XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – verde; Leituras: Jr 20,7-9; Sl 62 (63); Rm 12,1-2; Mt 16,21-27.
“SE ALGUÉM QUER ME SEGUIR, RENUNCIE A SI MESMO, TOME A SUA CRUZ E ME SIGA”. (Mt 16,24).
Diácono Milton Restivo
O profeta Jeremias é o escritor sagrado da primeira leitura deste domingo. Jeremias e Oséias foram os dois profetas mais radicais do Antigo Testamento, pois foram os que mais perto chegaram de uma compreensão profunda das causas da opressão que o povo de Israel vivia naquele tempo e a maneira como o povo se afastava de Yahweh, muitas vezes induzido pelas autoridades civis, militares e religiosas. Como Oséias e Miquéias, Jeremias pertencia ao mundo camponês e ele aproveita muito disso para transmitir a sua mensagem com conotações das coisas do campo.
O significado do nome Jeremias é incerto; podemos citar as seguintes: “Yahweh exalta”, “Yahweh é sublime” ou “Yahweh abre (faz nascer)”. O nome Jeremias era bastante comum nos tempos bíblicos. São conhecidos nove personagens, mais ou menos importantes, com este nome.
O chamamento de Jeremias por parte de Yahweh é um dos mais belos das Sagradas Escrituras, e ele mesmo narra assim esse fato: “Recebi a palavra de Yahweh que me dizia: ‘Antes de formar você no ventre de sua mãe, eu o conheci; antes que você fosse dado à luz, eu o consagrei para eu fazer profeta das nações.” Jeremias demonstra-se surpreso e tenta se esquivar desse chamamento: “Mas eu respondi: “Ah, Senhor Yahweh, eu não sei falar, porque sou jovem.” Yahweh o tranquiliza e mantém o seu chamamento: “Yahweh, porém, me disse: ‘Não diga ‘sou jovem’, porque você irá para aqueles a quem eu mandar e anunciará aquilo que eu lhe ordenar. Não tenha medo deles, pois eu estou com você para protegê-lo’. Então Yahweh estendeu a mão, tocou em minha boca e me disse: ‘Veja: estou colocando a minhas palavras em sua boca. Hoje estabeleço você sobre as nações e reinos, para arrancar e arrasar, para demolir e destruir, para construir e plantar’.” (Jr 1,4-10). A leitura de hoje nos apresenta o profeta Jeremias cansado, desiludido. Mas, por que?
A palavra de Jeremias não é proferida num contexto de alegria, de contentamento. É mais um desabafo. Jeremias já não aguenta mais as zombarias, as chacotas, as perseguições que as autoridades e o povo lhe dirigia por ser intérprete da palavra de Yahweh: “Todos zombam de mim. Todas as vezes que falo, levanto a voz, clamando contra a maldade e invocando calamidades; a palavra do Senhor tornou-se para mim fonte de vergonha e de chacota o dia inteiro.” (Jr 20,7b-8). Jeremias demonstra que está cansado de passar vergonha por tentar transmitir a palavra de Yahweh ao povo. Repito a pergunta: por quê? Busco a resposta num sermão do Padre José Antonio de Oliveira, da Arquidiocese de Mariana, que diz que “foi Deus que seduziu Jeremias e foi mais forte que ele. O poder de Deus o dominou. Agora, já não consegue mais deixar de falar com Deus e falar de Deus aos outros. Não consegue se calar diante daqueles que desrespeitam o próximo e ferem os planos de Deus. A vocação para arrancar e destruir a maldade e, em seu lugar, plantar o bem e a justiça; o compromisso de demolir e derrubar os muros do orgulho, da prepotência, da ambição, para, em seu lugar, edificar o direito e a solidariedade; tudo isso fala mais alto que a tentação de se acomodar, conforme como disse Yahweh quando o chamou para ser profeta (cf Jr 1,10). Jeremias sente “um fogo ardente penetrar todo o corpo”, inundar seu coração (cf Jr 20,9). Um ardor que o envolve de todos os lados. A reação é um misto de raiva, por se sentir dominado, e de prazer, por experimentar a beleza de estar envolvido pelo amor de Deus”.
No Evangelho Jesus começa a falar aos seus discípulos sobre a sua paixão e morte e “que devia ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia.” (Mt 16,21). Isso assusta os discípulos. E Pedro, sempre Pedro, teve a ousadia de repreender Jesus: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te acontece.” (Mt 16,22b). Poucas vezes vemos Jesus irado, e esta foi uma das vezes que mais se irritou com a interferência inconveniente de Pedro, respondendo rispidamente a Pedro: “Fique longe de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens!”. (Mt 16,23). Jesus não poderia permitir que ninguém, nem mesmo um de seus apóstolos, interferisse nos planos do Pai; afinal das contas, foi para isso que ele veio: “para dar a sua vida como resgate em favor de muitos”. (Mt 20,28b). Quem contesta isso não passa de um servidor de Satanás que quer negar que a misericórdia do Pai se manifestou integralmente na pessoa de Jesus, e passa a ser uma pedra de tropeço a todos os que nisso acreditam. A partir daí, Jesus diz a todos qual o caminho a seguir para quem quisesse aderir a ele e à sua mensagem: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”. (Mt 16,24; Mc 8,34b; Lc 9,23). Jesus nunca escondeu nada de ninguém e para ninguém. Sempre que falava de como se deve viver para pertencer ao Reino de Deus, Jesus era claro, preciso e objetivo e jamais usou de meias palavras ou termos dúbios. Jesus faz um convite, não obriga; ele respeita o livre arbítrio de cada um e diz: “Se alguém quer me seguir”. Jesus deixa a decisão para cada um. Há a necessidade de “querer” ir após ele, e isso é uma atitude de livre e espontânea vontade.
Mas, mesmo deixando para nós a escolha de seguí-lo ou não, Jesus não se omite quanto às consequências que há de vir sobre as atitudes que venhamos a tomar, sejam boas ou más: “Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la.” (Mt 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24). O velho Simeão, quando da apresentação de Jesus, ainda bebê nos braços de sua mãe no Templo de Jerusalém, profetizou: “Eis que este menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição.” (Lc 2,34). Para a queda daqueles que virariam as costas para os seus ensinamentos e para o soerguimento dos que aderissem às suas mensagens e as vivessem intensamente, e, como um sinal de contradição, pois que, ele mesmo afirmou: “Não pensem que eu vim trazer paz à terra; eu não vim trazer a paz, e sim a espada.” (Mt 10,34). E, por essa maneira dura de falar, é que os escribas e fariseus diziam: “Ele está possuído por Belzebu.” (Mc 3,22). E por jamais omitir qualquer coisa e sempre dizer a verdade, considerando que a verdade, para quem não a assume e a nega incomoda e dói, Jesus já previa qual seria o seu fim: O Filho do Homem “devia ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia.” (Mt 16,21; Mc 8,31; Lc 9,22). E todos aqueles que se propuserem a seguir Jesus terão o mesmo destino, e isso ele não escondeu de ninguém e orientou seus seguidores, quando disse: “Eu envio vocês como ovelhas no meio de lobos. Sejam, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas. Cuidado com os homens. Eles entregarão vocês a seus tribunais e açoitarão vocês em suas sinagogas. Por minha causa vocês serão conduzidos diante dos governadores e dos reis. Assim vocês servirão de testemunho para eles e para os pagãos. Quando vocês forem presos, não se preocupem nem pela maneira, nem pelo que irão falar. Naquele momento, será inspirado o que vocês devem dizer. Porque naquele momento não serão vocês que falarão, mas o Espírito do Pai de vocês falará em vocês. O irmão entregará o seu irmão à morte, e o pai entregará o seu filho. Os filhos levantar-se-ão contra seus pais e os matarão. Vocês serão odiados por todos por causa do meu nome.” (Mt 10,16-22). Jesus é realmente motivo de contradição, conforme profetizou o velho Simeão. É até um contra-senso e incrível acreditar que, alguém que seja perseguido, injuriado, maltratado e açoitado seja bem-aventurado. Mas Jesus é o Mestre das contradições, repetindo o que disse o velho Simeão: “um sinal de contradição.” E é exatamente isso que Jesus faz e afirma: “Bem-aventurados vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês por causa de mim. Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês.” (Mt 5,11-12). Não fica por ai, e complementa: “E todo aquele que tiver deixado casas ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por causa do meu nome, receberá muito mais e herdará a vida eterna.” (Mt 19,29). E, bem por isso, Jesus determina as condições para quem quiser seguí-lo: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. Com efeito, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que o homem pode dar em troca de sua vida?”. (Mt 16,24; Mc 8,34-37; Lc 9,23). E arremata: “De fato, aquele que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e de minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele quando vier na gloria do seu Pai com os santos e anjos”. (Mc 8,38). Mas, o que quer dizer Jesus em tomar a sua cruz e seguí-lo? Será que precisamos, como ele, colocar sobre os ombros uma cruz de madeira, como ele fez, e ir atrás dele a caminho do Calvário? Não. Claro que não. Afinal das contas aquela cruz é dele e só dele. Tomar a cruz é assumir com responsabilidade, amor, dedicação e disponibilidade a sua própria vocação e seu estado de vida. Se você recebeu de Deus a vocação para o matrimônio, essa é a sua cruz: assumir com responsabilidade, fidelidade, amor e entrega total o seu casamento, como reza o juramento feito diante do altar. Tomar a cruz, em primeira instância, deve ser uma atitude espontânea e responsável, como fez Jesus, e é por isso que, na celebração do matrimônio o casal responde “sim” quando o celebrante lhe pergunta: “Vocês vieram aqui para unirem-se em matrimônio. Por isso eu lhes pergunto perante a Igreja: É de livre e espontânea vontade que vocês fazem isso?”. E o celebrante continua, perguntando: “Abraçando o matrimônio, vocês prometem amor e fidelidade um ao outro. É por toda a vida que vocês prometem?”, ao que os nubentes respondem “sim”. E não fica por ai; o celebrante continua: “vocês estão dispostos a receber com amor os filhos que Deus confiar a vocês educando-os na lei de Cristo e da Igreja?” e, novamente, os nubentes respondem “sim”. E depois, ambos, em alta voz para que todos os ouçam, se comprometem, dizendo: “Eu te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida”. Esta é a cruz para aqueles que são vocacionados para o matrimônio, para a maternidade e paternidade. Como os casados tem levado a sua cruz? Com amor? Fidelidade? Dedicação? Aceitação? Responsabilidade? Recebendo e educando os filhos na lei de Cristo e da Igreja? Renunciar-se a si mesmo é esquecer um pouco de si e buscar a realização e a felicidade do outro, e isso vale para ambos. Quantos, irresponsavelmente, deixam a sua cruz no meio do caminho... Não são dignos de Cristo. O matrimônio é apenas um modelo de cruz que pode ser apresentado para ser vivido com responsabilidade. Para aqueles que recebem o sacramento da ordem, a sua cruz é uma vida digna, voltado para os irmãos, para a Igreja, para Cristo, não querendo fazer do sacramento da ordem uma promoção pessoal. Quantos, também, que receberam o sacramento da ordem, deixam a sua cruz pelo meio do caminho... Não são dignos de Cristo. E todos aqueles e aquelas que são vocacionados para a vida religiosa. Quantos religiosos e religiosas deixam a sua cruz no caminho... Não são dignos de Cristo. Não importa qual tenha sido o estado de vida que tenhamos assumido; é essa a cruz que Deus coloca nos nossos ombros, na nossa vida, para que possamos levá-la com amor, responsabilidade e dignidade. Renunciar a si mesmo significa esquecer-se um pouco de si próprio para se lembrar do irmão necessitado e carente de... Deus... Renunciar a si mesmo significa abandonar-se à Providência Divina, conforme ensina Jesus em Mateus 6,25-34. Para cada dia bastam as suas próprias preocupações, e cada dia tem as preocupações próprias, como disse Jesus: “Não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá as suas próprias preocupações.” (Mt 6,34), por isso Jesus nos orienta para nos preocuparmos com o hoje, com o agora, com o minuto presente, pois que, o próximo minuto já poderá não nos pertencer. Se quisermos seguir Jesus, é necessário que tomemos a nossa cruz de cada dia. Geralmente achamos a nossa cruz pesada, e sempre reclamamos disso. E, bem a propósito, vale aqui registrar uma pequena estória que, com certeza você já a conhece.
Alguém vivia reclamando dos seus problemas, da sua cruz. Achava que a sua cruz era pesada demais e que as dos outros sem se comparavam com a sua por considerá-las leves. Determinado dia foi reclamar com o próprio Senhor Jesus sobre o peso de sua cruz, e Jesus, em sua infinita misericórdia e paciência, o leva até um campo onde estavam depositadas milhares de cruzes, e diz ao reclamante que escolhesse uma para si, do jeito que gostaria que fosse. O reclamante se pôs a procurar uma cruz bem leve, passando por entre gigantescas cruzes de todos os tamanhos e pesos, até encontrar uma bem pequenina que se encontrava num canto e se encaixava às suas exigências. Feliz da vida ele a pega diz para Jesus: “Senhor eu troco a minha cruz por essa.” Jesus, porém, possivelmente sorrindo com ironia e piedade, lhe diz: “Não há como trocar, meu filho, essa cruz é a sua mesmo, da qual você tanto reclama”. Veja como os teus irmãos tem cruzes muito mais pesadas que a sua, e nenhum deles vem aqui reclamar de seus pesos porque as aceitam com resignação e amor, e esses terão a sua recompensa no céu. Isso é apenas uma pequena ilustração, mas que serve para aqueles que só sabem reclamar dos seus problemas, ignorando os problemas dos irmãos, que resignadamente, aceitam as suas cruzes. A nossa cruz de cada dia é a nossa própria vida vivida minuto a minuto, com todas as suas alegrias e tristezas, realizações e frustrações, saúde e doença, felicidade e desilusões, e tudo o mais o que a vida nos oferece a cada momento. E Jesus termina o Evangelho de hoje, dizendo: “Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta.” (Mt 16,27).
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