CRISTO, REI DO UNIVERSO.
XXXIV OU ÚLTIMO DOMINGO DO
TEMPO COMUM DO ANO B
“TU O DIZES, EU SOU REI...” (Jo 18, 37).
Jesus Cristo é Rei.
É ele mesmo quem se proclama rei: “Tu o dizes, eu sou rei.” (Jo 18,37).
Jesus foge quando o povo, num momento de
glória, quis proclamá-lo rei e, por ironia, proclama-se rei no momento mais doloroso
de sua vida. Quando Pilatos pergunta-lhe se ele era realmente “Rei dos Judeus”, havia uma ironia nessa
pergunta; Pilatos não estava preocupado com a verdade; talvez até quisesse se
divertir à custa daquele homem das dores em sua presença, já profetizado por
Isaias: “Tão desfigurado estava o seu
aspecto e a sua forma não parecia de um homem...” (Is 52,14).
Que ironia: um rei coroado com uma coroa de
espinhos, tendo sobre os seus ombros um manto emprestado, como cetro, na mão,
um pedaço ridículo de cana e como trono um tronco onde foi amarrado para ser
açoitado...
Um rei todo machucado, com a carne dilacerada, com os olhos inchados,
com a aparência de um condenado, por isso
“Nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado.” (Is,
53,4); “Foi maltratado, mas livremente
humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro.” (Is
53,7).
Um rei com o rosto coberto de escarros da soldadesca violenta, embriagada
e nojenta, com os cabelos em desalinho, com as mãos amarradas, com a pele e a
carne dilaceradas pela violência dos açoites, com os pés descalços.
Sua aparência era real e total de um condenado, traído e abandonado até
pelos seus discípulos e pelos seus amigos escolhidos à dedo: os Apóstolos,
aqueles mesmos que lhe afirmaram numa profissão de fé:. “Senhor, a quem iremos? Tens palavra de vida eterna e nós cremos e reconhecemos
que tu és o santo de Deus”. (Jo 6,68).
Um rei traído por um de seus Apóstolos, Judas Escariotes, e negado pelo
mesmo Pedro Apóstolo que dias antes lhe dissera: “Ainda que todos se escandalizassem por tua causa, eu jamais me
escandalizarei.” (Mt 26,33). Jesus, conhecedor da fragilidade da natureza
humana, faz uma terrível revelação para o pseudo valente e destemido Pedro: “Em verdade te digo que esta noite, antes
que o galo cante, me negarás três vezes.” (Mt 26, 34).
E Pedro, na sua pseuda coragem e bravatisse, levanta-se, bate no peito
e afirma categoricamente: “Mesmo que
tiver de morrer contigo, não te negarei.” (Mt 26, 35).
Pobre Pedro. Tristemente, Pedro é a imagem de tantos cristãos dos
nossos dias, para não dizer de cada um de nós... E, durante o julgamento, Pedro
lá estava, disfarçado, tremendo de medo, escondido em um canto para que não
fosse reconhecido como um “seguidor do condenado”.
Reconhecido por uma criada, antes que o galo cantasse, Pedro nega Jesus
por três vezes, como Jesus lhe havia profetizado: “Não conheço esse homem.” (Mt 26,69.74).
Mas o olhar de Jesus, apesar do sofrimento e da desilusão de se ver
negado pelo Apóstolo que jurara de pés juntos que “mesmo que tiver de morrer contigo, não te negarei.” (Mt 26,35),
aquele mesmo olhar permanecia tranquilo, como tranquilo foi o olhar de Jesus
dirigido a Pedro após a sua tríplice negação: “Imediatamente, enquanto ele (Pedro) ainda falava, o galo cantou, e o Senhor voltou-se, fixou o olhar em
Pedro.” (Lc 22,60); um olhar tão tranquilo e cheio de paz que alcançava
profundamente o íntimo de cada pessoa e “Pedro
se lembrou da palavra que Jesus dissera: ‘Antes que o galo cante, três vezes me
negarás.’ Saindo dali ele chorou amargamente.” (Mt 26,75).
Jesus, um rei que havia sido traído e negado por seus súditos.
Um rei que havia sido açoitado.
Um rei que havia servido de gozação por parte da soldadesca embriagada
que escarnecia dele, dizendo: “Salve rei
dos judeus.” (Mt 27,29).
Um rei com uma grande coroa de espinhos na cabeça que lhe rasgava o
couro cabeludo e penetrava profundamente nos ossos, na testa, nas frontes, na
nuca, causando os mais terríveis sofrimentos e dores.
Aquele homem, naquele estado, antes de se dizer rei, devia pedir
clemência, tinha de implorar misericórdia; mas não: ele se mantém digno, de pé,
com uma postura e dignidade que somente um rei poderia ter: uma dignidade que
perturbava a todos os seus acusadores e impressionava os seus julgadores que
não tinham tanta certeza se deveriam condená-lo ou não.
Uma dignidade tal que somente um rei poderia ter, mas não um rei deste
mundo, e sim um REI que tinha algo de sobrenatural, uma missão a cumprir e,
aquelas cenas, aquele sofrimento, aquele julgamento estavam enquadrados nos
planos de sua missão.
Pilatos, na sua prepotência e gozação, não perde a oportunidade e
pergunta: “Então, tu és rei?” (Jo
18,37). Mas a resposta que Jesus lhe dá não é a mesma que ele esperava e o
surpreende; e Jesus responde: “Tu o
dizes, eu sou rei.” (Jo 18,37), e continua, afirmando: “Para isso nasci e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade.
Quem é da verdade escuta a minha voz.” (Jo 18,37). E afirma
categoricamente: “Meu reino não é deste
mundo...” (Jo 18,36).
Pilatos deve ter se impressionado com essas respostas, mas ainda
surpreso, mas não convencido das grandes verdades ditas por Jesus quanto ao
verdadeiro reino que ele veio trazer ao mundo para os homens e, possivelmente
para atingir com sua “gozação” também os fariseus, escribas, sacerdotes e
chefes do povo judeu, manda fazer uma tabuleta para colocar na cruz onde Jesus
seria crucificado com a seguinte inscrição:
“Este é Jesus, o rei dos Judeus.” (Mt 27,37), assinando, assim a sua
condenação e assumindo a culpa de estar compartilhando, pelas suas atitudes
dúbias, com a morte do REI DO UNIVERSO.
Pilatos e o povo judeu não esperavam jamais que aquele que fora escarnecido,
julgado, condenado, açoitado cruelmente e crucificado como marginal e elemento
nocivo à sociedade, à religião e ao governo, três dias depois ressuscitaria dos
mortos e estabeleceria o seu Reino que não é deste mundo, mas o Reino dos Céus,
o Reino de Deus...
E um dia todos “verão o Filho do
Homem vindo entre as nuvens com grande poder e glória.” (Mt 13,26), e, “quando o Filho do Homem vier em sua
glória, e todos os anjos com ele, ele se assentará no trono de sua glória. E
serão reunidas em sua presença todas as nações. E ele separará os homens uns
dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, e porá as ovelhas à
sua direita e os cabritos à sua esquerda.” (Mt 25,31-33).
E, naquele dia todos verão o poder e a majestade do Senhor Jesus.
E não somente naquele dia, mas, nós, que aderimos à verdade, que somos
da verdade, que ouvimos a verdade e que vivemos a verdade e sabemos que a
verdade suprema é Jesus Cristo, o Messias: “Eu
sou o caminho, a verdade e a vida.” (Jo 14,6) compartilhamos deste poder e
nos inclinamos, em adoração, diante da majestade infinita de Jesus Cristo, O
Rei dos Reis, o Rei do Universo.
Hoje e todos os dias de nossa vida temos por Rei e Mestre somente
Jesus, e é por meio desse Rei que nos tornamos herdeiros do Reino dos Céus e
chegamos ao Senhor Nosso Deus e Pai: “Ninguém
vem ao Pai a não ser por mim.” (Jo 14,6).
Se quisermos com Jesus reinar, devemos também, como ele, passar pelas
incompreensões, humilhações que o mundo lhe proporcionou e nos proporciona; não
estamos isentos do sofrimento pela nossa total adesão ao Cristo; se quisermos
com ele sermos transfigurados como ele o foi no monte Tabor (Mt 17,1-8; Mc
9,2-8; Lc 9,28-36), devemos também, com ele, passar pelo Getsamani (Mt 26,36-46;
Mc 14,32-42; Lc 22,40-46; Jo 18,1) e subir com ele ao Calvário para, com ele,
sermos crucificados (Jo 19,17-37; Mt 27,31.33.37-38; Mc 15,20.22.25-27; Lc
23,33.38).
O reino de Jesus não é deste mundo e é bem por isso que o mundo não o
reconhece como Rei e Senhor. Um dia todos dobrarão os joelhos em sua presença “... ao nome de Jesus se dobre todo joelho
dos seres celestes, dos terrestres e dos que vivem sob a terra, e, para a
glória de Deus Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor.” (Fl 2,10-11),
porque: “A ele foi outorgado o império, a
honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o servirão. Seu império é um império eterno que jamais
passará e seu reino jamais será destruído.” (Dn 7,14).
Todos os cristãos, que quiserem assumir realmente o seu batismo, que quiserem
assumir o seu cristianismo têm que reconhecer que Jesus Cristo é Rei.
O cristão deve ter o coração puro porque é num coração puro que Jesus
Cristo, Rei, estabelece o seu trono e é através dali que ele reina no mundo e
nos leva ao Pai: “Felizes os puros de
coração, porque verão a Deus”. (Mt 5,8).
Todos os cristãos, quando batizados, tornam-se reis com e em Jesus
Cristo.
Jesus Cristo é rei porque “...
veio a este mundo para dar testemunho da verdade, e quem é da verdade escuta a
sua voz.” (Jo 18,37), e nós, cristãos, a exemplo de Jesus Cristo, somos
reis na medida em que estamos neste mundo dando o testemunho da verdade,
ouvindo a verdade, vivendo a verdade, levando a verdade a todos os irmãos.
Nós somos reis na medida em que vivemos a vida ensinada por Jesus Cristo.
E sabemos pelas Sagradas Escrituras e dos escritos dos Apóstolos que não é
fácil seguir as pegadas do Divino Mestre. Todos os Apóstolos seguiram as
pegadas do Divino Mestre e foram escarnecidos como o Mestre, humilhados como o
Mestre e acabaram suas vidas como o Mestre: perseguidos e mortos violentamente por
pregarem a verdade e assumirem a sua fé.
Ai está o problema: se quisermos ser reis com Jesus Cristo, participar
do Reino de Deus como o Mestre ensinou, temos que, como ele, abraçar a nossa
cruz e seguí-lo por onde quer que ele vá ou nos leve: “quem quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me.” (Mt 16,24), e “quem põe a
mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus.” (Lc 9,62).
Se quisermos chegar até Deus Pai e reinar com Jesus Cristo, assumamos a
nossa vida de verdadeiros cristãos com todas as suas consequências, com todas
as suas alegrias e espinhos.
A vida do cristão tem muitas vezes a alegria da transfiguração do Monte
Tabor (Mt 17,1-13), mas sempre vai ter a dolorida subida ao Monte Calvário com
a inevitável crucificação (Jo 19,17-37). A vida do cristão tem as alegrias do
nascimento de Jesus em Belém (Lc 2,1-20), mas tem também as apreensões, os
horrores e as tristezas da matança dos inocentes pelo sanguinário Herodes e a
fuga para o Egito (Mt 1,13-18).
A vida do cristão tem a entrada triunfal em Jerusalém, (Mt 21,1-11) mas
também tem o sofrimento da flagelação e da coroação de espinhos (Mt 27,28-31).
Apesar de tudo isso, não podemos nos esquecer que, depois da morte de
cruz vem a ressurreição e é através da ressurreição que o Senhor Jesus faz
cumprir todas as profecias de se tornar e ser o REI DO UNIVERSO.
É através da nossa ressurreição de todos os dias e de cada dia, do
nosso cair-e-levantar que nos tornamos herdeiros do Reino dos Céus onde Jesus
Cristo reina por todo o sempre, como
vemos na segunda leitura desta nossa liturgia: “Jesus Cristo é a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os
mortos, o soberano dos reis da terra. A Jesus que nos ama, que por seu sangue
nos libertou dos nossos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu
Deus e Pai, a ele a glória e o poder, em eternidade. Amém.
Olhai ! Ele vem com as nuvens e todos os olhos o verão, também
aqueles que o traspassaram. Todas as tribos da terra baterão no peito por causa
dele. Sim. Amém! ‘Eu sou o alfa e o ômega’, diz o Senhor Deus ‘aquele que é,
que era e que vem, o TODO PODEROSO”. (Apo 1,5-8).
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