sábado, 14 de dezembro de 2013

“É VOCÊ QUE DEVE VIR OU DEVEMOS ESPERAR POR OUTRO?”

III DOMINGO DO ADVENTO
Ano – A; Cor – roxo; Leituras: Is 35,1-6.10; Sl 145 (146); Tg 5,7-10; Mt 11,2-11.

“É VOCÊ QUE DEVE VIR OU DEVEMOS ESPERAR POR OUTRO?” (Mt 11,3).

João Batista e discípulos

Diácono Milton Restivo

A liturgia deste terceiro domingo do Advento nos traz, novamente, o profeta Isaias, que é uma figura constante neste tempo do Advento.
Isaias foi o profeta do Antigo Testamento que mais vaticínios fez a respeito do Messias, e todas confirmadas nos Evangelhos e Atos dos Apóstolos.
Assim como o tempo do Advento prepara os fiéis para a vinda de Jesus, Isaias, nesta leitura, conforta o povo israelita que estava exilado e escravizado em terras estrangeiras e vislumbra dias melhores para o povo, dizendo que Yahweh vem para salvá-los, antevendo a era messiânica que o profeta ansiava: “Fortaleçam a mão cansada, firmem os joelhos cambaleantes; digam aos corações desanimados: ‘Sejam fortes! Não tenham medo! Vejam o Deus de vocês: ele vem para vingar, ele traz um prêmio divino, ele vem para salvar vocês” (Is 35,3-4).
Isaias procura elevar a moral e a auto estima do povo escravizado dando-lhe injeções de ânimo, esperança e otimismo: “Alegrem-se o deserto e a terra seca, o campo floresça de alegria; como o narciso, cubra-se de flores transbordando de contentamento e alegria, pois lhe será dado o explendor do Líbano, a beleza do Carmelo e do Sarão” (Is 35,1-2a).
         Isaias convoca a todos para contemplar as maravilhas de Yahweh: “Todos verão a glória de Yahweh, a beleza do nosso Deus” (Is 35,2b), e descreve as maravilhas que Yahweh irá realizar no meio do povo e para a reabilitação do seu povo: “Então, os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos; os aleijados saltarão com cervo, e a língua do mudo cantará...” (Is 35,5-6a). E não somente isso, porque Yahweh vai devolver ao povo a terra que perdera pela sua infidelidade: “... jorarão águas no deserto e rios na terra seca. A terra seca se mudará em vargens e o chão seco se encherá de fontes. E onde viviam os lobos, a erva se transformará em taboa e junco” (Is 35,6b-7).
Mas Yahweh quer que seu povo volte à santidade e preparará uma estrada por onde somente deverão passar os fiéis a Yahweh: “Haverá ai uma estrada, um caminho, que chamarão de caminho santo. Impuro nenhum passará por ele, e os bobos não vão errar o caminho. Ai não haverá leão, nenhum animal selvagem poderá alcançar esse caminho. Por ele só andarão os que foram redimidos e os que foram resgatados por Yahweh” (Is 35,8-10a).
No final Isaias transcreve a alegria que o povo irá viver depois de ter sido libertado da escravidão e voltado para a sua terra de origem: “Cantando irão voltar e chegar até Sião: carregarão uma alegria sem fim e serão acompanhados de prazer e alegria; a tristeza e o pranto fugirão” (Is 35,10b).
Isaias não se contenta em somente antever e transmitir segurança, alegria e otimismo ao povo, mas profetiza que Yahweh fará realizar tudo isso e afirma, que, com o Messias, estará em plenitude o “Espírito do Senhor Yahweh”, colocando isso na boca do Prometido que haveria de vir: “O Espírito de Yahweh está sobre mim, porque Yahweh me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça de Yahweh, o dia da vingança do nosso Deus, e para consolar todos os aflitos, os aflitos de Sião, para transformar sua cinza em coroa, seu luto em perfume de festa, seu abatimento em roupa de gala” (Is 61,1-3a). 
Yahweh confirma tudo isso através do próprio Isaias: “Eu sou Yahweh. No tempo certo, farei isso prontamente” (Is 60,22b).
Yahweh cumpriu suas promessas na pessoa de Jesus Cristo, como fora dito por Isaias: “Vejam o meu servo, a quem eu sustento: ele é o meu escolhido, nele tenho todo o meu agrado. Eu coloquei sobre ele o meu espírito, para que promova o direito entre as nações” (Is 42,2; Mt 12,18). Esse Messias, anunciado por Isaias, nos foi apresentado pelo próprio Yahweh por ocasião do batismo de Jesus por João Batista nas margens do rio Jordão: “Este é o meu Filho amado, que muito me agrada” (Mt 3,17) e ainda, por ocasião da transfiguração de Jesus no monte: “Este é meu Filho amado que muito me agrada. Escutem o que ele diz” (Mt 17,5).
O Salmo desta liturgia corrobora as profecias de Isaias sobre a missão do Messias quase que com as mesmas palavras e acrescenta mais algumas coisas: “Ele mantém a sua fidelidade para sempre, fazendo justiça aos oprimidos, e dando pão aos famintos. Yahweh liberta os prisioneiros. Yahweh abre os olhos dos cegos, Yahweh  endireita os encurvados. Yahweh ama os justos. Yahweh protege os estrangeiros, sustenta o órfão e a viúva, mas transtorna o caminho dos injustos” (Sl 146 (145),6b-9). Este Salmo é uma oração de louvor e adoração: “Louve a Yahweh ó minha alma. Vou louvar Yahweh enquanto eu viver. Vou tocar ao meu Deus enquanto  existir. [...] Feliz quem se apoia no Deus de Jacó, quem coloca sua esperança em Yahweh seu Deus” (Sl 146 (145),1-2.5).
Fica-nos a incerteza se este Salmo foi escrito antes ou depois de Isaias, mas conforta-nos em ver a sintonia das afirmativas, espectativas e esperança na vinda do Messias, as maravilhas que ele operaria, e o que ele faria para conduzir o povo de Deus ao seu verdadeiro destino.
A segunda leitura é tirada da Carta de Tiago. O nome “Tiago” é uma forma aportuguesada de “Jacó”, nome comum entre os israelitas. São citados três personagens no Novo Testamento com esse nome, dois deles como Tiago “Maior” e Tiago “Menor”: “Entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o menor...” (Mc 15,40);  e o terceiro apenas Tiago, o “irmão” de Jesus. Os apelidos “Maior” e “Menor” dado aos dois primeiros foi para diferenciá-los por terem o mesmo nome, possivelmente seja porque o primeiro era mais alto ou mais velho; é uma explicação razoável. Tiago Maior era filho de Zebedeu e Salomé (Mt 27,56; cf  Mc 15,40) e irmão do apóstolo João, junto com o qual foi chamado ao apostolado (Mt 4,21; Jo 1,35-39).
Tiago Maior foi o primeiro apóstolo a ser martirizado: decapitado sob as ordens de Herodes Agripa I no ano 44 dC (At 12,2). Tiago Menor era filho de Alfeu (Mt 10,3; Mc 3,18; At 1,13), também um dos doze apóstolos, e o terceiro é Tiago, chamado de “o irmão” de Jesus (Mt 13,55; Mc 6,3), filho de Cleofas e Maria (cf Mc 15,40; Jo 19,25), e não de José e Maria, pais de Jesus, portanto, não irmão de sangue de Jesus.
Este último Tiago foi chamado “irmão” de Jesus, possivelmente por ser primo de Jesus ou pertencer à família, como era costume entre os judeus, e não pertenceu ao colegiado apóstólico, isto é, não foi chamado a ser apóstolo de Jesus, mas teve papel preponderante na Igreja primitiva de Jerusalém; depois da fuga de Pedro (At 12,17) ficou sendo o primeiro bispo da comunidade cristã de Jerusalém (Gl 1,19; 2,9.12) e, com Pedro e João, foi chamado por Paulo de coluna da Igreja nascente (Gl 2,9).
É a esse Tiago que é atribuída esta Carta de Tiago. Esta carta não tem um destinatário único ou individual, mas é dirigida “às doze tribos espalhadas pelo mundo” (Tg 1,1).
A Carta de Tiago foi escrita a todos os cristãos do seu tempo espalhados pelo mundo inteiro e trata de assuntos práticos da vida cristã. O autor fala de pobreza e riqueza, tentação, preconceito, maneira de viver, de falar, de agir, de como não criticar; fala sobre o orgulho, a humildade, a paciência, a oração e a fé.
Tiago destaca a necessidade de não somente crer, mas, acima de tudo, agir. Não adianta nada alguém dizer que tem fé se não provar, por meio das suas ações, que a sua fé é viva e verdadeira: “Do mesmo modo que o corpo sem espírito é cadáver, assim também a fé: sem as obras ela é cadáver” (Tg 2,26). A verdadeira fé cristã manifesta-se em atitudes e obras cristãs.
Se lermos a carta na sua totalidade vamos ver que ela frisa que a fé deve ser demonstrada pelas obras: “Meus irmãos, se alguém diz que tem fé, mas não tem obras, que adianta isso? Por acaso a fé poderá salvá-lo? [...] Alguém poderia dizer ainda: ‘Você tem a fé, e eu tenho as obras. Pois bem! Mostre-me a sua fé sem as obras, e eu, com as minhas obras, lhe mostrarei a minha fé’. Você acredita que existe um só Deus? Muito bem! Só que os demônios tambem acreditam e tremem!” (Tg 2,14.18-19).
Tiago, na sua carta, também chama a atenção para os males que a língua humana proporciona e deixa claro qual é a verdadeira religião: “Se alguém pensa que é religioso mas não sabe controlar a língua, está enganando a si mesmo, e sua religião não vale nada. Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1,26-27). Sobre a força e perigo da língua seria interessante ler a Carta de Tiago, 3,1-12. Também é na Carta de Tiago que encontramos a origem do sacramento da Unção dos Enfermos: Alguém de vocês está sofrendo? Reze. Está alegre? Cante. Alguém de vocês está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que rezem por ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração feita com fé salvará o doente: o Senhor o levantará e, se tiver pecados, será perdoado” (Tg 5,13-15).
Tiago aconselha a confissão e é insistente no ensinamento da oração persistente: “Confessem mutuamente os próprios pecados e rezem uns pelos outros para serem curados. A oração do justo, feita com insistência, tem muita força” (Tg 5,16).
A leitura de Tiago desta liturgia chama a atenção sobre a perseverança e a paciência cristã.
Possivelmente, por sentir a impaciência dos cristãos sobre a vinda de Jesus, que ainda não estava bem definida, considerando que muitos pregadores entusiasmados e imediatistas pregavam que Jesus estava prestes para vir imediatamente, e isso causava ansiedade aos cristãos, Tiago aconselha paciência e dá como exemplo a ação do agricultor: o grão, depois de sepultado na terra, por um longo período não dá sinal de vida. O tempo passa, a chuva cai e o agricultor sabe que no tempo certo surgirá a planta e depois o fruto. Tiago ensina que a atitude do cristão deve ser a mesma do agricultor: confiante, perseverante, na certeza de que, quando menos se esperar, o Senhor há de vir, conforme o mesmo Senhor havia dito: “Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém sabe nada, nem os anjos do céu, nem o Filho. Somente o Pai é que sabe. Prestem atenção! Não fiquem dormindo, porque vocês não sabem quando vai ser o momento” (Mc13,32-33).
A vinda do Senhor está próxima, sim. Mas o que é “próximo” para Deus? Moisés nos dá a resposta no Salmo 90 (89): “Mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou, uma vigília dentro da noite”. (Sl 90 (89),4). Na sua carta Pedro deixa mais claro o que é o tempo para Deus: “Há, porém, uma coisa que vocês, amados, não deveriam esquecer: para o Senhor um dia é como mil anos e mil anos são como um dia” (2Pd 3,8). Deu para entender o que o Senhor quer dizer quando diz: “a qualquer momento”? Será daqui um dia ou daqui a mil anos? O importante é estar atento porque, pode ser hoje... Ou daqui a mil anos... Nem os anjos do céu sabem...
Através do profeta Isaias Deus deixa claro que o seu modo de pensar é diferente do modo de pensar do ser humano: “Com efeito, os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos, oráculo de Yahweh. Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos”. (Is 55,8-9).
No Evangelho de hoje “João estava na prisão” (Mt 11,2). João Batista fora encarcerado por Herodes Antipas na prisão do castelo de Maqueronte, hoje Makaur, situado num rochedo a leste do mar Morto. Ao tomar conhecimento da prisão de João e para se resguardar e também não se expor ao perigo de ter o mesmo destino, Jesus voltou para a Galiléia: “Ao saber que João tinha sido preso, Jesus voltou para a Galiléia” (Mt 4,12). A partir de então Jesus iniciou a sua pregação com as mesmas palavras de João. João Batista pregava, dizendo: “Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo” (Mt 3,2), e Jesus começou sua pregação, dizendo: “Convertam-se, porque o Reino de Deus está próximo” (Mt 4,17).
João, pela sua vida austera e pelos seus ensinamentos de penitência e conversão, angariou muitos seguidores, teve muitos discípulos, dois dos quais foram os primeiros discípulos, depois apóstolos de Jesus: os irmãos João e Tiago (cf Mt 4,21 e Jo 1,35-39). Possivelmente, por Jesus dar início à sua pregação com as mesmas palavras de João Batista, os discípulos de João enciumaram e devem ter ido reclamar a João na prisão. Os discípulos de João Batista duvidavam de que Jesus fosse o Messias, por ciúme e porque Jesus se apresentava de maneira muito diferente do poderoso Messias que todos esperavam que viesse como libertador político e militar do povo judeu da dominação romana. Agora João proporciona aos seus discípulos a oportunidade de superarem as idéias correntes acerca do Messias, vendo as coisas com os próprios olhos.
João sabia quem era Jesus, mas, pela situação em que vivia, não estava fácil para ele transmitir isso aos seus discípulos, que eram muitos. Nada melhor, então, do que enviá-los até Jesus para que o próprio Jesus testemunhasse isso para eles. E, pedagogicamente, foi o que João fez, e mandou que seus discípulos perguntassem a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar por outro?” (Mt 11,3). Jesus, possivelmente, havia acabado de fazer muitas de suas maravilhas realizando curas, conforme havia prenunciado o profeta Isaias: “Então, os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos; os aleijados saltarão com cervo, e a língua do mudo cantará...”. (Is 35,5-6a) e Jesus, voltando-se para os discípulos de João, disse-lhes, repetindo o que profetizara do Messias o profeta Isaias: “Voltem e contem a João o que vocês estão vendo e ouvindo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia”. (Mt 11,4-5; Is 29,18).
Estas são as obras que, segundo Isaias, deveriam inaugurar a era messiânica. E Jesus complementa: “E feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim”. (Mt 11,6).
Feliz daquele que não perde a confiança em Jesus nem tenha a sua fé abalada pela humildade e pobreza de Jesus ao invés da grandeza e poder político e militar que se esperava que o Messias tivesse e que Jesus não apresentou. Feliz daquele que não se envergonha da condenação e da morte desonrosa que Jesus teria ao invés da grandeza, da glória e do poder de dominação que deveria ter o Messias, como esperavam os judeus.

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