Jesus, mas ficaram com medo das multidões, pois elas consideravam Jesus um profeta.” (Mt 21,45-46).
A liturgia de hoje aborda a parábola dos dois filhos do dono da vinha. Vinha é o terreno de plantação de videiras. Juntamente com a oliveira e a figueira, a videira é usada no Antigo Testamento para simbolizar a fertilidade da terra (Dt 6,11; Js 24,13).
Na Sagrada Escritura a figura da vinha retrata o povo de Israel, ou seja, o cuidado que o proprietário sempre dedicou à vinha é o mesmo amor que Yahweh dedica ao seu povo. A imagem da vinha é uma constante na Sagrada Escritura. A vinha, ou videira era símbolo de prosperidade e de paz entre os antigos hebreus. O povo israelita era a videira que Yahweh havia tirado do Egito e plantado numa terra escolhida: “A vinha de Yahweh dos exércitos é a casa de Israel, e sua plantação preferida são os homens de Judá.” (Is 5,7a). Mas Israel não correspondeu aos anseios de Yahweh: “Eu esperava dele o direito, e produziram injustiças; esperava justiça, e ai estão gritos de desespero.” (Is 5,7b). Receberam toda a atenção necessária para que produzissem frutos extraordinários, mas deram apenas “uvas bravas”: “Eu havia plantado você como lavoura especial, com mudas legítimas. E como é que você se transformou em ramos degenerados de vinha sem qualidade?” (Jr 2,21). Os pastores a quem Yahweh havia confiado a sua vinha a devastaram e a transformaram num deserto desolado: “Muitos pastores devastaram a minha vinha e pisotearam a minha propriedade; transformaram minha propriedade querida num deserto desolado; dela fizeram um lugar devastado, e a deixaram em um estado deplorável; está desolada diante de mim; o país inteiro foi devastado, e ninguém se preocupa com isso.” (Jr 12,10-11).
O profeta Ezequiel diz que Yahweh fará com o povo infiel o mesmo que fez com a vinha silvestre: colocará fogo (Ez 15,1-8), e que a vinha boa, se não for bem cuidada seca e seus frutos despencam (Ez 19,10-14). O Salmo 80 (79) fala melancolicamente da videira que Yahweh tirou do Egito e que depois foi descuidada e arrasada (Sl 80 (79),9-17). Jesus usa, em várias ocasiões, a figura da videira como parábola do reino (Mt 20,1-8, 21,28-31, 21,33-41), e também nas suas comparações (Jo 15,1ss). As imagens da videira simbolizavam o fracasso de Israel em cumprir as expectativas do Senhor (Os 10,1-2). Quando Jesus fala da vinha, deixa claro que Israel errou muito e falhou em sua missão de produzir fruto. Deveria ser bênção para as nações, mas falhou em sua missão como povo de Deus. Por isso, na parábola dos dois filhos do dono da vinha, Jesus aponta com o dedo em riste para as autoridades religiosas judaicas, acusando-as de serem as responsáveis pelo declínio do povo, o que foi entendido pelas autoridades: “Os chefes dos sacerdotes e os fariseus ouviram as parábolas de Jesus, e compreenderam que estava falando deles.” (Mt 21,45).
A videira no Antigo Testamento é o povo Israel; a videira do Novo Testamento é Jesus Cristo e os seus ramos são seus discípulos (cf Jo 15,1ss). No Antigo Testamento Yahweh plantou uma vinha: Israel. Mas, lamentavelmente, o povo escolhido não deu os frutos esperados pelo supremo agricultor. Deus, por não ter alcançado os objetivos propostos com a vinha do Antigo Testamento, plantou uma nova videira no mundo, Jesus Cristo. Nesta verdadeira videira o Pai enxertou ramos que recebem seiva do tronco da videira, a cepa, Jesus, para frutificarem. Estes, porém, só têm uma chance de serem produtivos: permanecendo na videira: “Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, o Pai o corta. Os ramos que dão fruto, ele os poda para que dêem mais fruto ainda. [...] O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto. Vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim. Eu sou a videira e vocês são os ramos.” (Jo 15,1-2.4b-5a). Jesus usava sempre recursos de linguagem e de costume da época para facilitar a compreensão dos seus ensinos. Jesus, no Evangelho segundo João 15,1-6, proclama que ele é a verdadeira videira e que os homens não podem pretender ser a videira de Deus se não permanecerem nele. De outra forma, não passam de galhos secos que só servem para ser lançados ao fogo. Como a videira do Antigo Testamento não alcançou os objetivos a ela atribuídos por Yahweh, Jesus se proclama a verdadeira videira do Novo Testamento, através da qual Deus completará a salvação a todos os homens prometida desde a queda do homem no paraíso (cf Gn 3,15). Em Mateus 21,28-46 a videira, na parábola dos vinhateiros homicidas, designa o reino de Deus que, inicialmente confiado aos judeus, será passado a outros.
Ao ver a relutância das autoridades religiosas judaicas em receber a salvação personificada no Messias, Jesus lhes conta a parábola dos dois filhos do dono da vinha. A parábola é muito simples. Jesus se dirige, de forma provocadora, às lideranças político-econômicas e religiosas do tempo, perguntando: “O que vocês acham disso?” (Mt 21,28). Ao responderem à parábola, eles serão forçados a se posicionar e, consequentemente, acabam emitindo a própria sentença.
Jesus começa a parábola dizendo que o dono da vinha tinha dois filhos, e diz ao filho mais velho: “Filho, vá trabalhar hoje na vinha.” (Mt 21,28). Para cuidar da vinha e ter o cuidado que ela precisa e merece, o dono da vinha manda seu filho, a quem julga que tenha responsabilidade para cuidar daquilo que o pai dedica tanto carinho. A ordem é taxativa: “vá”. A ordem de trabalhar na vinha exige submissão e obediência irrestrita, e não somente isso, mas urgência, por isso o pai diz: “hoje”. “O filho respondeu: ‘não quero’. Mas depois arrependeu-se e foi.” (Mt 21,29). O filho mais velho, a princípio, se negou a ir, reconsiderou a sua atitude, arrependeu-se e foi trabalhar na vinha. Arrependimento significa um redirecionamento da vontade humana. Assim, este filho, embora a princípio não quisesse fazer a vontade do pai, arrependido, mudou de posição.
Em seguida o pai dirige-se ao filho mais novo e lhe diz a mesma coisa, que respondeu: “Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi.” (Mt 21,30). O filho mais novo é cheio de etiquetas, e responde impulsivamente: “Sim, senhor, eu vou”, mas acaba não indo trabalhar na vinha.
Esta parábola foi dirigida diretamente às autoridades religiosas dos judeus, os mais esclarecidos do povo, mostrando que eles, quando convocados por Yahweh para cuidar de sua vinha, de seu povo, dizem "sim" de fachada, da boca pra fora, mas no coração estão longe de cumprir a sua Lei e a sua vontade! Estão longe de envolver-se totalmente com Deus!
E Jesus pergunta: “Qual dos dois fez a vontade do Pai’? Os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo responderam: ‘O filho mais velho’.” (Mt 21,31a). E Jesus dá um veredicto aterrador: “Pois eu garanto a vocês: os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes que vocês no Reino dos Céus. Porque João (Batista) veio até vocês para mostrar o caminho da justiça, e vocês não acreditaram nele. Os cobradores de impostos e as prostitutas acreditaram nele. Vocês, porém, vendo isso, não se arrependeram para acreditar nele.” (Mt 21,31b-32).
Os publicanos eram odiados pelos judeus porque eram tidos como ladrões e traidores da pátria por cobrarem impostos do povo para os inimigos dominadores, os romanos, e eram malditos e, segundo a concepção deles, jamais conseguiriam entrar no Reino do Céu. As prostitutas, segundo a Lei de Moisés, eram a pior espécie das mulheres e a Lei mandava apedrejá-las em praça pública (cf Jo 8,1-11). Mas Jesus deixa claro que essas duas classes de pessoas atenderam as admoestações de João Batista e mudaram de vida e mentalidade, enquanto que as autoridades judaicas, apesar de conhecerem João Batista, não levaram em consideração às suas chamadas de atenção: “Porque João (Batista) veio até vocês para mostrar o caminho da justiça, e vocês não acreditaram nele. Os cobradores de impostos e as prostitutas acreditaram nele. Vocês, porém, vendo isso, não se arrependeram para acreditar nele.” (Mt 21,32).
Os escribas e fariseus, que tinham a tarefa de esclarecer o povo e norteá-lo no caminho da verdade, do amor e do cumprimento do dever, e de quem o Pai esperava a execução da sua vontade soberana, decapitaram João Batista, perseguiram os Apóstolos e crucificaram o próprio Cristo, deixando assim de satisfazer os compromissos assumidos. Tudo isso fez com que o Jesus, dirigindo-se a estes últimos, proferisse a célebre sentença: “Os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes que vocês no Reino dos Céus.” (Mt 21,21b).
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