PADRE VICTOR, FILHO DE ESCRAVOS, É BEATIFICADO EM MINAS GERAIS
PADRE VICTOR SE TORNARÁ ASSIM O PRIMEIRO BEATO AFRODESCENDENTE DO
BRASIL
A Igreja de
Três Pontas, no sul de Minas Gerais, está em festa. Em 14 de novembro, após
dois anos de espera, será beatificado o Padre Francisco de Paula Victor, filho
de escravos. O anúncio da data de beatificação foi dado pelo Bispo da Diocese
de Campanha, Dom Diamantino Prata de Carvalho, após ter recebido o “nada
consta” do Vaticano.
Padre Victor,
como é chamado, se tornará assim o primeiro beato afrodescendente do
Brasil. O Papa Francisco havia autorizado a Congregação das Causas dos
Santos em 5 de junho passado a promulgar o Decreto concernente ao milagre
atribuído à intercessão de Francisco de Paula Victor.
Francisco de
Paula Victor, nasceu em 12 de abril de 1827 na Vila da Campanha da Princesa
(MG). Filho da escrava Lourença Justiniana de Jesus, teve como madrinha de
batismo a própria patroa, Marianna de Santa Bárbara Ferreira. Mesmo tendo
começado o trabalho de alfaiate, o sonho de Victor era ser sacerdote, um sonho
proibido para ele, a ponto de se dizer que caso se tornasse sacerdote “às
galinhas cresceria os dentes”.
Eram os duros e
trágicos tempos do regime escravocrata e aos escravos não era somente proibido acesso
a qualquer cargo público civil, mas também eclesiástico. Aos escravos era até
mesmo proibido estudar. A aspiração de Victor encontrou uma inesperada
reviravolta, com a ajuda da madrinha-patroa e na determinação de Dom Antonio
Vicoso, Bispo de Mariana, abolicionista convicto, que apoiou o jovem de forma
irrestrita.
Biografia
Pe. Victor, o padre negro, é chamado “O Anjo
Tutelar de Três Pontas”, Minas Gerais. Nasceu em Campanha, MG, filho da escrava
Lourença Maria de Jesus,em 12 de abril de 1827 e foi batizado aos 20 de abril
do mesmo ano, pelo padre Antônio Manoel Teixeira.
Dentro do regime de escravidão, então vigente
no Brasil, filho de escrava era também escravo. Pouco se sabe de sua infância,
apenas que era uma criança forte, robusta e saudável.
Conhecemos os nomes de seus padrinhos: Mariana
Barbosa Ferreira e Feliciano Antônio de Castro. Possivelmente, em virtude de
alguma proteção de pessoa caridosa, pôde ser afastado dos trabalhos pesados que
eram reservados aos escravos, ficando destinado a aprender o ofício de
alfaiate.
Seu mestre alfaiate, o senhor Inácio Barbudo,
a quem confidenciou o desejo de ser padre, disse-lhe: “Já se viu negro ser
Padre?”.
O Venerável Dom
Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana, MG, visitou Campanha em 1848. O
alfaiate Victor o procurou manifestando-lhe o desejo de ser sacerdote. Este o
recebeu com muita alegria. Dom Viçoso era um santo bispo, e encaminhou-o para o
estudo de latim e música. Teve ajuda de sua madrinha, Mariana.
Em 1849, o jovem Victor dirigiu-se a cavalo
para o Seminário de Mariana. Devido à escravidão, havia o preconceito racial
até na Igreja. Seus colegas de seminário fizeram com que passasse pelas maiores
humilhações, críticas, zombarias e exclusão. Com grande humildade e espírito de serviço, aos poucos foi
ganhando a simpatia e o respeito de seus companheiros. O bispo D. Viçoso o
estimava e sempre apoiava, chegando a proclamar suas virtudes. Recebeu as ordens menores a 20 de fevereiro de 1850 e Dom Viçoso
dispensou-o de possíveis impedimentos canônicos, inclusive até, por ser negro.
Ordenado sacerdote em 14 de junho de 1851,
permaneceu em Campanha, MG, como coadjutor, de 1851 a 1852, indo para Três
Pontas, MG, em 14 de junho do mesmo ano, como Vigário Encomendado.
A princípio a população ficou descontente por
ter um padre negro como vigário, com seu aspecto rude, pois ‘não era bonito’.
Mas a animosidade se transformou em admiração. Logo que assumiu seus trabalhos
na Paróquia, visitava doentes, amparava inválidos, zelava pela infância
desvalida, atendia a população em suas necessidades. A sua dedicação, as suas
virtudes o fizeram admirado por todos, ficando acima de todas as críticas.
Procurou catequizar e instruir o seu povo. No
seu plano de evangelização e catequese, chegou a criar a escola “Sagrada
Família”, mais tarde “Escola Coração de Jesus”, com uma organização perfeita.
Nela recebia alunos de todo o sul de Minas, e até do Rio de Janeiro. Muitos
alunos pobres eram admitidos, gratuitamente, mesmo internos. Por ela passaram
brasileiros de grande
projeção social. Fez, de muitos filhos de famílias humildes, homens de cultura,
que passaram a viver da inteligência, nas mais variadas profissões.
Padre Victor tinha grande devoção a Maria e ao
Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Era admirado pelo trato e respeito
religioso com que realizava as celebrações litúrgicas. Pregava pelo exemplo a
fé, a esperança, a fortaleza, o temor a Deus e sobretudo a caridade.
Seus paroquianos podiam contar com ele para sanar
dificuldades, seja fome, desentendimentos familiares, falta de moradia ou
trabalho. Amava a Deus na pessoa de seu semelhante, de modo especial os mais
pobres. Muito enérgico e exigente nas atitudes de respeito para com Deus, no
entanto não deixava de ser carinhoso e meigo com os pequenos.
Jovial, gostava de festas, chegando a ceder
salões da “Sagrada Família” para festas e bailes familiares, sempre terminando
às 24h.
Como escravo que fora, protegia os negros
maltratados e se insurgia contra os fazendeiros maldosos. Certa vez enfrentou
um bando armado de fazendeiros na entrada da cidade, com um crucifixo na mão,
que queria atear fogo na casa do Presidente da Junta Abolicionista da cidade,
que refugiava dois de seus escravos. Dizia: “Entrem! Entrem!...mas passem por
cima do cadáver do vigário!” O bando se desfez diante dessa muralha moral que
era o padre Victor, um simples sacerdote negro, revestido da graça de Cristo!
Padre Victor vivia de esmolas e dava esmolas.
Grande era a sua liberalidade, a tal ponto que passava necessidades. Praticava
tanto o desapego dos bens materiais, que quando recebia alguma doação, a dava
ao primeiro pobre que encontrasse, sem ao menos ver que quantia era. Certa vez
um pobre retornou dizendo que a quantia era muito alta, mas ele respondeu
somente: “Já lhe dei; são seus”.
Minado por uma lesão cardíaca e hepatite, sua
saúde foi definhando, mesmo sem deixar suas atividades pastorais, que exerceu
até os últimos dias de sua vida. Paroquiou Três Pontas, por cinquenta e três
anos.
Faleceu no dia 23 de setembro de 1905. A
notícia de seu falecimento abalou a cidade e toda a região que já o venerava.
Ficou insepulto três dias, pois todos o queriam visitar, mas mesmo, assim, de
seu corpo exalava suave perfume. Em vista do grande número de pessoas foi
necessário fazer uma procissão pelas ruas da cidade, voltando novamente à
Matriz, por ele construída e onde foi enterrado.
As graças e os milagres que a população diz
receber por intercessão de padre Victor são inúmeras. De ano para ano aumenta o
número de fiéis de toda a região e até de outros estados que visitam Três
Pontas no dia 23 de setembro, agradecendo graças recebidas ou implorando preces
pela intercessão de Pe. Victor, e muitos fazem essa romaria a pé.
Oração
para a Canonização
Ó Pai, que concedestes a vosso Servo, o Bem-aventurado
Padre Victor ser amigo dos pobres, dos humildes e dos simples, e lhe deste
a graça de ser vosso fiel servidor na busca do Reino dos céus, nós vos pedimos
que a Igreja possa reconhecer oficialmente as suas virtudes e o proponha como
modelo e protetor nosso. Por ter sido exemplo de pobreza, de simplicidade, de
caridade para com os mais pobres e de serviço dedicado à Igreja, nós vos
pedimos que, pela sua valiosa intercessão, obtenhamos a graça de que mais temos
necessidade (...). Concedei-nos também que, a seu exemplo,
tenhamos no coração um ardente amor a Vós e ao próximo.
Isso Vo-lo pedimos por meio de Jesus Cristo, vosso Filho, em união com o
Espírito Santo. Amém.
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